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Entrevista

Juliana Estradioto: Futuro no presente

Projeto científico leva jovem gaúcha a ter seu nome em um asteroide e ser selecionada para participar da cerimônia do Prêmio Nobel

Na Febrace, a premiação de Juliana lhe garantiu vaga em competição internacional

Léo Ramos Chaves

Aos 18 anos e engajada no uso mais sustentável de recursos, Juliana Davoglio Estradioto coleciona um número respeitável de prêmios em feiras de ciências e outros eventos do tipo para estudantes. Recentemente conseguiu ir ainda mais longe ao usar casca de noz  macadâmia para produzir uma membrana biodegradável.

Na 33ª Mostra Brasileira de Ciência e Tecnologia e Mostra Internacional de Ciência e Tecnologia (Mostratec), em outubro de 2018, o 1º lugar na categoria Gerenciamento do Meio Ambiente lhe valeu a participação no Seminário Internacional de Jovens Cientistas de Estocolmo (SIYSS) no final deste ano, na mesma semana em que se dá a entrega do Prêmio Nobel – cerimônia para a qual foi convidada, com direito a banquete.

Mais recentemente o mesmo projeto foi reconhecido na 17ª edição da Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace), garantindo lugar na Feira Internacional de Ciências e Engenharia da Intel (Intel Isef) que aconteceu em maio nos Estados Unidos, a maior da categoria com 1.800 estudantes de 80 países. Selecionada em primeiro lugar na categoria de ciência de materiais, ganhou o direito de dar seu nome a um asteroide.

Recém-formada no ensino médio pelo campus de Osório do Instituto Federal de Ciência, Tecnologia e Educação do Rio Grande do Sul (IFRS), ela conversou com Pesquisa FAPESP por Skype de sua casa nessa cidade do interior gaúcho.

Você terá seu nome em um asteroide e irá à cerimônia do Nobel. Dá para não se sentir estrela nessa situação?
Tudo parece muito mentira ainda, na verdade.

Asteroides às vezes se chocam e são destruídos. Isso a preocupa?
Eu tinha medo de que meu asteroide pudesse cair na Terra e matar alguém. Mas eles ficam localizados em uma região da galáxia sem conflito. Os especialistas dizem que não tem perigo de acontecer nada com esses asteroides nos próximos 100 mil anos.

Como funciona o processo de dar nome ao asteroide? É você quem escolhe o nome?
Não. Isso acontece como uma parceria entre a Intel Isef e um programa do Laboratório Lincoln do MIT [Instituto de Tecnologia do Masachusetts, nos Estados Unidos] para que jovens tenham seu nome em asteroides. O processo é bem longo e o asteroide que vai ser batizado provavelmente já foi descoberto. Catalogaram mais de 5 mil asteroides da região que fica em uma galáxia próxima à Terra. Os especialistas é que vão decidir como vai ser. Em geral, é o sobrenome incompleto depois de um número. Estou curiosa para saber qual vai ser o número. Quero fazer uma tatuagem.

O projeto com a macadâmia já rendeu vários prêmios, e antes dele você também trabalhou com maracujá.
Fiz três projetos de pesquisa durante o ensino médio, desde os 15 anos. A Febrace proporcionou minha primeira viagem de avião, quando fui apresentar meu trabalho na USP [Universidade de São Paulo] em 2017. Vi que o mundo é muito maior do que eu imaginava. Moro em uma cidade no interior do Rio Grande do Sul que tem 40 mil habitantes, muito pequena. Acabei descobrindo várias coisas que nunca imaginei que pudessem acontecer comigo. Usando a casca do maracujá para fazer um plástico biodegradável, participei da Febrace e fui para a Intel Isef em 2017, fiquei em quarto lugar. Esse trabalho também ganhou o prêmio Jovem Cientista. Depois apresentei outro trabalho nos Estados Unidos e agora estou desenvolvendo o da casca da noz macadâmia, que uso como alimento para microrganismos que produzem o material. Apresentei esse trabalho na Mostratec, onde fui selecionada para o seminário SIYSS em Estocolmo, do qual participam 25 estudantes, jovens cientistas, do mundo todo. Sou a única brasileira este ano. Outros brasileiros já participaram, todos meninos. Quero divulgar que meninas também podem ir para lá. Vou apresentar minha pesquisa para estudantes suecos que estão se engajando em ciência, participar de debates com outros jovens e visitar universidades de lá. Isso acontece na mesma semana da cerimônia do Prêmio Nobel, e poderemos participar do banquete. Vou ter que fazer uma aula de etiqueta para aprender a usar tantos talheres no jantar.

