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PRÊMIO

Geneticista sueco recebe o Nobel de Medicina ou Fisiologia de 2022

Svante Pääbo desenvolveu formas de recuperar, sequenciar e analisar o material genético de seres humanos arcaicos, como os neandertais, além de ter identificado uma espécie nova, o homem de Denisova

Pääbo, um dos fundadores da paleogenética e coordenador do projeto que sequenciou o genoma dos neandertais

Wikimedia Commons

O geneticista sueco Svante Pääbo, de 67 anos, diretor do Departamento de Genética no Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, em Leipzig, na Alemanha, e professor do Instituto Okinawa de Ciência e Tecnologia, no Japão, é o ganhador do prêmio Nobel de Medicina ou Fisiologia de 2022. Ele recebe a honraria por ter conseguido extrair e sequenciar o material genético (DNA) de espécies arcaicas de seres humanos e por suas descobertas sobre a evolução humana. Seu trabalho possibilitou analisar o material genético dos neandertais (Homo neanderthalensis), um parente próximo dos seres humanos modernos (Homo sapiens) extinto há cerca de 30 mil anos. Levou, ainda, à identificação de uma nova espécie do gênero Homo, também extinta, sem nome científico definido por enquanto: os denisovanos. Ao reconstruir e analisar a informação genética dessas espécies, ajudou a estabelecer a paleogenômica. Esse novo campo da ciência vem permitindo conhecer como essas espécies interagiram e se dispersaram pelo mundo e legaram certos genes para os seres humanos modernos.

A premiação foi anunciada na manhã desta segunda-feira (3/10) pela Assembleia do Nobel do Instituto Karolinska, na Suécia. Pääbo receberá uma medalha de ouro com a efígie de Alfred Nobel (1833-1896), químico, engenheiro e filantropo, propositor da premiação, além de 10 milhões de coroas suecas (cerca de R$ 4,8 milhões). “Por meio de sua pesquisa pioneira, Svante Pääbo conseguiu algo aparentemente impossível: sequenciar o genoma dos neandertais, um parente extinto dos seres humanos atuais”, afirmou o comitê do Nobel em um comunicado. Suas descobertas, segundo a nota, “também geraram uma nova compreensão da história evolutiva humana”.

Filho de pesquisadores, Pääbo nasceu em 1955 de uma relação extraconjugal. Sua mãe, a estoniana Karin Pääbo (1925-2007), era química e ajudante de laboratório de seu pai, o bioquímico Karl Sune Bergström (1916-2004), ganhador do Nobel de Medicina ou Fisiologia de 1982 em conjunto com o bioquímico sueco Bengt Samuelsson e com o farmacologista britânico John Vane (1927-2004) por achados sobre as prostaglandinas, substâncias que controlam a inflamação.

O geneticista sueco começou a desenvolver os métodos para estudar DNA antigo dos neandertais durante um estágio de pós-doutorado supervisionado pelo bioquímico Allan Wilson (1934-1991), pioneiro em biologia evolutiva na Universidade da Califórnia, em Berkeley, Estados Unidos. Em alguns de seus primeiros trabalhos, Pääbo extraiu e analisou o material genético de múmias egípcias de alguns milhares de anos. Análises posteriores feitas por ele, no entanto, indicaram que parte das amostras estava contaminada por DNA moderno, o que o levou a retratar os artigos. O revés, no entanto, não desanimou o sueco. “Ele publicou um artigo no qual reconheceu os erros que cometeu e estabeleceu critérios muito estritos para a extração e a manipulação de DNA antigo que passaram a nortear a pesquisa na área”, conta o geneticista Fabrício Santos, professor de evolução humana na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Sem esse tipo de autocrítica não existiria avanço no conhecimento”, afirma.

Em 1997, começaram a surgir os primeiros resultados que marcariam uma guinada na área. Em um artigo na revista Cell, Pääbo apresentou os dados do sequenciamento de uma pequena fração do material genético – o DNA mitocondrial, encontrado em organelas na periferia das células – de um fóssil de neandertal descoberto em 1856 na Alemanha. A análise sustentava a hipótese de que os neandertais integravam uma espécie diferente da humana. “Em 1996, Pääbo visitou o grupo em que eu fazia pós-doutorado na Universidade de Oxford. Na época, havia rumores de que ele já teria obtido as primeiras sequências de DNA neandertal, mas ele, claro, negou. Estava escondendo o jogo”, lembra Santos.

