A notícia é conhecida: a baixa ingestão de proteínas durante o desenvolvimento do feto no útero e logo após o nascimento pode levar a distúrbios metabólicos na vida adulta, como obesidade, tolerância à insulina e hiperfagia — aumento exagerado do apetite. Agora, um grupo internacional de pesquisadores, entre eles brasileiros da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), pode estar mais próximo de compreender os mecanismos biológicos básicos que causam este fenômeno: num estudo com modelos animais, a equipe verificou que a baixa ingestão de proteínas por ratos na fase intrauterina e, logo em seguida, durante os primeiros dias de amamentação, pode desencadear alterações no funcionamento de um importante sensor nutricional responsável pelo controle do comportamento alimentar em uma região do cérebro conhecida como hipotálamo. Essas alterações podem comprometer a capacidade do cérebro de identificar o status nutricional do organismo durante a alimentação, tornando-o incapaz de indicar com precisão quando é hora de parar de comer.
Em seguida a uma refeição, quando aumenta a concentração de nutrientes no organismo, esse sensor — uma proteína conhecida como mTOR — é ativado pelo cérebro. Uma vez acionado, ele passa a agir no controle do comportamento alimentar e na homeostase energética, o sistema de regulagem química do organismo. Assim, induz o organismo a diminuir a ingestão de alimentos. “O mTOR é um indicador de que há energia disponível no corpo. Quanto maior for a ingestão alimentar, maior será sua ativação”, explica Raquel da Silva Aragão, professora do Departamento de Nutrição da UFPE e uma das autoras do artigo, cujos resultados foram publicado em setembro na revista PLoS One.
Os pesquisadores já haviam observado vias moleculares alteradas nos animais nascidos de mães com dieta restrita em proteína durante a gestação e a amamentação. Entre elas, uma via específica responsável pela ativação da mTOR. “Concluímos, assim, que esse sensor poderia desempenhar um papel chave no desenvolvimento de distúrbios metabólicos devido a um ambiente desfavorável antes e depois do parto”, conta.
Para testar a hipótese, os pesquisadores submeteram ratas grávidas a dois tipos de dietas, um com uma quantidade adequada de proteína e outro com uma dieta mais restrita em proteína. Após o nascimento, os filhotes continuaram sendo amamentados por 21 dias. Dessa forma, os filhotes do grupo em que as mães tinham dieta restrita em proteína também estavam sujeitos à restrição pelo leite.
Em seguida, aos 4 meses de vida, os pesquisadores dividiram os filhotes em subgrupos: os que tinham acesso irrestrito à comida, os que ficaram em jejum por 48 horas e os que ficaram em jejum também por 48 horas, mas, 3 horas antes de serem sacrificados, tiveram acesso a ração. Essas diferenças foram usadas como ferramenta para modificar o status nutricional dos ratos antes de serem sacrificados.
Ao medirem os níveis de ativação da mTOR na região do hipotálamo, os pesquisadores notaram que os ratos nascidos de fêmeas alimentadas com pouca proteína, mas que podiam comer livremente, exibiram uma redução da atividade do sensor em dois núcleos cerebrais: o arqueado e o ventromedial. O primeiro é o centro do controle do comportamento alimentar, no qual se concentra uma grande quantidade de neurônios responsáveis pela regulação da ingestão, entre eles os neurônios da fome, conhecidos como AgRP, e os da saciedade, Pomc (ver Pesquisa FAPESP nº 212). Já o segundo é a região que induz sensações de saciedade e que, desregulado, pode levar o indivíduo ao apetite excessivo.
Os pesquisadores também observaram que a resposta ao jejum estava alterada nos filhos das ratas que receberam dieta restrita em proteína. “Esses animais foram incapazes de alterar o nível de ativação da mTOR nos núcleos arqueado e ventromedial em resposta ao jejum”, conta Raquel.
Os resultados sugerem que a restrição à proteína materna durante o período da gestação e amamentação é capaz de alterar, nos filhotes, a detecção do status nutricional do organismo pelo hipotálamo, já que houve um prejuízo na ativação da mTOR em resposta ao desafio nutricional (jejum) imposto aos ratos. O que é mais grave, esse efeito se estende à vida adulta. “Isso sugere que a alteração nos sensores nutricionais pode ser um mecanismo que liga o ambiente fetal e neonatal pobre em nutrientes com o aparecimento, na vida adulta, da síndrome metabólica”, diz a pesquisadora.
Artigo científico
GUZMÁN-QUEVEDO. O. et al. Impaired Hypothalamic mTOR Activation in the Adult Rat Offspring Born to Mothers Fed a Low-Protein Diet. PLoS ONE. v. 8, n. 9. set. 2013.