Imprimir PDF Republicar

Perfil

Insista, não desista

Os caminhos que levaram Conrado Wessel a inventar um novo papel fotográfico

Conrado Wessel, aos 58 anos, o papel desenvolvido por ele e já em parceria com a Kodak

Acervo FCWConrado Wessel, aos 58 anos, o papel desenvolvido por ele e já em parceria com a KodakAcervo FCW

Augusto Ubaldo Conrado Wessel (1891-1993) era fotógrafo, inventor, empresário e tinha grande conhecimento de química. Também gostava de escrever e deixou depoimentos datilografados contando seus tempos de fotógrafo amador, quando adolescente, e as batalhas que travou para conseguir erguer sua fábrica de papel fotográfico. Em um de seus rascunhos de memória ele anotou: “Já quando menino tinha tendência de querer saber como as coisas eram feitas, por exemplo, queria saber por que a fotografia em parte era executada no escuro, por que a chapa fotográfica, mesmo depois de exposta, não apresentava vestígios da imagem fotografada, somente com o revelador, como num passe de mágica, aparecia o objeto fotografado em seus menores detalhes”. A curiosidade aliada a suas próprias experiências o levou a ganhar, aos 15 anos, os três primeiros lugares em um concurso promovido pela Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo para as melhores fotos de animais, em 1907, mesmo competindo com profissionais.

Wessel queria mais. Não bastava ser um excelente fotógrafo. Ele desejava criar um produto capaz de concorrer com as maiores empresas internacionais da época no ramo: a Agfa, a Gevaert e a Kodak. Por isso aproveitou todas as oportunidades não só para desenvolver suas habilidades com a máquina fotográfica, mas para aprofundar-se nas técnicas de gravação e revelação e no que mais tivesse a ver com fotos. Quando o governo de São Paulo começou a promover uma política agressiva de promoção do consumo de café, carro-chefe do desenvolvimento paulista no início do século XX, o presidente do estado, Jorge Tibiriçá, baixou um decreto determinando “exibições cinematográficas de vistas das fazendas e indústrias” para fazer propaganda no exterior. Para isso foi chamado um cinegrafista da empresa francesa Gaumont – o senhor Colliot, segundo Wessel – para filmar fazendas. O jovem fotógrafo, que falava francês, foi contratado para acompanhá-lo pelo estado, auxiliando-o nas revelações e nas filmagens. Quando o cinegrafista voltou para a França, deixou com Wessel um certificado de cinegrafista concedido pela Gaumont no qual o considerava apto a substituí-lo, se necessário.

“Insista, não desista”, dizia Wessel quando lhe pediam conselhos sobre situações difíceis, aparentemente incontornáveis. Ele investiu na própria formação, trabalhou seis anos pesquisando e levou outros cinco aperfeiçoando sua invenção de um novo papel fotográfico. Quando decidiu estudar no K.K. Graphischen Lehr und Versuchsanstalt, em Viena, na Áustria, ele sabia que o instituto era avançado na tecnologia gráfica, especialmente em fotografia e clichês (placas de metal para impressão de imagens e textos). Sua pretensão era aprimorar-se em fotoquímica e clicheria. Quem garantiu os recursos para isso foi o pai, Guilherme, que considerava a clicheria um segmento de muita perspectiva – em São Paulo, na época, só existiam três oficinas, todas com máquinas e processos primitivos.

Escritório Moura, Wilson & Co. comunica ao pai de Wessel a provável concessão da patente

Acervo FCW Escritório Moura, Wilson & Co. comunica ao pai de Wessel a provável concessão da patenteAcervo FCW

Em Viena, Wessel iniciou seus estudos no instituto em julho de 1911 e terminou em dezembro de 1912. Fez o estágio profissional obrigatório em uma das mais importantes empresas especializadas na área de mídia, gráfica e fotografia, a casa Beissner & Gottlieb, finalizado em 1913. Quando voltou para São Paulo, em 1914, trazia na bagagem as máquinas e instrumentos que conseguiu adquirir na Áustria, na França e na Alemanha, uma clicheria completa que instalou para seu pai na rua Guaianases, 139. Ele, no entanto, logo percebeu que precisava estudar mais. Conseguiu inscrever-se na Escola Politécnica como aluno ouvinte e a cursou entre 1915 e 1919. Lá se tornou amigo e auxiliar de laboratório de Roberto Hottinger, titular da cadeira de bioquímica, físico-química e eletroquímica do curso de engenharia química.

