De tempos em tempos algumas obras tornam-se marcantes, significativas e de fôlego para a comunidade acadêmica. A História econômica e social do estado de São Paulo 1850-1950, do economista brasileiro Francisco Vidal Luna e do historiador norte-americano Herbert S. Klein, é uma dessas. Há muito, historiadores, sociólogos, economistas e demais investigadores das ciências humanas careciam de uma visão panorâmica sobre os temas centrais da história econômica do estado que se convencionou denominar de a “locomotiva do país”. A pesquisa não só atualiza a bibliografia nacional e internacional sobre o tema, como investiga e apresenta tabelas, gráficos, mapas de dados e informações inéditas de um conjunto de municípios do estado, organizados inclusive por regiões. Também enfoca tópicos como agricultura, finanças públicas, comércio, indústria, urbanização, infraestrutura, população e muitas vezes lança mão da metodologia comparativa com os estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Mobiliza a atenção do leitor a quantidade e a diversidade de fontes primárias utilizadas. O primeiro capítulo trata da agricultura no século XIX. Embora o tema tenha sido revisitado por inúmeros historiadores, destaca-se a ampla sistematização da produção agrícola por gêneros, municípios e regiões do estado. O tema das finanças públicas, receitas e despesas demostra a existência de uma base tributária abrangente voltada para a arrecadação de atividades econômicas diversas, abarcando a riqueza pessoal e a movimentação de mercadorias – muito embora tal base fiscal não fornecesse fundos adequados para os investimentos em segurança, saúde e educação, uma vez que a natureza instável dos preços do café afetava o equilíbrio das receitas. De acordo com os autores, as três principais áreas que drenavam o orçamento do estado eram a burocracia da arrecadação, a segurança pública e a educação.
O que mais chama a atenção é o aspecto contraditório político-ideológico das elites, que, apesar de se posicionarem como liberais, eram favoráveis à intervenção do Estado em quesitos como imigração e infraestrutura. Sobre o período da República Velha merece destaque o tratamento de temas pouco usuais em obras desse tipo como, por exemplo, educação, saúde, pesquisa científica e ampla estrutura burocrática instalada. Também é abordada a “clara demonstração do tipo de ação direta do poder público no mercado, muito diferente da tradição liberal”, assim como, na República Velha, “a intervenção direta dos governos estadual e federal na economia cafeeira define a agricultura paulista no século XX”.
A importância de trabalhadores nacionais no setor agrícola, que chegaram a constituir um terço da mão de obra, e o tamanho das propriedades instaladas em áreas de fronteira, consideravelmente maiores do que a média, são outros pontos destacados. A alta concentração da posse de terras, cujas raízes dão continuidade histórica ao processo no período enfocado, segue padrões latino-americanos. Embora a produção cafeeira fosse dominante, no estado não estiveram presentes características observadas no sistema agroexportador da monocultura, como ocorreu em outras sociedades latino-americanas, uma vez que a produção de alimentos se intercalava às fileiras do café e esta configuração dinamizou a economia local, mantendo o estado de São Paulo na liderança da produção agrícola e de alimentos.
A perda de hegemonia da elite paulista é retratada com dados estatísticos referentes às crises do café que levaram o governo federal a intervenções anticíclicas. O mercado interno, por sua vez, é abordado a partir da participação da produção agrícola e industrial através da entrada e saída de mercadorias do porto de Santos. O capítulo sobre o crescimento da indústria paulista apresenta, entre outras informações, tabelas e gráficos contendo o valor da produção, quantidade de trabalhadores por setores e municípios, equipamentos importados, quantidade de fábricas por segmento, além do debate teórico-histórico sobre as origens do setor. Em seus dois últimos capítulos, o livro trata da urbanização, da infraestrutura, do crescimento e da composição da população paulista. A obra de Luna e Klein apresenta-se como fundamental e imprescindível para qualquer pesquisa no âmbito da história econômica e social.
Dora Isabel Paiva da Costa é professora-associada da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Araraquara.
Republicar