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Imunologia

Como aprender a partir da prática

Centro de Toxinologia Aplicada dá aulas a estudantes ao ar livre para complementar lições teóricas e conhecer o ambiente

Sem medo: crianças aprendem a conhecer animais no ambiente deles

MIGUEL BOYAYANSem medo: crianças aprendem a conhecer animais no ambiente delesMIGUEL BOYAYAN

Os alunos do sexto ano do colégio Dante Alighieri adoraram a experiência: no último dia 10 de março, a aula de ciências não aconteceu em classe, mas no Parque Siqueira Campos, popularmente conhecido como Trianon, e nas áreas externas da escola, que fica na região da avenida Paulista, em São Paulo. Estimulados a procurar diferentes espécies de animais escondidos em trilhas espalhadas pelo parque e também a participar de jogos de tabuleiros envolvendo curiosidades sobre bichos, os cerca de 300 estudantes puderam, a partir da prática, discutir temas como a riqueza ecológica do Brasil e a adaptação das espécies a diferentes ambientes naturais – por que algumas vivem no Cerrado e outras na Mata Atlântica, por exemplo.

O que mais encantou os estudantes foi poder tocar nos animais – alguns estavam vivos; outros, empalhados. “Achava que as cobras eram molhadas, mas são secas”, diz Tayná de Andrade Cozzolino, estudante do período da tarde. “Vimos cobras comendo ratos e sapos, aprendemos quais são venenosas e descobrimos quais as que não representam perigo”, completa. “Em sala de aula, nunca poderíamos mexer em uma cobra, ver os dentes dela de tão perto”, confirma Paula Leite Serra, colega de Tayná. Para os professores, a iniciativa, desenvolvida em parceria com o Setor de Difusão do Centro de Toxinologia Aplicada (CAT), sediado no Instituto Butantan, foi fundamental para complementar as lições teóricas, aproximar os alunos do cotidiano dos animais e até para trabalhar emoções, como medos e desconfianças. “Como tarefa final, todos tiveram ainda de produzir uma reportagem, incluindo fotos, contando como tinha sido aquela experiência. Foi um sucesso”, comemora Sandra Tonidandel, coordenadora de ciências do Dante Alighieri, que já pensa em repetir a idéia no próximo ano.

O evento organizado pelo CAT e pela escola, que oficialmente foi chamado de “Viver a ciência e construir a tecnologia”, dá conta de uma das principais preocupações do centro: a divulgação científica idealizada tanto para crianças quanto para adultos. Foi com esse mesmo espírito que o Butantan marcou presença no Sesi Catumbi, em outubro do ano passado, com o projeto Recreança, que recebeu 3 mil visitantes, quando estandes especialmente montados no local ofereciam informações sobre os quatro eixos temáticos considerados fundamentais pelos pesquisadores: animais peçonhentos, biodiversidade, conservação das espécies e mecanismos de produção de toxinas (veneno das cobras, por exemplo).

Nas últimas três edições da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, sempre comemorada em outubro, estandes semelhantes foram espalhados pela área do próprio Instituto Butantan e visitados por mais de 5 mil pessoas. As atividades incluíram ainda gincanas temáticas e bate-papos com pesquisadores. “A mudança de comportamento da população em relação à natureza só pode acontecer por meio da informação e da educação continuada. É essa a concepção que dá o norte estratégico desses projetos”, revela Otavio Marques, coordenador do Setor de Difusão do CAT e pesquisador do Laboratório de Herpetologia do instituto.

Durante esses eventos, uma das grandes atrações educativas são os jogos produzidos pelo centro. Uma das sensações é o jogo Memória de Cobra. Chama a atenção também um enorme tabuleiro colorido que reproduz o mapa do Brasil e traz sua divisão em diferentes ecossistemas. Os jogadores, principalmente crianças, devem distribuir as figuras dos animais pelos ambientes onde eles vivem. No Toca-Toca, o desafio está em colocar a mão em quatro caixas e descobrir, por meio do tato, qual o animal que está escondido em cada uma delas, para em seguida receber informações detalhadas sobre as formas de vida do bicho. E, no Jogo do Ovo, como o próprio nome já diz, diferentes espécies devem ser associadas aos ovos – com tamanhos diferentes – que botam.

