No último dia 31 de março completaram-se 200 anos desde o nascimento de Fritz Müller (1822-1897), o prolífico naturalista alemão que, após ter se radicado em Santa Catarina e se naturalizado brasileiro, publicou mais de duas centenas de artigos científicos e forneceu evidências para a teoria da evolução pelo mecanismo de seleção natural, proposta pelo naturalista britânico Charles Darwin (1809-1882). Entre os eventos comemorativos, como a exposição organizada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência no Congresso Nacional, está o website Fritz Müller 200 anos. Com vídeos, artigos, e-books e exposições virtuais que visam a um público amplo, o site é uma iniciativa encabeçada pelo grupo de sociedade civil “Desterro Fritz Müller/Charles Darwin – 200 anos”, sediado em Florianópolis e coordenado pelo ex-deputado Marcondes Marchetti e pelo parasitologista Mário Steindel, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Fritz Müller era natural da Turíngia, região central da atual Alemanha. Desde que chegou ao Brasil em 1852, aos 30 anos, passou a maior parte da vida em Blumenau – onde este ano ocorre grande parte dos eventos comemorativos –, mas também viveu 11 anos em Nossa Senhora do Desterro, atual Florianópolis. Graduado em filosofia e medicina na Alemanha, em Desterro o alemão se naturalizou brasileiro e lecionou matemática e ciências no Liceu Provincial. Nesse período, empreendeu estudos sobre a fauna marinha, especialmente o desenvolvimento larval dos crustáceos. Ateu e defensor de uma educação laica, Müller deixou o posto de professor na escola quando ela voltou ao controle dos padres jesuítas e em 1867 retornou a Blumenau, onde exerceu a função de naturalista viajante do Museu Nacional e escreveu a maior parte de seus 270 trabalhos científicos.
De suas pesquisas com a fauna marinha catarinense surgiu “o maior conjunto de comprovações da teoria evolutiva de Darwin até então”, afirma o médico legista e biólogo Luiz Roberto Fontes, que também destaca o pioneirismo de Müller nesse âmbito: “Ele foi o primeiro cientista no mundo a construir um conjunto sólido de evidências para sustentar o darwinismo”. Fontes traduziu (em colaboração com Stefano Hagen, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo) para o português o livro Für Darwin (Para Darwin, Editora UFSC, 2009), escrito por Müller, publicado na Alemanha em 1864 e imediatamente reconhecido pelo próprio Darwin pelas contribuições à teoria da evolução por seleção natural. Os dois naturalistas tornaram-se amigos por correspondência a partir de então. Fontes é um dos palestrantes cujos vídeos estão disponíveis em forma de seminários on-line no site comemorativo.
Os webinários foram originalmente produzidos para a rede estadual de ensino catarinense. Em meio à demanda por atividades educativas on-line gerada pela pandemia da Covid-19, surgiu a oportunidade para o grupo liderado por Steindel de promover a formação de professores da rede pública sobre a vida e a obra de Müller. Apresentados por pesquisadores brasileiros que estudam a obra do naturalista, os webinários ocorreram originalmente entre junho e agosto de 2020, em conjunto com atividades de formação de professores sobre o tema. Steindel conta que a alta adesão dos professores e a quantidade de visualizações (mais de 28 mil acessos) foram uma grata surpresa. Além disso, dois livros eletrônicos (e-books) foram lançados com escritos dos pesquisadores palestrantes, também disponíveis no site com acesso livre.
Embora o grupo organizador tenha como alvo o público não especializado, por enquanto Steindel estima que o maior uso do material se dê em atividades ligadas à educação: “Percebemos em comentários nos perfis do grupo nas redes sociais que a maior parte dos acessos ao site é principalmente de professores e estudantes do ensino básico”. De acordo com ele, docentes e alunos do ensino superior também fazem uso do site, mas em menor número. Steindel afirma que o objetivo do grupo é aproveitar a ocasião para difundir ao máximo Müller em todo o Brasil. “Por isso, queremos tornar itinerante a exposição que acabamos de inaugurar no Museu Histórico de Santa Catarina.”
A experiência realizada na Escola de Educação Básica Professora Anair Margarida Voltolini, da cidade catarinense de Pouso Redondo, ilustra o cenário descrito por Steindel sobre a utilização pedagógica do conteúdo do site e a dificuldade em torno da difusão desse conhecimento. Como conta o professor de física, química e biologia Peterson Dirksen, seus estudantes do 3º ano do ensino médio não tinham tido contato com ações de divulgação das comemorações dos 200 anos de nascimento de Müller. Mas encontraram os materiais do site por meio de um projeto escolar de pesquisa interdisciplinar que culminou na produção, pelos próprios alunos, de um curta-metragem de divulgação científica sobre a vida do naturalista. Dirksen conta que os alunos leram o e-book produzido a partir dos webinários. “Essa experiência de contato com a trajetória do naturalista foi algo marcante para nossos alunos”, diz. Segundo ele, “o material disponível no site deu aos estudantes informações detalhadas, que usaram para escrever o roteiro, as falas dos personagens, além de ser objetivo e didático”.
Para Fontes, Müller, que morreu aos 75 anos em 1897, além de publicar papers, aprovaria a iniciativa do grupo Desterro Fritz Müller/Charles Darwin – 200 anos. “Ele escreveu sobre o darwinismo em jornais de Santa Catarina daquela época, sendo o primeiro divulgador da teoria evolutiva em solo brasileiro.”
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