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Memória

Franco Montoro e a Ciência

O governador pôs em dia o repasse de recursos à FAPESP

Ao assumir o governo do Estado de São Paulo, em março de 1983, eleito com 5 milhões de votos, na primeira eleição direta para governador após o golpe militar, André Franco Montoro afirmou: “A grande obra do meu governo será a soma das pequenas obras”. Ali ele definia o seu estilo: pouca importância para as aparências e realizações de curto prazo e ênfase ao trabalho duradouro, com resultados significativos para a sociedade. Poucos meses após a sua posse, talvez tenha passado despercebido do grande público o significado de um pequeno gesto do governador: depois de uma audiência com os diretores da FAPESP, Montoro assegurou a regularidade da transferência dos recursos do Estado para a Fundação, que, a partir de então, não atrasaram mais.

Eram transferências asseguradas pela Constituição de 1947, mas que nem sempre foram rigorosamente feitas. Foi um gesto de pouca visibilidade do ex-governador, mas estratégico o bastante para permitir a manutenção das atividades rotineiras da Fundação, que freqüentemente tinha de recorrer às reservas próprias para assegurar a continuidade da concessão de bolsas e de auxílios à pesquisa.Mas o governador foi mais além. “Os recursos destinados à FAPESP – 0,5% do orçamento – eram transferidos pelo Estado com dois anos de atraso, o que reduzia seu valor a menos da metade”, escreveu ele, no artigo “Trinta Anos de Apoio à Pesquisa”, publicado na imprensa, por ocasião dos trinta anos da Fundação.

Como solucionar isso? Ainda em 1983, logo após um seminário realizado na Assembléia Legislativa com a finalidade de aproximar a comunidade científica e a classe política, com marcantes pronunciamentos do próprio Franco Montoro a favor da ciência e da educação, o deputado Fernando Leça elaborou uma proposta de emenda à Constituição estadual para regularizar definitivamente o fluxo de recursos à FAPESP, que seria calculado com base no ano anterior e repassado em duodécimos mensais.

A emenda foi debatida, votada e por fim aprovada, passando a vigorar a partir de 1985. “Se Montoro não apoiasse, a proposta não passaria”, comenta Leça, hoje diretor-superintendente do Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa (Sebrae) e membro do Conselho Superior da FAPESP. O desdobramento dessa outra aparentemente pequena obra do governador, falecido recentemente, no dia 16 de julho, dois dias após completar 83 anos, foi que a dotação anual da Fundação triplicou, favorecendo o desenvolvimento de suas atividades, que se desdobraram inclusive em grandes projetos científicos de impacto em São Paulo e no País.

Franco Montoro compreendia bem a importância da FAPESP e da ciência e tecnologia. Em 1993, em entrevista ao jornalGazeta Mercantil , ele afirmou que “as políticas voltadas para o desenvolvimento científico e tecnológico nacional ganhariam mais consistência com a multiplicação, por todo o País, de experiências similares à da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.” Ele destacava, como pontos a serem imitados, a disposição estatutária que restringe a 5% do orçamento as despesas administrativas da Fundação e a competência administrativa da comunidade científica. “A generalização desse modelo da FAPESP, junto com uma visão de desenvolvimento científico e tecnológico que respeita as peculiaridades de cada região, auxiliaria muito o desenvolvimento do País”, disse ele.

Institutos de pesquisa
Permitir a regularidade da transferência de recursos à FAPESP não seria a única pequena obra de grandes efeitos realizada pelo ex-governador na área de política científica. Montoro mostrou-se envolvido com a comunidade científica ao longo de todo o seu governo. E mais de uma vez agiu como um autêntico cientista, sabendo esperar, pacientemente, atento não ao impacto imediato de suas ações, mas aos benefícios a longo prazo de seu trabalho à sociedade.

Com uma visão abrangente, ele acompanhou a montagem de um modelo que poderia resolver a conturbada situação dos institutos públicos de pesquisa paulistas. Queixas de salários defasados e de falta de condições de trabalho motivaram a formação de um grupo de trabalho, com pesquisadores dos próprios institutos e das universidades e representantes do Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia. Fizeram um levantamento das atividades e dos impasses dos institutos e elaboraram uma proposta de reorientação dos institutos, que seriam integrados às universidades.

Os pesquisadores das universidades poderiam trabalhar nos institutos, sendo possível também o caminho inverso. O plano era constituir uma estrutura única de produção científica. Montoro gostou da idéia, mas a aproximação não ocorreu. As instituições de pesquisa preferiram manter as personalidades próprias.De qualquer forma, os pesquisadores conseguiram, em dezembro de 1983, “dar continuidade à implementação de seu plano de carreira, após a criação de 1.811 cargos de pesquisador científico. Por sua vez, o orçamento das universidades estaduais seria reajustado gradativamente”, segundo Marilda Nagamini, autora do artigoA FAPESP nos tempos da globalização; da década de 80 aos dias atuais, em FAPESP, Uma História de Política Científica e Tecnológica .

Coerência
“O governo de Montoro foi marcado pela absoluta coerência entre o discurso e a prática”, atesta Fernando Leça. Coerência, aliás, parece ter sido a marca dele, um dos maiores nomes da política brasileira. Nascido na cidade de São Paulo em 1916, Franco Montoro formou-se em Direito, tendo sido vereador, professor universitário, deputado estadual e federal, ministro do Trabalho e senador antes de assumir o posto máximo do Executivo paulista. Ao deixar o governo, reelegeu-se deputado federal, presidindo a Comissão de Relações Exteriores da Câmara e o Instituto Latino-Americano (ILAM), cargo que exerceu até a sua morte.

Ao longo de toda a sua vida pública, teve grande preocupação com o social – educação, saúde e trabalho -, vendo sempre o desenvolvimento do País indissoluvelmente ligado à melhoria das condições de vida da população. “Montoro era um homem de grande visão social”, comenta Alberto Carvalho da Silva, escolhido como diretor-presidente da FAPESP, com o respaldo da comunidade científica, no final de seu mandato.

Essa visão está sintetizada em uma de suas frases: “Se unirmos o Brasil em torno da idéia generosa de um desenvolvimento baseado em nossos próprios recursos, um desenvolvimento cujo centro seja a pessoa humana, iniciaremos um movimento de transformações sociais que hão de marcar a nossa história”.

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