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Astronomia

Imigrante interestelar

Asteroide próximo a Júpiter teria sido capturado de estrela há 4,5 bilhões de anos

A órbita esquisita, porém muito estável, do asteroide (514107) 2015 BZ509 – o Bee-Zed, para os  íntimos – sugere que ele possa ser um velho imigrante interestelar. A conclusão vem de simulações em computador realizadas pelo astrônomo franco-argelino Fathi Namouni, do Observatório da Costa Azul, em Nice, na França, e a portuguesa Helena Morais, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Rio Claro. Em artigo publicado hoje (21/5) na revista MNRAS Letters, Namouni e Helena argumentam que o Bee-Zed deve ter se formado ao redor de outra estrela, uma irmã do Sol hoje perdida, mas que já foi sua vizinha próxima, há 4,5 bilhões de anos.

Caso essa teoria seja confirmada, o Bee-Zed será o segundo corpo celeste de origem interestelar identificado no interior do Sistema Solar. Em outubro do ano passado, astrônomos do telescópio Pan-STARRS, no Havaí, descobriram um pequeno asteroide com algumas dezenas de metros de comprimento viajando pelo espaço próximo à Terra. Analisando o seu caminho no céu, concluíram que o asteroide, batizado de ‘Oumuamua, veio de algum lugar desconhecido, muito além dos limites do Sistema Solar. O objeto espacial deu apenas uma breve volta em torno do Sol e agora segue viagem para longe dele, de volta ao espaço interestelar. Enquanto o ‘Oumuamua é um turista só de passagem, o Bee-Zed parece ser um imigrante interestelar que firmou residência permanente em nosso sistema planetário.

Observações também do Pan-STARRS descobriram o Bee-Zed em 2015. O asteroide com mais ou menos 3 quilômetros de comprimento gira em torno do Sol quase na mesma órbita de Júpiter, o maior planeta do Sistema Solar. Até aí, nenhuma surpresa. Milhares de asteroides, os troianos, acompanham a órbita de Júpiter. Todos os troianos, porém, orbitam o Sol na mesma direção que Júpiter. Já o Bee-Zed gira no sentido contrário, um tipo de órbita conhecida como retrógrada.

No ano passado, a órbita retrógrada do Bee-Zed foi observada com mais detalhe pelo Large Binocular Telescope, no Arizona, Estados Unidos. Essas últimas observações confirmaram as previsões teóricas de Helena e Namouni de que a órbita retrógrada do Bee-Zed está sincronizada com a de Júpiter, de maneira que o asteroide evita colisões fatais com o gigante gasoso. “Considerando a interação gravitacional com apenas o Sol e Júpiter, sabíamos que a órbita seria estável para sempre. Quando incluímos as perturbações dos outros planetas, nossas primeiras simulações computacionais mostraram que a órbita poderia ser estável por pelo menos um milhão de anos”,  conta Helena.

NASA / Hubble Heritage Team (AURA/STScI) Nebulosa NGC 604, da galáxia M33: exemplo do tipo de ambiente em que o Sol pode ter nascidoNASA / Hubble Heritage Team (AURA/STScI)

Origem interestelar
A dupla de pesquisadores decidiu, então, confirmar seu resultado preliminar com simulações computacionais ainda mais precisas para determinar há quanto tempo o Bee-Zed se encontra em sua órbita atual e de onde o asteroide teria vindo. “Isso não é fácil porque as observações nunca determinam as órbitas com precisão absoluta”, explica Helena. “Fizemos um milhão de simulações diferentes, dentro dos limites de erro das observações, para testar todas as possibilidades de evolução da órbita real do objeto e descobrir se haveriam evoluções mais prováveis que outras.” Os pesquisadores demoraram alguns meses até obter os resultados.

“Não esperávamos encontrar órbitas estáveis por bilhões de anos nas simulações, porque essa região próxima a Júpiter é muito caótica e outros objetos em órbitas retrógradas, denominados Centauros, são estáveis no máximo por cem milhões de anos”, ela conta. “Foi surpreendente descobrir que, a partir da análise estatística das simulações, a atual órbita do Bee-Zed é estável por um tempo maior que a idade do Sistema Solar. Como a órbita mais estável é sempre a mais provável, em princípio o Bee-Zed deve estar na atual órbita retrógrada compartilhada com Júpiter desde que o planeta se formou, há 4,5 bilhões de anos.”

O problema é que órbitas retrógradas não deveriam existir tão cedo na história do Sistema Solar. Todos os planetas e a maioria dos demais corpos do Sistema Solar giram em torno do Sol no mesmo sentido. Esse sentido de rotação é o mesmo do disco de gás e poeira que teria dado origem ao sistema solar. Hoje, apenas cometas e algumas dezenas de asteroides orbitam o Sol no sentido contrário. As órbitas desses corpos eram normais de início e só se tornaram retrógradas depois que se afastaram demais do Sol e começaram a sofrer deformação causada pelo potencial gravitacional da Via Láctea, um processo que demora bilhões de anos.

“A única possibilidade restante para o Bee-Zed é de que tenha sido capturado por Júpiter, vindo de outra estrela”, afirma Helena. “Isso é bastante plausível, porque a probabilidade de haver outras estrelas muito próximas do Sol deveria ser grande há 4,5 bilhões de anos.” As estrelas não se formam isoladamente, mas em conjuntos chamados de berçários estelares, nebulosas onde a densidade de estrelas recém-formadas é muito grande, cada estrela com um sistema planetário se formando ao seu redor. “Existe a chance de que haja troca de objetos entre os sistemas de estrelas diferentes próximas.”

Helena defende que seu método de análise de estabilidade orbital pode ajudar a descobrir outros asteroides antigos de origem interestelar no Sistema Solar. Encontrar mais imigrantes estelares forneceria uma ideia melhor aos astrônomos de como seria exatamente a nebulosa que serviu de berçário estelar para o Sol. Até o momento só se sabe que a nebulosa se dissipou há bilhões de anos, espalhando pela Via Láctea as centenas de estrelas a que deu origem. A estrela irmã vizinha do Sol de onde teria vindo o asteroide Bee-Zed pode estar em qualquer lugar da galáxia.

Projeto
Tópicos de dinâmica orbital e métodos de aprendizagem de máquinas para análise de dados de sistemas planetários (nº 15/17962-5); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisadora responsável Maria Helena Moreira Morais (Unesp); Investimento R$ 50.487,00.

Artigo científico
NAMOUNI, F. e MORAIS, H. An Interstellar Origin for Jupiter’s Retrograde Co-Orbital Asteroid. Monthly Notices of the Royal Astronomical Society. 21 mai. 2018.

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