Imprimir Republicar

Ambiente

IPCC confirma papel inequívoco do homem nas mudanças climáticas

Novo relatório indica que aquecimento global já torna mais frequente e intensifica a ocorrência de fortes ondas de calor, episódios de chuva concentrada e secas severas, que tendem a se exacerbar nas próximas décadas

Eventos climáticos extremos devem tornar-se mais comuns, como essa enchente no rio Ahr em Altenahr, oeste da Alemanha, em julho de 2021

Martin Seifert / Wikipedia

Divulgada hoje na Suíça, mais de sete anos depois de seu antecessor, a primeira parte do sexto relatório de avaliação (WG1-AR6) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) destaca que é indiscutível o papel das atividades promovidas pelo homem, em especial da emissão de gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4), na indução do processo de mudanças climáticas. “É inequívoco que a influência humana aqueceu a atmosfera, o oceano e a superfície terrestre. Ocorreram mudanças rápidas e generalizadas na atmosfera, no oceano, na criosfera e na biosfera”, afirma o relatório em seu resumo dedicado aos tomadores de decisão. O trabalho também indica que, se a tendência de elevação global da temperatura do planeta não for revertida rapidamente, eventos climáticos extremos, como fortes ondas de calor, chuvas intensas e secas severas, vão se tornar mais frequentes e agudos, acarretando pesados impactos socioeconômicos.

Segundo o documento, a temperatura média do planeta “muito provavelmente” deverá aumentar 1,5 grau Celsius (ºC), ou até mais do que isso, em relação aos valores do período pré-industrial (entre 1850 e 1900) em algum momento da próxima década, cerca de 10 anos antes do que os relatórios anteriores tinham previsto. De acordo com as definições adotadas pelo IPCC, um evento ou resultado de um processo é considerado “muito provável” quando a probabilidade de sua ocorrência se situa entre 90% e 100%.

Até agora, a temperatura média na superfície do planeta subiu cerca de 1,1 ºC se comparada à de meados do século XIX. “Mas, nesse período, o aumento médio da temperatura apenas sobre a superfície dos continentes, onde as sociedades humanas vivem, foi de cerca de 1,6 ºC enquanto sobre os oceanos foi de 0,9° C”, disse o físico Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo (USP), um dos sete pesquisadores brasileiros que participaram da elaboração do WG1-AR6, em webinário promovido na tarde de segunda-feira (9/8) pela FAPESP.

Entrevista: Paulo Artaxo
00:00 / 19:30

O novo documento atualiza o conhecimento científico sobre as mudanças climáticas e foi elaborado pelo chamado grupo de trabalho 1 do IPCC, que reuniu 234 autores de 66 países. Outros 567 autores colaboradores também participaram da formulação dessa parte do relatório, cujo lançamento inicial era previsto para abril deste ano, mas foi postergado em razão da pandemia de Covid-19. O texto do documento, aprovado pelos 195 países que participam do painel coordenado pela Organização das Nações Unidas (ONU), faz menção a mais de 14 mil estudos científicos para embasar suas conclusões.

“Esse relatório é um choque de  realidade”, comentou a paleoclimatologista francesa Valérie Masson-Delmotte, da Universidade Paris-Saclay, copresidente do grupo 1 de trabalho do IPCC, no material de divulgação do documento. “Agora temos uma imagem muito mais clara do clima no passado, no presente e no futuro. Isso é essencial para entender para onde estamos indo, o que pode ser feito e como devemos nos preparar.” No primeiro trimestre de 2022, o IPCC deverá lançar as duas partes seguintes do AR6. O segundo documento vai tratar de impactos e vulnerabilidades causados pelas mudanças climáticas e do que pode ser feito para se adaptar a elas. O terceiro vai abordar formas de mitigação das mudanças climáticas.

De acordo com o novo relatório, nenhuma parte do planeta está a salvo das consequências do aquecimento global e de alterações decorrentes ou associadas a esse processo. “As mudanças climáticas já afetam todas as regiões da Terra, de múltiplas maneiras. As mudanças que estamos experimentando vão se intensificar com o aumento adicional da temperatura”, comentou, também no material de divulgação do relatório, o chinês Panmao Zhai, da Academia Chinesa de Ciências Meteorológicas, outro copresidente do grupo 1.

Segundo o documento, as mudanças climáticas exacerbam o ciclo da água. Isso provoca tanto chuvas mais intensas e inundações como secas mais severas em muitas regiões. As áreas costeiras, por exemplo, verão a continuidade do aumento do nível do mar ao longo do século XXI, fenômeno que promoverá inundações mais frequentes e volumosas em áreas baixas e erosão. Eventos extremos associados à elevação do nível do mar que ocorriam anteriormente uma vez a cada 100 anos podem se tornar ocorrências anuais perto do final deste século. O aquecimento progressivo do clima global ampliará o derretimento do permafrost (solo continuamente congelado na região ártica), de geleiras sazonais e de gelo marinho no verão do oceano Ártico.

Cada elevação de 0,5 ºC na temperatura média do planeta repercute de forma não linear na frequência e intensidade de ondas de calor e de episódios de seca ou chuvas exacerbadas. “Um aumento dessa ordem na temperatura duplica ou triplica alguns eventos climáticos extremos”, ponderou o climatologista Lincoln Muniz Alves, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), outro membro do grupo 1 de trabalho do IPCC que participou do webinário. Alves fez parte da equipe que desenvolveu um atlas interativo, uma novidade do WG1-AR6, que pode ser acessado na internet. O atlas mostra em diferentes partes do globo os efeitos e as projeções das mudanças climáticas.

Para o território brasileiro, à medida que a temperatura média global for aumentando, são projetadas elevações na quantidade total de chuvas nas regiões Sudeste e Sul e diminuição no Centro-Oeste, em grande parte do Nordeste e no leste da Amazônia. As temperaturas médias da parte do país situada acima do Sudeste podem subir entre 3º e 4º C até o fim deste século.

Segundo o documento divulgado agora, ondas de calor extremamente fortes que ocorriam uma vez a cada 100 anos antes do século XX, quando a influência humana sobre o clima era pouco significativa, tornaram-se atualmente 4,8 vezes mais frequentes e 1,2 ºC mais quentes. Se a temperatura global aumentar 1,5 ºC, esse tipo de evento extremo será 8,6 vezes mais frequente e 2 ºC mais quente do que há 150 anos. Mais meio grau de subida na temperatura média do planeta, atingindo uma elevação de 2 ºC, fará, segundo projeções do IPCC, com que essas ondas de calor se tornem 13,9 vezes mais comuns e 2,7 ºC mais quentes.

Tendências semelhantes aparecem no documento com relação a eventos extremos relativos a chuvas e secas severas. “O novo relatório sai em um momento em que vivemos vários eventos extremos climáticos, como as fortes chuvas na Alemanha e na Bélgica e a seca em partes do Brasil, e a ciência mostra cada vez mais a influência das atividades humanas na ocorrência desses fenômenos”, comentou, durante o webinário, o agrônomo Jean Ometto, pesquisador do Inpe e um dos coordenadores do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).

Republicar