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IEA resgata traços pouco conhecidos da memória da FAPESP

Um dossiê sobre a FAPESP foi publicado no número 28 da revista Estudos Avançados, editada pelo Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP. O documento baseia-se em depoimentos colhidos em duas reuniões promovidas pelo Instituto e organizadas por seu professor honorário, Alberto Carvalho da Silva: a primeira, com cientistas que participaram ativamente da organização da Fundação, no início dos anos 60 e a segunda, com seus atuais dirigentes, personalidades da comunidade científica e tecnológica e empresários que têm se mostrado empenhados na parceria universidade-empresa. Completa-o um artigo do professor Alberto, membro do primeiro Conselho Superior, depois diretor científico e diretor presidente da Fundação.

O dossiê, articulando brihantemente informações do presente, desafios e projeções para o futuro e dados históricos, traça, sem dúvida, um perfil vigoroso da FAPESP. E o resultado é que dele a Fundação emerge com sua face mais conhecida – marcada pelo compromisso fundamental com a produção científica e tecnológica de mérito e por sua indiscutível contribuição para o desenvolvimento sócio-econômico do Estado de São Paulo, nos últimos 34 anos – e, simultaneamente, em traços até aqui desconhecidos de quem não acompanhou por dentro a sua história, e que só a engrandecem.

É dentre esses últimos que ressaltam, por exemplo, a garra e até a originalidade dos primeiros dirigentes da FAPESP para dobrar dificuldades e criar a todo custo uma instituição modelo de apoio à pesquisa. Como destacam-se, também, a fineza, a coragem com que os responsáveis pela Fundação resistiram ao arbítrio dos anos do regime militar, não admitindo manipulações ideológicas sobre suas decisões, nem transigindo com o princípio básico da Fundação – apoiar pesquisas pelo exclusivo critério do mérito científico e tecnológico.

Há, relativamente ao primeiro aspecto, um episódio exemplar que aparece no depoimento do primeiro diretor científico da FAPESP, professor Warwick Estevãm Kerr. Elogiando o modelo de flexibilidade administrativa concebido para a Fundação, que lhe permitiu, por exemplo, apoiar de pronto o instituto biológico no importante projeto de erradicação do cancro cítrico, ele relembra o ocorrido em relação ao pedido de uma camionete para o trabalho de campo nesse programa, feito pelo Instituto. “Quinze dias depois procurou-me a doutora Vitória Rossetti, muito preocupada, perguntando se seria possível acelerar o andamento desse pedido porque o único veículo de que o instituto dispunha para o trabalho havia quebrado.

A FAPESP acabara de comprar uma camionete para meu uso quando em serviço. Entreguei-lhe a chave e ela saiu dirigindo o veículo. Creio que foi a doação mais rápida que a Fundação fez até hoje…”Em relação à resistência a ações do regime militar, há lembranças sobre um cerco ao prédio da FAPESP, sobre recusas firmes em fornecer ao governo a lista sigilosa dos assessores da Fundação, ou a lista dos auxílios ainda em análise, a lista de bolsistas no exterior e sobre situações em que dirigentes como o professor Hossne William Saad, segundo diretor científico da FAPESP, teve que “ajudar a tirar bolsistas da prisão, alegando que se tratava de bolsistas sob nossa responsabilidade”, como ele recorda.

Desse período, o professor Alberto Carvalho da Silva lembra também um incidente com Gama e Silva, então reitor da USE. Ele estava ocupando o cargo de diretor científico (entre janeiro de 1968 e abril de 1969, momento em que foi aposentado compulsoriamente pelo AI-5). Gama e Silva, muito ligado ao General Costa e Silva, lhe enviou um oficio estabelecendo que as bolsas da FAPESP para docentes e alunos da USP deveriam ser encaminhadas à Reitoria e ficar sobsupervisão da Universidade. O professor Alberto lhe respondeu que sob essa condição, que contrariava as normas da Fundação, não mais poderiam ser concedidas bolsas a candidatos da USE. O reitor não insistiu.

Um outro incidente foi quando a diretora de um instituto de pesquisa do Estado lhe informou que não queria assinar o pedido de auxílio feito por um de seus pesquisadores, “cujas idéias políticas eram notoriamente contrárias às do movimento militar”, apesar de reconhecer seus méritos, porque isso poderia lhe trazer riscos. “Esclareci que a FAPESP decidia com base apenas no mérito e, em sendo este reconhecido pela assessoria, o auxílio seria concedido mesmo sem o endosso da diretora, o que de fato aconteceu”, relata o professor Alberto. Com esses e outros exemplos, o dossiê elaborado pelo IEA mostra uma fundação que, para além de sua reconhecida eficiência no fomento à pesquisa, é um valioso patrimônio conquistado com muita determinação pela comunidade científica e tecnológica do Estado de São Paulo.

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