Léo Ramos ChavesA partir de rejeitos da noz macadâmia, bactérias produzem membranas que podem servir como substituto do plástico e ter usos biomédicosLéo Ramos Chaves

Você também foi premiada na Febrace e na Intel Isef com o projeto da macadâmia. O que explica esse sucesso todo?
A ideia de usar a casca da noz macadâmia veio de uma demanda de uma das maiores agroexportadoras do Brasil ao Instituto Federal do Espírito Santo, e um professor de lá procurou a minha orientadora no IFRS, a engenheira de alimentos Flávia Twardowski. Eu queria usar essas cascas para fazer alguma coisa, porque são um resíduo e vão para o lixo ou queima, acabam poluindo, mas não sabia como usar. Sou vegetariana e queria comprar algo semelhante a uma jaqueta de couro que não fosse de origem animal. Eu tinha uma sintética, mas sem qualidade. Notei que a maior parte era assim, então queria algo que não fosse sintético nem de origem animal. Acabei encontrando uma jaqueta produzida por microrganismos e fiquei muito curiosa. Como é que os microrganismos que nem enxergamos podem produzir material que serve para fazer roupas? Comecei a pesquisar microrganismos que produzissem materiais e resolvi trabalhar com isso. Eu odiava biologia no ensino médio, mas, quando vi essa aplicação e quanto a biotecnologia e a microbiologia têm para contribuir ao mundo, me apaixonei por essa área e quero continuar nela. O que fiz foi usar a casca da noz macadâmia como alimento para os microrganismos e eles é que são responsáveis por produzir o material, uma celulose de origem microbiana, que é muito interessante. Um dos usos é como plástico. Eu produzi saquinhos que se degradam para recolher dejetos de animais, alternativa mais sustentável do que sacos de plástico. Outra utilidade possível está na área biomédica. Existem pesquisas com esse tipo de material para veias artificiais, mas comecei a estudar a utilização como curativo, porque li em artigos científicos que ele adere à pele humana. Usar algo que ia para o lixo e produzir algo inovador me deixou muito apaixonada pela celulose.

É uma reviravolta nos seus estudos, porque você fez curso de administração, não?
Sim, fiz curso técnico de administração integrado ao ensino médio no IFRS. Venho de uma cidade pequena, nunca tinha visto um laboratório. Quando visitei um na USP a convite de um examinador da Febrace, chorei vendo os equipamentos. A infraestrutura era sensacional, parecia um parque de diversões. Por ter feito curso técnico em administração eu tinha que me adaptar às condições de que dispunha, foram vários desafios. Tive apoio significativo  da minha orientadora. É muito importante incentivar os jovens, eu nunca cogitaria ser cientista se não fosse esse tipo de contato.

E agora, o que você vai fazer?
Quero continuar fazendo pesquisa, não me imagino fazendo outra coisa. Descobri essa paixão. O lugar em que mais gosto de estar é no laboratório. Também estou trabalhando com divulgação e incentivo à ciência, sou fundadora de um projeto que é o Meninas Cientistas, para mostrar o trabalho de outras garotas que fizeram pesquisa no ensino médio. Tenho ido a escolas e participado de ONGs [Organizações Não Governamentais] para isso. Ter feito pesquisa e participado de feiras de ciências me abriu o mundo e acho que precisamos plantar essa sementinha em outros lugares.

Você sentiu limitações por ser menina?
Já passei por situações de pessoas serem bem preconceituosas por eu ser menina e sempre fiquei muito incomodada. Espero que daqui a alguns anos isso acabe. Também me senti muito desacreditada por ser jovem e fazer pesquisa. Visitando as feiras de ciências e conhecendo outras pessoas como eu, percebi que é preciso incentivar os jovens a serem a próxima geração de cientistas. O jovem não precisa ser só o futuro, dá para ser o presente.

Até que ponto foi uma limitação ter feito escola pública?
Foi uma limitação em vários sentidos, não só em questão de conteúdo. Quando converso com pessoas que estudam em escolas particulares, sinto que têm muito mais noção das oportunidades, sem falar na infraestrutura para desenvolver projetos de pesquisa. Sou muito grata por ter participado de feiras de ciências, porque quando eu estava no ensino fundamental – estudei em uma escola estadual aqui de Osório – não tinha ideia. Por morar no interior, quando eu queria fazer experimentos precisava viajar à capital. Fiz uma parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul para usar os laboratórios. É preciso sair da zona de conforto para correr atrás das oportunidades e parcerias.

Há alguém da área de ciência na sua família?
Não, minha mãe é professora de português no ensino fundamental de uma escola municipal. Minha família tem várias pessoas envolvidas em educação. Eles sempre me incentivaram a estudar e correr atrás dos meus sonhos. Eu não achava que dava para ser cientista. Quando era criança, pensava que as pessoas que faziam ciência estavam mortas. Einstein já tinha morrido, Newton também, ninguém estava vivo. Depois descobri que não é só velhinho que faz ciência. É importante quebrar esse estereótipo do cientista e valorizar a profissão.

Qual o curso que pretende fazer?
Passei em engenharia química, mas descobri que não quero fazer, até porque gosto muito da área de educação. Quero fazer graduação em química no exterior, estou procurando apoios como o de um programa que se chama Education USA, para jovens de baixa renda que querem estudar fora, e outros como Prep Estudar Fora e o Brasa Pré. Quero estudar nos Estados Unidos no ano que vem e depois voltar para o Brasil. Nas feiras de ciências, mais do que os prêmios, percebi como é importante ter contato com outras culturas. Conhecer pessoas em situações muito diferentes, tanto do Brasil como de fora, abre a cabeça.

Como anda a campanha nas redes sociais para conseguir um vestido para o Nobel?
Recebi umas mil mensagens de lojas e ateliês, nem consegui ver tudo. Não sei como atuar neste momento. Vou escolher uma que seja mais próxima, para poder fazer as provas. Esta semana pretendo decidir isso.

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