Parcerias
“A estratégia é dupla”, destaca Antonio Carlos da Costa, biólogo e colaborador do CAT. “Os jogos trabalham situações como espaço, raciocínio, lógica e sensibilidade, ao mesmo tempo que reforçam a consciência ambiental”, completa. Os jogos e muitas das atividades educativas do centro foram elaborados após intenso trabalho de avaliação, conduzido pelo Grupo de Pesquisa em Educação do CAT, coordenado pela pesquisadora Alessandra Bizerra, do Butantan. Tais levantamentos têm ajudado a nortear as ações do grupo, pois consideram as demandas e as reações do público em relação ao material produzido.

Sem medo: crianças aprendem a conhecer os animais no ambiente deles

MIGUEL BOYAYANSem medo: crianças aprendem a conhecer os animais no ambiente delesMIGUEL BOYAYAN

Depois de parceria recentemente firmada entre o Butantan, a Fundação Oswaldo Cruz e a Fundação Centro de Ciências e Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro (Cecierj), órgão vinculado à Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação) os jogos produzidos pelo CAT já fazem parte do acervo permanente do projeto Ciência Móvel. Trata-se de um caminhão com 13 metros de comprimento que percorre cidades do Sudeste do país e se transforma em enorme museu científico a céu aberto, com exposições itinerantes e materiais interativos que são descarregados e instalados em galpões, ginásios ou centros de convenções, para visitação pública.

Crianças e adultos podem ter contato com experiências que vão da astronomia à física, passando por assuntos como importância da água, usinas hidrelétricas e energia solar – além, claro, de informações sobre as serpentes, os sapos e os escorpiões. Quando o material é descarregado e os estandes externos são montados, o interior do caminhão pode se transformar então em um miniauditório, com capacidade para 44 lugares. Nele são realizados cursos, palestras, oficinas e exibições de vídeos, além de narração de histórias para crianças.

A primeira viagem foi feita em outubro de 2006, para a cidade de Nova Iguaçu. No final do ano passado o caminhão parou em Rio das Ostras. Em abril retomou suas atividades e visitou Mangaratiba, chegando a Volta Redonda em maio. Em novembro deve passar pelo Instituto Butantan, inaugurando sua trajetória pelo estado de São Paulo. “Por conta de contatos estabelecidos com secretarias municipais de Educação, nosso público é formado principalmente por estudantes”, conta Marcus Soares, responsável pelas atividades de mediação e educativas do projeto Ciência Móvel. Financiado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), que investiu inicialmente cerca de R$ 410 mil, o projeto é administrado pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), que se responsabilizou, por exemplo, pela compra do caminhão e dos equipamentos. Nas cinco viagens que já realizou, sempre em municípios cariocas e com duração média de quatro dias cada uma, o museu itinerante de ciências já conseguiu atingir um público total estimado em 30 mil visitantes.

Jararacas
As exposições, aliás, representam outro pilar de sustentação da proposta de construção e consolidação de uma cultura científica idealizada pelo CAT. A mais recente delas, encerrada em fevereiro último, esteve abrigada durante cinco meses no Museu Biológico do Butantan e recebeu cerca de 80 mil visitantes. Tinha como tema principal jararacas de ilhas de São Paulo. A intenção era fornecer ao público informações detalhadas sobre a jararaca-de-alcatrazes (Bothrops alcatraz), que vive na ilha dos Alcatrazes, no litoral norte de São Paulo, a 30 quilômetros da costa, e sobre a jararaca-ilhoa (Bothrops insularis), que habita a ilha da Queimada Grande, também distante 30 quilômetros do continente, mas no litoral sul do estado.

