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Infraestrutura universitária

Incêndio destrói laboratórios do Instituto de Biociências da Unesp, em Rio Claro

Material didático, coleções zoológicas e equipamentos de pesquisa foram destruídos, pesquisas foram perdidas e trabalhos de pós-graduação interrompidos

As chamas consumiram parte do prédio central do Instituto de Biociências, com destaque para o laboratório didático de zoologia e suas coleções

José Paulo Leite Guadanucci / Unesp

Incalculáveis prejuízos para a pesquisa e para o ensino das ciências biológicas. Essa é a conclusão de uma avaliação preliminar de docentes e pesquisadores do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp) sobre o incêndio que consumiu parte de seu prédio central no campus de Rio Claro. Iniciado por volta das 16 horas de quarta-feira (31/08) e controlado cerca de quatro horas mais tarde, o fogo consumiu coleções de animais, material de ensino e de pesquisa, além de equipamentos como microscópios e computadores. Ninguém ficou ferido.

Segundo docentes e pesquisadores do instituto, foram completamente destruídos dois laboratórios de pesquisa e um didático de zoologia. De acordo com o zoólogo Célio Haddad, que ensinava alunos de graduação nesse laboratório, no local havia muitos equipamentos para ensino de fisiologia animal e coleções de espécimes. “Tínhamos conchas, aranhas, aves e mamíferos empalhados, além de peixes, anfíbios e répteis conservados em álcool”, relata. Haddad afirma que também foi perdido um laminário de excelente qualidade, com o qual era possível estudar detalhes anatômicos dos animais com microscópios. “Era um material precioso, raro em universidades brasileiras porque a faculdade é muito antiga.”

No material destruído está a chamada coleção zoológica de Nápoles, importada da Itália pela antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro, criada em 1958 e que se tornou parte da Unesp na década de 1970. Segundo Haddad, a coleção continha animais extintos e era importante para ensinar extinção e degradação ambiental. “Isso é algo que não preço porque não há meios de repor uma coleção dessas”, lamenta.

O laboratório didático de botânica, ao lado do de zoologia, abriga coleções de fungos, algas e plantas. A botânica Alessandra Ike Coan afirma que, apesar de algumas avarias, esses materiais não foram perdidos, pois o fogo teria sido contido pelas paredes de alvenaria que separam os dois laboratórios didáticos. Coan classifica a perda de material didático da zoologia como “irreparável”. A também botânica Patrícia Morellato lamenta o prejuízo para as atividades de ensino, principalmente com relação às aulas práticas: “As aulas presenciais estavam sendo retomadas; muitos alunos estavam há dois anos no curso de graduação e ainda não tinham vindo à universidade por causa das restrições impostas pela pandemia. As aulas práticas precisam da infraestrutura que foi destruída ou está interditada no prédio afetado”.

A Unesp afirmou, em nota, que as aulas na unidade de Rio Claro “estão sendo retomadas em sua plenitude nesta sexta-feira”. Segundo o documento divulgado à imprensa, haverá um remanejamento para que as aulas do Instituto de Biociências sejam realizadas em outros espaços não prejudicados pelo incêndio.

Trabalhos interrompidos, pesquisas perdidas
No andar superior, logo acima do laboratório didático de zoologia, funcionavam dois laboratórios de pesquisa: o de citogenética animal e o de mutagênese ambiental. Ambos foram completamente destruídos.

Patrícia Morellato / UnespNo andar superior, os estragos atingiram laboratórios de pesquisaPatrícia Morellato / Unesp

Os laboratórios eram utilizados por mais de 15 alunos de pós-graduação de biologia celular e molecular, orientados por três docentes. Um deles, o biólogo Diogo Cavalcanti Cabral de Mello, listou algumas das prováveis perdas materiais apenas no laboratório de citogenética animal, que utiliza junto com a colega Patrícia Maltempi. “Tínhamos dois microscópios de fluorescência que custam em torno de R$ 450 mil cada um, dois termocicladores, que valem mais ou menos R$ 50 mil cada um, além de um microscópio invertido para cultura de células, que deve custar mais de R$ 200 mil”, contabiliza o pesquisador. Mello também cita equipamentos de menor valor e um computador servidor, que custou R$ 12 mil.

Se o prejuízo material até pode ser estimado, o mesmo não pode ser dito sobre a perda científica. Mello cita, entre os materiais de pesquisa perdidos, um estoque de moscas Drosophila melanogaster com características específicas, gafanhotos de uma montanha espanhola, anfíbios coletados no Suriname. “Houve um alto investimento na coleta desses materiais.” O custo inclui a formação dos pesquisadores que fazem as coletas, um processo de aquisição de expertise que leva anos. “Dificilmente conseguiremos repor os espécimes destruídos”, explica o biólogo.

Além do material de pesquisa, perdem-se também os anos destinados a pesquisa de longo prazo. Mello ilustra esse prejuízo: “Havia duas espécies de gafanhotos cujas populações exibiam feromônios particulares e acompanhávamos há cerca de 10 anos”. Ele terá de recomeçar o trabalho.

A bióloga Maria Aparecida Marin Morales, responsável pelo laboratório de mutagênese ambiental, além de lamentar perdas de equipamento e material de pesquisa, conta que sua própria sala, que abrigava sua biblioteca particular, foi destruída. “Entrei no prédio hoje [sexta-feira, 02/09] e constatei que, além dos equipamentos do laboratório, todos os meus recursos bibliográficos, que os alunos consultavam livremente, foram perdidos.”

Problemas de infraestrutura
Em nota, a Unesp afirmou que “a reforma no prédio central do IB de Rio Claro, com troca das redes elétrica e hidráulica, estava prevista para ocorrer em 2023”. Ainda no mesmo documento destinado à imprensa, a universidade sustenta que “a direção da unidade universitária tinha conhecimento da necessidade de uma ampla reforma estrutural na edificação, construída em 1977, e estava preparando o processo licitatório neste semestre”.

As causas do incêndio estão sendo investigadas. Haddad afirma que a rede elétrica do prédio incendiado era “precária, muito antiga”. “Era possível enxergar esses fios no vão do prédio, pareciam teias de aranha, todos enrolados; animais roíam essa fiação”, descreve. “Estamos pedindo uma revisão da infraestrutura do prédio há décadas”, conta Morellato. Coan reitera, e acrescenta: “As reformas virão tarde demais”.

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