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Produção científica brasileira

Jogando na primeira divisão

Acesso a grandes telescópios internacionais faz a astronomia brasileira ganhar visibilidade mundial

Soar, no Chile: brasileiros têm 31% do tempo de observação do telescópio, cerca de 100 noites por ano

Soar, no Chile: brasileiros têm 31% do tempo de observação do telescópio, cerca de 100 noites por ano

O Brasil tem aumentado sua participação na produção científica mundial, o que é um indicador de progresso de nossa sociedade. A astronomia brasileira contribui com 2% do volume mundial de publicações na área, embora tenha número pequeno de pesquisadores e seja muito jovem, quando comparada com outras áreas do conhecimento. O início da pesquisa astronômica no Brasil, em sua fase moderna, pode ser datada de 1970, quando foram publicados oito artigos em revistas indexadas. A taxa de publicação cresceu 25 vezes nas três décadas seguintes, atingindo 205 artigos no ano 2000. É importante notar que 75% desses artigos foram publicados em revistas Qualis A (alto impacto). Nos últimos oito anos, essa taxa arrefeceu, mas começa a se acelerar de novo. Esse crescimento, sem paralelo no cenário mundial, foi notado pela IAU (sigla em inglês que significa União Astronômica Internacional), que realizou no mês passado no Rio de Janeiro sua Assembleia Geral, um evento que ocorre a cada 3 anos.

Dos 3 pesquisadores com doutorado que existiam em 1970, passamos para 41 em 1981 e para 208 em 2008. Como esse número de pesquisadores representa cerca de 2% dos membros da IAU (que congrega a maior parte dos astrônomos ativos), isso significa, grosso modo, que nossa produtividade está na média mundial. Isso é notável, dado que não dispomos de meios de observação comparáveis aos de países de Primeiro Mundo. A antena de 13,7 metros de diâmetro do radiotelescópio de Atibaia, no interior paulista, que entrou em operação nos anos 1970, chegou a ter um bom impacto, mas sua competitividade foi diminuindo com o aumento da concorrência no hemisfério sul. Com a inauguração, em 1981, de um telescópio óptico de 1,6 metro e, mais tarde, de dois telescópios de 0,6 metro no Observatório do Pico dos Dias, no sul de Minas Gerais, teve início uma fase observacional importante, que gerou aumento de publicações nos anos 1980 e 1990 e a formação de pesquisadores. Esses telescópios também perderam competitividade, refletindo-se na desaceleração das publicações no período 2000-2008. Na década de 1990 a entrada do Brasil em grandes projetos internacionais, como o observatório Gemini e o telescópio Soar, fez novamente aumentar a taxa de publicações.

Um indicador robusto da excelente performance de nossos pesquisadores pode ser obtido a partir de dados do Gemini, que mantém um telescópio no Chile e outro no Havaí, ambos usados pelos sete países associados ao empreendimento (EUA, Canadá, Inglaterra, Austrália, Chile, Brasil e Argentina). Entre os pesquisadores de todas as nacionalidades que utilizam o Gemini, os brasileiros publicam o triplo do segundo colocado (EUA) por unidade de tempo de acesso ao telescópio. Essa boa performance levou ao anúncio, durante a assembleia geral da IAU, pelo ministro da Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende, de que o Brasil dobrará o tempo de acesso ao Gemini em 2010. Elevará sua participação no tempo de observação do projeto de 2.5% para 5%. O grande aumento de produtividade, entretanto, é esperado para os próximos anos, quando o Soar estiver funcionando a todo vapor.

Ao lado dos americanos, o Brasil é sócio majoritário no telescópio Soar, situado nos Andes chilenos. Temos 31% do tempo de observação do Soar, algo como 100 noites por ano. Apesar de sua alta qualidade óptica, o telescópio ainda opera com instrumentos emprestados, o que limita sua performance. A entrada em operação de instrumentos desenhados especificamente para o Soar nos permitirá, a partir do próximo ano, explorar todo o seu potencial e continuar aumentando a taxa de publicações. Entre esses novos instrumentos estão três espectrógrafos de classe mundial, construídos no Brasil: o BTFI (Brazilian Tunable Filter Imager), o SIFS (Soar Integral Field Spectrograph) e o STELES (Soar Telescope Echelle Spectrograph). Além da formação de cientistas e da produção de artigos, a construção de instrumentos com tecnologia de ponta era o segmento que faltava para o Brasil dominar todos as etapas da produção científica.