Wikimedia Commons Réplica de fragmento do osso encontrado em 2008 na caverna de Denisova, na Sibéria, que permitiu identificar uma nova espécie de seres humanos arcaicosWikimedia Commons

Foi necessário, porém, quase uma década de trabalho, aperfeiçoando as técnicas de extração e análise de DNA antigo, para que se chegasse ao genoma quase completo desses parentes próximos da espécie humana. Em 2010, em um artigo na revista Science, o grupo de Pääbo finalmente apresentou o rascunho do genoma neandertal. Análises comparativas indicaram que esses seres humanos arcaicos compartilharam um ancestral comum com os seres humanos modernos há cerca de 800 mil anos.

Naquele mesmo ano, em um trabalho publicado na revista Nature, Pääbo e seus colaboradores descreveram, de forma inovadora, o que aparentemente é uma nova espécie de ser humano arcaico: os denisovanos. O material genético extraído de um pequeno osso fossilizado – um pedaço do dedo mínimo, encontrado na caverna Denisova, nos montes Altai, no sudoeste da Sibéria – indicou que aquele indivíduo, que viveu entre 48 mil e 30 mil anos atrás, pertencia a uma espécie desconhecida de hominínio, o grupo a que pertencem as espécies do gênero Homo e seus ancestrais. A nova espécie foi apelidada de homem de Denisova ou denisovano, que compartilhou um ancestral comum com o Homo sapiens e os neandertais há quase 1 milhão de anos.

“Do ponto de vista genético, os denisovanos integram uma espécie distinta dos neandertais e da espécie humana”, explica a geneticista Tábita Hünemeier, da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora do Instituto de Biologia Evolutiva, em Barcelona, Espanha. Essa espécie, no entanto, ainda não foi formalmente descrita porque nunca se encontrou um crânio. “O trabalho do grupo de Pääbo mudou a forma como compreendemos a evolução humana”, afirma.

Graças às pesquisas da equipe do Max Planck, hoje se sabe que as três espécies de hominínios conviveram por algumas dezenas de milhares de anos e até cruzaram entre si, embora provavelmente tenham surgido em regiões muito diferentes do planeta – Homo neanderthalensis, na Europa, denisovanos, na Ásia, e Homo sapiens, na África. Uma das evidências de que tiveram relações sexuais e deixaram descendentes é que algumas populações modernas carregam em seu material genético uma assinatura sutil desses seres humanos arcaicos. Os povos nativos da Europa, da Ásia e das Américas têm 1% a 4% de DNA neandertal em suas células, enquanto os do leste asiático apresentam até 6% de material genético de origem denisovana. “Por décadas se acreditou que neandertais não poderiam ter cruzado com Homo sapiens por causa de diferenças na anatomia da pelve e possivelmente no tempo de gestação”, conta Hünemeier. Os dados do grupo de Pääbo chacoalharam essa ideia.

“Desde o final do século XIX se debatia a possibilidade de esse cruzamento ter ocorrido. Décadas mais tarde alguns anatomistas até já diziam que certos fósseis apresentavam tanto traços neandertais quanto humanos, mas a dúvida só se desfez com a publicação do genoma neandertal pelo grupo de Pääbo em 2010. Essa foi uma das descobertas mais importantes da antropologia no século XXI”, conta o arqueólogo André Strauss, do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, que realizou doutorado no Max Planck em Leipzig. “Esse Nobel consagra a importância das abordagens quantitativas nas ciências humanas”, afirma o pesquisador, que coordena na o Grupo Parceiro Max Planck da USP.

Pääbo já esteve algumas vezes no Brasil participando de eventos científicos. Em 2001, concedeu entrevista ao jornalista Marcos Pivetta, de Pesquisa FAPESP.

Íntegra do texto publicado em versão reduzida na edição impressa, representada no pdf.

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