Obrigadas a desenvolver-se em ambientes isolados, sem a presença de roedores, acabaram por manifestar características e hábitos específicos. A jararaca-de-alcatrazes é menor (inclusive chamada de anã) que a jararaca do continente e se alimenta de lacraias e lagartos, comuns na região. Já a jararaca-ilhoa adaptou-se às árvores e come pássaros migratórios, além de seu veneno ser mais poderoso para esse tipo de presa. “São exemplos evidentes do fenômeno de especiação. Como são restritas a esses ambientes, precisam ser preservadas. Daí a idéia de organizar uma exposição sobre elas”, explica Marques. Por conta do sucesso, a exposição deve voltar ao Museu Biológico no início de junho, como parte das comemorações da Semana do Meio Ambiente.

Durante esses eventos, o CAT aproveita a presença do público para divulgar e vender os livros que edita. As obras Serpentes da Mata Atlântica e Serpentes do Pantanal são guias ilustrados que trazem as principais informações sobre as diferentes cobras de cada ambiente. Por meio de fotos e de legendas, revelam se a espécie é rara ou não, se é venenosa, onde vive, o que come, quais seus mecanismos de defesa e sua forma de reprodução. Em breve deve ser lançada a edição sobre as serpentes do Cerrado.

Livros
O CAT também já editou um livro sobre a Estação Ecológica da Juréia-Itatins, com dados sobre a história, clima, geologia, fauna, flora e a necessidade de preservação da região. São 30 capítulos, escritos por 57 autores. “É uma área ecologicamente importantíssima e que precisa ser conhecida pelo grande público. Por isso nos preocupamos inclusive com a linguagem, mais acessível”, conta Marques. A obra também foi distribuída para empresas e para diversas bibliotecas públicas. Pensando no público infantil, o CAT está preparando o livro Sibi, a cobrinha aventureira, que pretende levar o universo das cobras ao conhecimento e compreensão das crianças.

Tayná e Paula no Parque Siqueira Campos: estímulo extra em aulas ao ar livre

MIGUEL BOYAYANTayná e Paula no Parque Siqueira Campos: estímulo extra em aulas ao ar livreMIGUEL BOYAYAN

Em breve, o centro pretende estabelecer uma parceria com a Secretaria Estadual de Educação de São Paulo, com intuito de oferecer cursos extracurriculares de formação e de qualificação para professores de ciências (mais especificamente nas áreas de química e biologia) que atuam no ensino fundamental. As negociações entre as duas entidades estão avançadas. Convênio semelhante deverá ser firmado com a Universidade de São Paulo, campus da Zona Leste. Nesse caso, o alvo principal é o curso de licenciatura em ciências da natureza, coordenado pela professora Maria Cristina Motta de Toledo. “Queremos apresentar a nossa experiência didática e mostrar que é possível fugir dos modelos dos livros didáticos para abrir espaço para que os alunos construam o conhecimento a partir de problemas práticos”, diz Marques. Até o final do ano, o Butantan deverá inaugurar uma base avançada em Belterra, próxima à cidade de Santarém, no Pará, em plena região amazônica. E o CAT já pensa em possibilidades de atuação também naquela região. “Sem negar a importância das culturas tradicionais e locais, pensamos em projetos educativos que possam ajudar a prevenir acidentes, já que é muito comum o uso de plantas, raízes e até mesmo de animais para fins medicinais”, conclui Costa.

Nesses sete anos de atuação o CAT tem se dedicado a estudar principalmente as propriedades de toxinas de animais e de microorganismos,  intuito de identificar moléculas capazes de se transformar em antídotos e medicamentos, desenvolvidos posteriormente pela indústria farmacêutica. Por conta desse trabalho, o centro já conseguiu depositar dez patentes: quatro de moléculas anti-hipertensivas (a mais famosa delas vem da jararaca), outras quatro que atuam na regulação da coagulação sangüínea, uma com potencial analgésico e mais uma que combate processos inflamatórios. O centro, que publica em média 55 artigos científicos por ano, reúne cerca de 40 pesquisadores, distribuídos por oito laboratórios (biologia molecular e celular, química de proteínas, espectrometria de massas e proteoma, dentre outros).

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