Podcast: Alessandra Alves de Souza
Os cruzamentos que deram origem à Maria foram feitos durante o doutorado da engenheira-agrônoma Mariângela (daí o nome) Cristofani-Yaly, defendido há 20 anos. “Foi um cruzamento entre tangerina e laranja que inicialmente deu origem a frutos com característica de laranja e outros de tangerina”, conta a pesquisadora hoje integrante do corpo de pesquisadores do centro, e que buscava resistência à mancha marrom de alternária, doença que afeta as variedades Murcott e Ponkan. A doença obriga produtores a aplicar fungicida por até 25 vezes ao ano, o que representa um alto custo e justifica a busca de plantas resistentes que possam produzir frutos sem a necessidade frequente de aplicações de defensivos. De lá para cá, a seleção das melhores plantas envolveu o mapeamento genético dos marcadores de resistência à doença e muita paciência para que as plantas começassem a produzir de maneira estável para submeter os frutos a testes de paladar.
O caminho ao mercado não terminou de ser percorrido. Uma vez registrada, a nova variedade de tangerina passa a estar disponível na forma de borbulhas, os pequenos brotos que dão origem às mudas, para viveiristas interessados – que por sua vez fornecem aos citricultores. “Ainda estamos estudando qual é o melhor porta-enxerto e o melhor espaçamento para plantio”, diz Mariângela. Mesmo assim, ela imagina que o fruto possa estar no mercado em poucos anos com uma produção ainda modesta.
Machado explica que os carros-chefes da instituição são a busca por resistência a doenças e por qualidade dos frutos, sempre tendo em vista que 80% da produção de cítricos corresponde à indústria de suco de laranja. Restam 20% para o mercado de frutos de mesa, no qual há mais espaço para desenvolver novos sabores.
O diretor do centro coordena também o setor de biotecnologia, cujos projetos vão da pesquisa básica à aplicação prática. Um exemplo recente é o projeto de doutorado do biólogo Diogo Manzano, que buscou maneiras de controlar o inseto que transmite a doença huanglongbing (HLB), uma das mais preocupantes pragas de cítricos. “Com RNA de interferência conseguimos silenciar alvos que reduzem a sobrevivência do inseto”, explica Machado, orientador do trabalho, sobre o artigo que foi publicado em março na revista PLOS ONE. A ideia é borrifar a solução com o agente genético nas plantas das quais a ninfa do inseto se alimenta, de maneira a complementar o combate e reduzir o uso de inseticidas. Os próximos passos são fazer experimentos de campo e buscar parceiros interessados em desenvolver o produto. O pesquisador ressalta que os resultados são possíveis graças aos esforços de sequenciamento de citros empreendidos no passado. “É a nossa enciclopédia.”
Foi com a experiência do sequenciamento do genoma da bactéria Xylella fastidiosa – causadora da clorose variegada dos citros (CVC) –, finalizado em 2000, que a bióloga Alessandra Alves de Souza começou a carreira com cítricos em que até hoje combate a CVC. Há alguns anos ela descobriu que a N-acetilcisteína (NAC), substância ativa de um medicamento de uso comum para problemas respiratórios em crianças, poderia ser usada para desfazer o biofilme formado pelas bactérias dentro dos vasos das plantas (ver Pesquisa FAPESP nº 214). Em testes de campo, ela e o agrônomo Helvecio Della Coletta Filho avaliaram o impacto da aplicação do medicamento para a safra, em parceria com a empresa Citrosuco. “As plantas que receberam NAC aumentaram o tamanho dos frutos e a produtividade”, conta Alessandra. Uma surpresa foi ver que as plantas sadias, quando submetidas aos tratamentos, tiveram um desempenho ainda melhor: produção aumentada e frutos maiores do que as não tratadas. Mais uma vez, a comparação com a ação em seres humanos ajuda a entender: “Nos Estados Unidos, a NAC é vendida como suplemento antioxidante e ajuda em doenças nas quais há um aumento de estresse”, explica a pesquisadora. Pelo jeito, mesmo as plantas sadias sofrem com estresse oxidativo.
A bactéria Xanthomonas citri, causadora do cancro cítrico, tem semelhanças genéticas com a Xylella e também age formando um biofilme – sobre as folhas, e não dentro da planta. Segundo Alessandra o tratamento atual envolve cobre, um metal tóxico em grandes quantidades. A bióloga Simone Picchi, em estágio de pós-doutorado no grupo de Alessandra, mostrou que a NAC é eficaz contra esse patógeno, conforme publicou em 2016 na revista Plant Pathology. Experimentos de campo indicam que o tratamento com a substância é mais eficaz sozinho do que combinado com cobre, um resultado salutar. “Para aplicar o cobre é preciso se proteger porque é perigoso aspirá-lo”, diz Alessandra. “Já o NAC é bom para a saúde.” Com base nisso, Simone está desenvolvendo um produto para aplicação do fármaco em citros, no âmbito do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) da FAPESP.
Enquanto isso, Helvecio Della Coletta tem rastreado geneticamente a bactéria X. fastidiosa em outras plantas. Ele esteve envolvido, assim como Alessandra, no estudo e na tentativa de combate à praga que acometeu oliveiras milenares no sul da Itália (ver Pesquisa FAPESP nº 233). Embora o Brasil não tenha tradição de produção de azeitonas, a serra da Mantiqueira tem um cultivo crescente de oliveiras e o Brasil já está entre os quatro países que relataram a presença de X. fastidiosa nessas árvores, uma subespécie diferente da registrada na Itália. “A rastreabilidade genética mostra que a bactéria saiu de plantas de café”, explica Coletta, que este ano publicou a caracterização das subespécies na revista Phytopathology. Pesquisas em andamento investigam a relação entre a bactéria e as oliveiras em condições tropicais.