Embora ainda exista um gargalo para dados observacionais, o Brasil nunca teve acesso tão grande e diversificado a telescópios. Hoje podemos usar os dois Gemini, que dispõem de telescópios de 8,1metros, o Soar com um telescópio de 4,1 metros e o Canada-France-Hawaii Telescope (CFHT) de 3,6 metros. Trocando o tempo de acesso que temos nesses telescópios por horas de observação em outros empreendimentos, podemos ainda utilizar os telescópios Blanco (de 4 metros, no Chile), o Subaru (de 8,2 metros, no Havaí) e o Keck (de 10 metros, também no Havaí). Embora isso represente dez vezes menos tempo de telescópio que o disponível a países de Primeiro Mundo (tendo o PIB como base de comparação), estamos em posição invejável perante os países em vias de desenvolvimento, como China, Índia, México e Rússia. Nenhum deles tem acesso a telescópios de 4 e 8 metros simultaneamente. Essa dobradinha forma dois degraus estratégicos: podemos buscar alvos no telescópio de diâmetro menor e explorá-los de forma detalhada no de diâmetro maior.

O Brasil também acaba de entrar na rede IVOA (Internacional Virtual Observatory Alliance), que coordena o acesso a observatórios virtuais. Um observatório virtual disponibiliza bancos de dados, via Internet, que são muito úteis para estudos de propriedades gerais de populações de corpos celestes ou cruzamentos de observações de uma mesma área do céu em diferentes comprimentos de onda. Essa rede complexa de parcerias é coordenada pelo Laboratório Nacional de Astrofísica/Ministério da Ciência e Tecnologia (LNA/MCT) de modo eficiente e nos assegura um know how de gerenciamento adequado para um próximo momento, quando teremos um crescimento maior da astrofísica nacional.

Dado que os investimentos em meios observacionais levam de dez a quinze para dar frutos em termos de publicações, já está na hora de definirmos a estratégia para novos projetos de grande envergadura. Como manteremos a competitividade numa época em que está para acontecer um grande salto tecnológico? A nova geração de telescópios demanda recursos da ordem do bilhão de dólares, o que exige consórcios ainda maiores que os atuais. Na área espacial, precisamos sair do atraso de 50 anos e dominar tecnologias de grande importância. A tarefa dos dois Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia na área de astronomia será desenvolver estudos estratégicos e apontar alternativas para a inserção do Brasil nesse novo cenário mundial.

A formação de pessoal deverá acompanhar o desenvolvimento instrumental. Existem hoje 130 alunos matriculados em mestrado e 90 em doutorado nos 14 programas de pós-graduação existentes nas 41 instituições em que se desenvolve pesquisa na área (a fonte desses dados é o recenseamento da astronomia brasileira). Desses 14 cursos, 11 alcançaram nota igual ou maior do que 4 na avaliação da Capes, dos quais 5 tiraram a nota máxima, 7. Em nível de graduação, a formação em astronomia ― que se restringia ao curso oferecido pelo Observatório do Valongo, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e à opção de habilitação nessa área dentro do bacharelado em física dado no Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP) ― também está sendo reformulada. O Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP iniciou em 2009 seu curso de bacharelado em astronomia e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) está para abrir o seu. Esses cursos têm uma característica nova: oferecem um leque amplo de oportunidades profissionais a seu alunos, que poderão trabalhar com pesquisa pura, na parte de instrumentação, no setor computacional ou até na formação de educadores. A demanda pelo curso deve aumentar após a término do Ano Internacional da Astronomia 2009, como já se nota na Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica, cujo número de participantes dobrou no último ano, saltando para 870 mil estudantes. Outro indicador da penetração social da área é a existência de 150 clubes de astronomia amadora, número superior ao de países europeus com longa tradição na área.

Precisamos ampliar os canais de comunicação para garantir que o conhecimento produzido seja difundido na sociedade. Não é possível ter ciência desenvolvida convivendo com analfabetismo científico, como não há futuro para uma sociedade moderna sem bom desempenho científico e tecnológico.

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