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Boas práticas

Indenização de mais de US$ 1 milhão para climatologista difamado

Acusado sem provas por negacionistas do clima, cientista vence batalha jurídica após 10 anos

O cientista climático Michael Mann, da Universidade da Pensilvânia, venceu uma batalha jurídica que durou mais de uma década. Por decisão de seis juízes de uma corte superior de Washington, Mann deverá ser indenizado em pouco mais US$ 1 milhão, o equivalente a quase R$ 5 milhões, no processo por difamação que movia contra o engenheiro aerospacial Rand Simberg e o apresentador de TV Mark Steyn. Em postagens na internet, a dupla atacou um estudo conduzido por Mann sobre aquecimento global e ainda o comparou a um molestador de crianças.

Em 1998, Mann publicou com colaboradores um artigo na revista Nature em que reconstruiu tendências da temperatura global abrangendo um período de seis séculos. O paper trouxe um gráfico, conhecido como “taco de hóquei”, que se tornou um símbolo da influência humana no clima. Mostra uma tendência estável levemente descendente da evolução da temperatura até o início do século XX seguido por um aumento constante e acentuado que marca o aquecimento global – a figura que se forma lembra o taco de hóquei no gelo na horizontal, com seu longo cabo e, ao final, a lâmina que se projeta para cima.

Em uma época em que ainda havia dúvidas sobre a origem e os efeitos das mudanças climáticas, o artigo foi criticado como alarmista. Uma correção de seu conteúdo chegou a ser publicada em 2004, devido à presença de erros e da inclusão de registros por engano em conjunto de dados nas informações suplementares do paper. Mas suas conclusões se mantiveram válidas. Posteriormente, Mann também teve seu nome citado em uma outra controvérsia. Um vazamento de e-mails de dezenas de cientistas climáticos de um servidor da universidade britânica de East Anglia, em 2009, deu margem a uma acusação, que se revelou infundada, de que pesquisadores haviam tentado mascarar uma queda nas temperaturas do planeta. Mann ainda foi alvo de uma investigação do procurador-geral do estado da Virgínia, Ken Cuccinelli, por suspeita de ter usado dados climáticos fraudulentos para obter recursos quando trabalhou na Universidade da Virgínia, em Charlottesville, entre 1999 e 2005. O caso foi arquivado pelo Supremo Tribunal da Virgínia. Essa cadeia de questionamentos serviu de combustível para que céticos das mudanças climáticas atacassem Mann e seu trabalho.

Foi o que aconteceu em 2012, quando o engenheiro Simberg publicou uma postagem em um blog do Competitive Enterprise Institute (CEI), uma organização não governamental conservadora de Washington, ridicularizando os resultados apresentados por Mann no artigo do taco de hóquei. O texto comparou o pesquisador a Jerry Sandusky, ex-técnico de futebol americano condenado a 60 anos de prisão por ter abusado sexualmente de garotos quando trabalhou na Universidade Estadual da Pensilvânia entre 1969 e 1999. “Pode-se dizer que Mann é o Jerry Sandusky da ciência climática. Em vez de molestar crianças, ele molestou e torturou dados a serviço de uma ciência politizada que poderiam ter consequências econômicas terríveis para a nação e o planeta”, escreveu Simberg. Mark Steyn reproduziu a comparação de Simberg em um blog pessoal publicado pela revista conservadora National Review. Mann processou por difamação Simberg e Steyn, bem como o Competitive Enterprise Institute e a National Review.

Em 2021, os juízes isentaram o instituto e a revista, mas permitiram que o processo continuasse contra a dupla. O veredicto veio no dia 11 de fevereiro, após três semanas de julgamento. Simberg e Staeyn foram condenados a pagar, respectivamente, US$ 1 milhão e US$ 1 mil a Mann por “danos punitivos”, que penalizam réus que tiveram condutas negligentes ou intencionais consideradas graves. O júri considerou que acusar Mann de fraude sem provas suficientes era difamatório. “É perfeitamente legítimo criticar as descobertas científicas”, disse, segundo a revista Nature, o jurista Michael Gerrard, do Centro Sabin para Legislação sobre Mudanças Climáticas da Universidade Columbia, em Nova York. “Mas esse veredicto lança um forte sinal de que cientistas não devem ser acusados de má conduta grave sem provas fortes.” Na sentença, a corte concluiu que as declarações dos blogueiros foram escritas com “malícia, rancor, má vontade, vingança ou intenção deliberada de prejudicar”, caracterizando os danos punitivos. Mas os juízes impuseram uma indenização de apenas US$ 1 em “danos compensatórios”, aqueles que buscam remediar os prejuízos causados pelas condutas. Isso porque Mann não conseguiu provar que sua carreira foi prejudicada pelos ataques. RonNell Andersen Jones, professor de direito na Universidade de Utah, explicou ao jornal The New York Times que há uma dificuldade no ordenamento jurídico dos Estados Unidos de punir casos de difamação contra pessoas públicas porque a liberdade de expressão é amplamente protegida pela Constituição. “É constitucionalmente difícil ganhar processos por difamação em casos que envolvem questões de interesse público e figuras públicas proeminentes”, disse.

Simberg anunciou que vai recorrer da sentença e afirmou que a postagem não difamou o climatologista. “Estou satisfeito que o júri tenha decidido a meu favor metade das declarações em questão nesse caso”, disse, em um comunicado. Mann comemorou. “Espero que esse veredicto consolide a mensagem de que ataques falsos a cientistas climáticos não configuram um discurso protegido”, comentou o pesquisador em sua conta no X, antigo Twitter.

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