EDUARDO CESARDesde o mês passado, a busca por pés de laranja mais resistentes às principais doenças que assolam a citricultura nacional conta com uma rede de novos aliados. Num trabalho que literalmente fincou raízes em seis localidades da região Sudeste, agrônomos e técnicos do Centro de Citricultura Sylvio Moreira – unidade de pesquisa ligada ao Instituto Agronômico de Campinas (IAC), situada na cidade paulista de Cordeirópolis – terminaram em janeiro de assentar as últimas mudas que compõem um conjunto de 12 mil plantas muito especiais. Nesses pomares experimentais, localizados em terras pertencentes a quatro municípios paulistas (Araraquara, Botucatu, Itapetininga e Cordeirópolis), um de Minas Gerais (Comendador Gomes) e um do Paraná (Maringá), há amostras de 751 híbridos desenvolvidos recentemente pelos pesquisadores do centro.
Cada nova variedade carrega alguma característica que aparentemente lhe confere mais resistência ou até mesmo imunidade a doenças como a leprose, a gomose, o cancro cítrico e a clorose variegada dos citros (CVC), esta última popularmente conhecida como amarelinho. Quase 65% das plantas são híbridas de copa, da parte superior da árvore, responsável pela aparência e características gustativas do fruto. Nos outros 35%, o caráter de hibridismo está presente em seu sistema de raízes, no chamado porta-enxerto. “As copas e os porta-enxertos mais usados em nossos laranjais apresentam baixa diversidade genética”, diz Marcos Machado, do centro de citricultura, coordenador das pesquisas com os híbridos, feitas no âmbito do Projeto Genoma Citros, um dos Institutos do Milênio financiados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A situação do limão-cravo, o porta-enxerto mais difundido na citricultura paulista, é emblemática: todas as suas mudas derivam de umúnico clone. Têm, portanto, rigorosamente o mesmo genoma. “Temos de alargar a base genética nas plantações de laranjais para deixarmos de ser o paraíso das doenças”, afirma Machado.
Todos os 751 híbridos passaram por um período de testes preliminares em casas de vegetação, um ambiente mais controlado do que os pomares abertos para onde foram transferidos. Apenas os que se mostraram mais promissores acabaram sendo selecionados para compor a rede experimental montada pelo centro. Com sorte, em dois ou três anos, os pesquisadores esperam ter em mãos a comprovação científica de que alguns desses híbridos realmente são resistentes às principais doenças de citros. Na última etapa do processo de seleção, deverão sobrar poucas variedades de citros com potencial para serem exploradas comercialmente. Isso porque, além de se mostrarem mais tolerantes a doenças, os híbridos terão de preservar as características de sabor associadas à laranja nacional e apresentarem boa produtividade do ponto de vista econômico. “Se obtivermos dois bons híbridos no final do projeto, o trabalho já terá valido a pena”, opina Machado.
Na maioria dos casos, os híbridos foram obtidos por meio de cruzamentos entre duas espécies de citros com características diametralmente opostas: uma delas apresentava grande suscetibilidade a uma ou várias doenças, enquanto a outra se mostrava resistente ou mais tolerante a essas pragas. No que diz respeito às copas, o cruzamento mais comum foi entre a laranja-pêra e tangor Murcott (um híbrido natural de laranja com tangerina). Base da citricultura paulista, onde representa cerca de 45% dos cerca de 200 milhões de árvores plantadas, a laranja-pêra é facilmente atacada pelo cancro cítrico, amarelinho e leprose, doenças que não conseguem se desenvolver plenamente na tangerina. Desse casamento entre opostos, nasceram 311 híbridos distintos. Apesar de “filhos” da mesma família, cada híbrido de laranja-pêra e tangor Murcott apresenta um genótipo ligeiramente distinto do encontrado em seus “irmãos”.
No caso dos cruzamentos entre diferentes tipos de porta-enxertos, a associação mais comum foi entre a espécie Poncirus trifoliata, que pertence a um gênero próximo dos citros, e a tangerina Sunki. Tal casamento produziu 281 híbridos geneticamente distintos. O objetivo é conseguir porta-enxertos mais resistentes ao fungo Phytophthora, que provoca a gomoses e ao vírus da tristeza dos citros, doença que na década de 1940 quase dizimou os laranjais paulistas e hoje, em versões mais atenuadas, tornou-se praticamente endêmica nos pés de laranja. Um ponto precisa ficar claro com relação aos híbridos: não se trata de plantas transgênicas, embora os conhecimentos da moderna genética tenham sido usados no direcionamento de alguns cruzamentos. Aliás, um dos objetivos do Projeto Genoma Citros é produzir um banco de dados sobre os genes da laranja, da tangerina e de Poncirus. Os pesquisadores geraram 97 mil fragmentos de genes ativos de laranja e 12.700 de tangerina. Quando houver mais informações sobre o genoma dos citros, aí sim a criação de variedades transgênicas, modificadas com genes desse mesmo grupo de plantas, deverá entrar em pauta.
O Projeto
Integração, Melhoramento Genético, Genoma Funcional e Comparativo de Citros
Modalidade
Instituto do Milênio (CNPq)
Coordenador
Marcos Machado – Centro de Citricultura Sylvio Moreira
Investimento
R$ 3.115.000,00