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Pandemia

Interrupção de testes de vacina da AstraZeneca/Oxford alerta para a importância dos critérios científicos

Especialistas reiteram a necessidade de manter padrões de qualidade na busca de estratégias para prevenir a infecção pelo novo coronavírus

Ricardo Ceppi/Getty Images Laboratório da empresa argentina mAbxience, que planeja produzir desenvolvida pela Universidade de Oxford e pela AstraZenecaRicardo Ceppi/Getty Images

Uma mulher no Reino Unido, após participar dos testes da fase 3 da AZD1222, uma candidata a vacina contra o coronavírus causador da Covid-19, apresentou sinais associados a uma inflamação neurológica chamada de mielite transversa. Diante da possibilidade de essa reação ter sido causada pelo composto usado para deter a infecção pelo vírus Sars-CoV-2, a empresa farmacêutica AstraZeneca, responsável pelos ensaios clínicos, anunciou no dia 8 de setembro a interrupção temporária dos testes de eficácia da vacina, desenvolvida em conjunto com a Universidade de Oxford. Um comitê externo independente avaliou se o episódio teria relação com a aplicação da vacina e concluiu pela retomada dos testes, de acordo com anúncio feito neste sábado, 12 de setembro.

Os testes preveem a participação de 30 mil pessoas e são realizados também nos Estados Unidos, na África do Sul e no Brasil. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou neste sábado a continuidade do ensaio clínico após esclarecimentos enviados pela AstraZeneca. Da etapa anterior de avaliação, a chamada fase 2, participaram 1.077 participantes, com resultados satisfatórios, de acordo com o artigo publicado em agosto na revista médica britânica The Lancet.

Segundo o comunicado oficial da empresa, a interrupção dos testes foi “um procedimento de rotina em caso de surgimento de uma doença potencialmente inexplicada durante a realização dos testes”. As avaliações da formulação da AstraZeneca/Oxford e da empresa chinesa Sinovac, também realizados no Brasil, são os que se encontram em estágio mais avançado.

“Não se trata, em princípio, de um acontecimento que condena preliminarmente a vacina, embora estatisticamente seja relevante em vista do número de pessoas que já a haviam recebido”, observa o médico sanitarista Reinaldo Guimarães, professor do Núcleo de Bioética e Ética Aplicada da UFRJ e vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

Embora indesejado, o episódio, segundo Guimarães, “é um alerta para a necessidade de que o desenvolvimento de vacinas contra a Covid-19 siga realmente padrões científicos, sem ceder a influências geopolíticas”. No dia 11, em um manifesto conjunto, nove empresas farmacêuticas reiteraram a intenção de não liberar ou solicitar o registro de qualquer candidata a vacina antes que os testes clínicos de eficácia e segurança tenham sido concluídos e apresentado resultados satisfatórios.

Essas medidas poderiam evitar efeitos danosos ou a liberação de vacinas com baixa eficácia, observa Guimarães. De todo modo, segundo ele, a vacina não será uma “bala de prata”, expressão usada para medicamentos capazes de deter uma doença com facilidade. As medidas de contenção da transmissão do vírus, por meio da identificação e do bloqueio de novos casos, são, ele ressalta, igualmente importantes.

Léo Ramos ChavesLaboratório de Bio-Manguinhos, no Rio de Janeiro, que também se prepara para produzir a vacina com adenovírusLéo Ramos Chaves

“No terreno das vacinas, além dos obstáculos postos por patentes, haverá uma dificuldade relacionada à capacidade de produção de uma ou mais vacinas para uma população-alvo global gigantesca”, ele comentou em um artigo publicado em agosto na revista Ciência & Saúde Coletiva. “Haverá escolhas em termos de prioridades de países que receberão as vacinas e, dentro de cada país, populações-alvo segmentadas segundo o risco epidemiológico.”

Em sua coluna de 10 de setembro do jornal O Estado de S. Paulo, o biólogo Fernando Reinach comentou: “É reconfortante saber que, num ambiente em que presidentes e todos os tipos de políticos fazem pressão para que as vacinas sejam liberadas, cientistas (pelo menos da Oxford/AstraZeneca) resistem e cuidam para que os testes sejam feitos com todo o rigor”.

No mesmo dia, o portal norte-americano Stat News informou que a voluntária que havia apresentado os sinais de mielite transversa integra o grupo que recebeu de fato a vacina, e não placebo, passava bem e já havia sido liberada do hospital. Foi a segunda interrupção dos testes dessa formulação: na primeira vez o percalço se deveu a um caso de esclerose múltipla, uma doença neurológica autoimune, no qual não se encontrou relação com a vacina.

Artigos Científicos
FOLEGATTI, P. M. et al. Safety and immunogenicity of the ChAdOx1 nCoV-19 vaccine against SARS-CoV-2: a preliminary report of a phase 1/2, single-blind, randomised controlled trial. Lancet. v. 396, n. 10249, p. 467-78. 15 ago. 2020
GUIMARÃES, R. As Interfaces e as “Balas de Prata”: Tecnologias e Políticas. Ciência & Saúde Coletiva. v. 25, n. 9, p. 3563-6. 28 ago. 2020

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