Atuação prática
Ele também está à frente de outro tipo de monitoramento de doenças, na Clínica Fitopatológica. Trata-se de uma prestação de serviço aos produtores que envolve a produção certificada de mudas cítricas, a vigilância de doenças nos pomares e o atestado de sanidade aos frutos cítricos destinados à exportação que analisa entre 800 e 1.000 amostras por mês.
O combate a doenças também requer adubação adequada, já que plantas bem nutridas, além de mais produtivas, podem ser mais tolerantes a doenças. Mas não basta concentrar-se na nutrição sem estudar o controle da doença, alerta o engenheiro-agrônomo Rodrigo Boaretto. Ele conta que o grupo de nutrição formado por pesquisadores dos centros de Citricultura e de Solos do IAC teve uma postura crítica diante da estratégia norte-americana de combater o HLB: aplicar um pacote de micronutrientes e outros compostos para suprir a deficiência de absorção de nutrientes que a doença causa nas plantas. A expertise brasileira sugeria a prática por vezes drástica de erradicar as plantas infectadas e eliminar o inseto transmissor, adotada por grande parte dos citricultores brasileiros. “O resultado é que hoje praticamente 100% dos pomares norte-americanos têm a doença”, afirma. O combate implacável à doença, associado à nutrição e outras práticas de cultivo, permitiu aumentar a produtividade por área plantada. “Há 25 anos produzíamos 25 toneladas por hectare e hoje o padrão é, em média, 40 toneladas por hectare”, resume o engenheiro-agrônomo Dirceu Mattos Junior.
Outra doença que pode se tornar mais severa conforme a nutrição é a estrelinha, ou podridão floral, que em 2009 causou uma perda na safra que em algumas fazendas chegou a 80%. O grupo mostrou que o acréscimo de cálcio cria condições menos favoráveis ao estabelecimento da doença e aumenta a produtividade. Essas mudanças, assim como o manejo de nutrientes necessário nos anos 2000 para fazer frente à substituição dos porta-enxertos atacados pela morte súbita dos citros (MSC), acabaram transformando os percalços em vantagens. “A cada desafio, novos avanços em conhecimento e ganhos em produtividade são obtidos”, conclui Mattos. O desafio agora é entender melhor como a nutrição pode trazer benefícios em produtividade e na qualidade das frutas.
Experimentos de campo feitos pelo grupo do agrônomo Fernando Alves de Azevedo também mostram que práticas de cultivo podem trazer benefícios aos citricultores. Ele defende o uso da roçadeira ecológica, que corta o mato das entrelinhas do pomar e joga a palha para a base das árvores, mantendo o solo coberto. “Isso reduz a perda de água e a erosão, além de melhorar a composição química, física e microbiológica do solo”, explica. O solo mais úmido se torna mais propício para a proliferação de bactérias e fungos benéficos às plantas cítricas, como as micorrizas, e a barreira física imposta pela palha dificulta a emergência de plantas daninhas, conforme publicado este ano na revista Weed Technology. “Observamos um aumento de 34% na produtividade do pomar, com uma queda de 50% no uso do herbicida glifosato.”
O produto final está sempre à vista no Centro de Citricultura. A transmissão do conhecimento produzido ali é feita por meio de boletins, distribuídos todos os meses para 1.200 produtores, e por eventos dirigidos a esse público. Alguns são específicos para determinados temas, como certas doenças, porta-enxertos e informações para viveiristas. A semana da citricultura, que acontece todos os anos e já teve 39 edições, é mais ampla e reúne exposições de avanços no conhecimento realizadas pelos pesquisadores do centro. “Somos um centro de produto e temos por obrigação pensar nele”, resume Machado.
Vocação para a viticultura
Em Jundiaí, o Centro de Frutas contribui para o fortalecimento do setor vitivinícola da região. “Já temos tradição na produção de uvas para mesa, agora existe uma tendência para o aumento na produção para vinho”, conta a agrônoma Mara Moura, diretora do centro.
Todos os anos a equipe avalia a produtividade e a qualidade das 280 variedades de uva cultivadas na coleção de germoplasma e uma delas se mostrou promissora para plantio em Jundiaí e no noroeste do estado. Experimentos em campo e avaliação dos frutos em laboratório atestaram a produtividade das plantas e a qualidade dos frutos. “O vinho produzido é tranquilo e neutro”, descreve Mara. Uma caracterização bioquímica mais aprofundada do mosto e do vinho ainda deve ser feita antes do lançamento da variedade, prevista no máximo para 2019.
Na busca por fomentar a atividade vitivinícola que está na base da cultura dessa região de colonização italiana, o Centro de Frutas este ano também recebeu, de uma instituição parceira na Itália, amostras de 28 variedades de uvas vitiviníferas para serem enxertadas e testadas nas condições locais.
O plantio de uva de mesa e das destinadas à produção de vinho já interessava ao fundador e primeiro diretor do instituto, o austríaco Franz Wilhelm Dafert (1863-1933). Ele trouxe, no final do século XIX, exemplares norte-americanos e europeus para produção de vinho e iniciou estudo – um programa que já resultou em 62 variedades de uvas.
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