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Esquema que produzia artigos falsos ou de baixa qualidade é descoberto por detetives de má conduta

Duas pesquisadoras que vasculham práticas ilícitas em publicações acadêmicas, as russas Anna Abalkina e Svetlana Kleiner, descobriram o fio da meada do que parece ser um dos maiores esquemas fraudulentos já vistos na comunicação científica: uma rede, aparentemente baseada na Ucrânia, que produzia artigos falsos ou de baixa qualidade, vendendo suas autorias a pesquisadores interessados em ampliar artificialmente sua produção acadêmica. A rede constitui o que se convencionou chamar de fábrica de papers, um tipo de serviço ilegal que vende trabalhos sob encomenda, às vezes com dados falsificados. Os resultados da investigação feita pela dupla foram apresentados no início de setembro aos participantes do 10º Congresso Internacional de Revisão por Pares e Publicações Científicas, realizado em Chicago, Estados Unidos.

Abalkina, cientista social hoje vinculada à Universidade Livre de Berlim, na Alemanha, teve um primeiro contato com essa fábrica de papers em 2022, quando o editor de uma revista da área de direito, Bastian Michel, pesquisador da Universidade de Amsterdã, nos Países Baixos, alertou-a para a recorrência de dezenas de domínios na internet suspeitos nos e-mails de autores de artigos com indícios de má conduta – o mais comum deles era o Tanu.pro. O uso de e-mails privados por pesquisadores, em vez dos perfis vinculados a suas instituições de pesquisa, não constitui uma irregularidade em si, mas é um truque usado com frequência por fraudadores para criar perfis falsos ou irregulares de pesquisadores, por meio dos quais se correspondem com editores de periódicos.

Ciente de que aquilo poderia ser apenas a ponta do iceberg, Abalkina pediu ajuda a Kleiner, chefe de integridade de pesquisa na editora Springer Nature. Juntas, rastrearam os outros domínios de e-mails associados a artigos produzidos pelo esquema do Tanu.pro. As duas chegaram a uma relação de 1.517 estudos publicados entre 2017 e 2025 em 380 periódicos, listando mais de 4.500 pesquisadores afiliados a cerca de 460 universidades em 46 países. “Fiquei impressionada com o número e a escala dessa fábrica de papers”, disse Kleiner à revista Nature. A maioria dos autores desses trabalhos estava na Ucrânia, Cazaquistão e Rússia.

Os artigos foram analisados e a boa parte deles continha anomalias como número excessivo de autores, citações irrelevantes, fabricação de dados, manipulação na revisão por pares, uso de ferramentas de inteligência artificial para escamotear plágio, entre outras. Kleiner afirmou que a Tanu.pro é muito prolífica. Segundo ela, a editora Springer Nature já recebeu 8.432 submissões de manuscritos vinculadas à rede fraudulenta. A grande maioria foi rejeitada, mas 79 papers foram publicados. Quarenta e oito deles sofreram retratação e os 31 restantes estão sendo investigados.

Durante a investigação, Abalkina e Kleiner encontraram indícios da possível origem do esquema. Um dos domínios suspeitos estava registrado em nome do fundador de uma empresa sediada em Kiev chamada Scientific Publications, criada em 2016. Em seu site, a Scientific Publications afirma oferecer serviços como edição de manuscritos, tradução e submissão a periódicos indexados nas bases Scopus e na Web of Science. Também divulga ser capaz de “aumentar as citações” e afirma que seus clientes estão “legalmente protegidos”.

À primeira vista, “parece um negócio legítimo, que apenas facilita a submissão de artigos”, explicou Kleiner à Nature. Mas algumas das frases encontradas no site, como “Encomende agora mesmo a publicação de um artigo científico em um periódico de alta classificação”, dão a entender que os artigos são produzidos sob demanda ou que pesquisadores podem pagar para incluir seus nomes como autores. Um porta-voz da Scientific Publications disse à Nature que a empresa não possui nem utiliza o domínio tanu.pro ou outros identificados pela investigação. Questionado se produz artigos sob encomenda, vende autorias ou cria endereços de e-mail para seus clientes, ele se limitou a afirmar que “ao longo de quase 10 anos de trabalho em consultoria científica nossos clientes incluem dezenas de milhares de pesquisadores de mais de 60 países, que receberam serviços de alta qualidade, transparentes e confiáveis”.

Abalkina contou, no congresso realizado em Chicago, que os domínios de e-mail suspeitos pararam de ser usados depois que periódicos começaram a rejeitar e retratar artigos que os continham. “Os e-mails associados ao Tanu.pro foram usados principalmente entre 2020 e 2022. Depois disso, as fábricas de papers migraram para e-mails comerciais. Isso ilustra como se adaptam continuamente aos esforços de detecção e se mantêm um passo à frente”, disse.

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