Hottinger confiava-lhe a preparação do laboratório nas aulas práticas e o incentivava a continuar sua pesquisa. Ao concluir sua “fórmula satisfatória” para o papel que desejava sentiu o impacto da descoberta: o que fazer? Não tinha recursos para instalar uma fábrica. “Havia pouco dinheiro, faltavam máquinas, papel etc.”, escreveu Wessel. Ou seja, faltava quase tudo. Por indicação de um cliente, porém, ele soube de um professor que desejava vender equipamentos de uma fábrica de papel fotográfico que não dera certo. Conrado Wessel comprou as máquinas – “regateando o máximo”, segundo ele – e as instalou na propriedade do pai, à rua Lopes de Oliveira, 198, em 1921.

Alguns anos antes, em 1916, Guilherme Wessel havia contratado o escritório Moura, Wilson & Co., do Rio de Janeiro, representante da International Patent Agency, para requerer os direitos pela invenção do papel fotográfico Wessel. Em carta de 4 de maio de 1921, o escritório informava que o ministro da Agricultura despachara favoravelmente o pedido de privilégio solicitado. Guilherme e Conrado estavam liberados para divulgar a invenção ou fazer qualquer negócio que desejassem com ela.

Cartão-postal do viaduto do Chá, centro de São Paulo, em 1930, impresso no papel da fábrica Wessel

Acervo FCW Cartão-postal do viaduto do Chá, centro de São Paulo, em 1930, impresso no papel da fábrica WesselAcervo FCW

As dificuldades não pararam aí e outros obstáculos precisaram ser contornados. Foi preciso aperfeiçoar a produção até conseguir um papel confiável para o mercado e vencer a resistência inicial dos fotógrafos, seus clientes potenciais. Nos anos seguintes houve grande instabilidade política no país, como os episódios da revolta dos 18 do Forte de Copacabana, em 1922, e a revolução paulista de 1924. Nesse último ano, em particular, os fornecedores tradicionais de papel não conseguiam abastecer os fotógrafos em razão do conflito e eles começaram a usar aquele fabricado por Wessel. Quando veio a paz, ele já estava com sua fábrica em plena atividade e um produto de primeira linha pronto, o cartão-postal Jardim. Em pouco tempo ganhou o mercado e alcançou sua meta traçada ainda adolescente, de ter um produto tão bom ou melhor que os grandes fabricantes mundiais de papel fotográfico.

A produção cresceu e com o passar dos anos o empresário começou a ser assediado por empresas do exterior. Tornou-se inicialmente fornecedor da Kodak e, em 4 de julho de 1936, garantiu para a empresa norte-americana a totalidade da produção de papel, que ficou conhecido por muito tempo com o nome Kodak-Wessel. O prazo do contrato foi de 10 anos. Em 1947 visitou a sede da companhia em Rochester, nos Estados Unidos, para negociar a renovação da parceria por mais 10 anos com opção de compra de sua patente. Desse acordo surgiu nova fábrica, em 1949, e a partir de 1954 a patente passou definitivamente aos norte-americanos, que difundiram o papel inventado por Wessel ao redor do mundo.

O tempo demonstrou a correção da assertiva de Conrado Wessel – “insista, não desista”. E quem ganhou com isso foi o país, pela instituição da Fundação Conrado Wessel, destinatária do patrimônio por ele amealhado a partir da sua fórmula de papel fotográfico. Ele deixou a vontade de que ela fosse instituída com seus bens, pelo testamento lavrado em 11 de maio de 1988. E, com ela, devolveu à sociedade tudo o que conseguiu, porque estabeleceu para a fundação a grande finalidade de incentivo à arte, à ciência e à cultura, que se realiza mediante prêmios, bolsas, publicações e apoios.

Republicar