A impressão nas missões jesuíticas do Paraguai – Século XVIII é uma publicação conjunta da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin e da Editora da Universidade de São Paulo. A autora, Fernanda Verissimo, possui formação interdisciplinar nos campos de história moderna e de bibliografia e estudos textuais. O interesse pela história dos livros impressos nas missões jesuítico-guaranis levou-a a realizar investigações na biblioteca John Carter Brown em Providence, nos Estados Unidos, cujo fruto é a obra que aqui apresentamos. Nela, Verissimo realiza cuidadosa e original análise bibliográfica dos livros impressos em idioma guarani, nas missões dos padres jesuítas nos territórios guaraníticos, ao longo dos séculos XVII e XVIII, conhecidas também como “reduções”.
O amplo percurso de reconstrução histórica necessário para contextualizar a existência desses documentos é justificado na apresentação: “Me dei conta de que aquilo que considerava apenas um ‘detalhe’ só poderia ser entendido se colocado dentro do ambicioso projeto missionário dos jesuítas e de modo mais amplo, estudado pela vasta documentação escrita sobre e pelos inacianos”. A introdução que precede as três partes do livro ilustra e discute sucintamente esse campo de estudos.
A primeira parte aborda a função da escrita, das letras e da impressão no âmbito da Companhia de Jesus e foi distribuída em três capítulos, cada um dedicado à expansão e estratégias de evangelização na Ásia, na América e na África, ao papel da impressão para os inacianos, à função da alfabetização, do conhecimento dos idiomas nativos, da escrita e da impressão na história da Companhia de Jesus nas Américas e em particular na província do Paraguai. A segunda parte trata, no âmbito da América colonial, do trabalho desenvolvido pelos jesuítas com destaque para os primeiros catecismos e gramáticas em guarani e para a história da impressão nas Missões do Paraguai. A autora demonstra que, na perspectiva dos inacianos, a impressão se tornara um instrumento para a formação de um “guarani jesuíta” e de uma elite letrada. A terceira parte é dedicada à análise bibliográfica de 10 livros impressos nas Missões e às obras impressas conhecidas por meio de relatórios e cartas jesuíticas, mas sem exemplares sobreviventes. Finaliza o livro a lista das fontes consultadas, manuscritas, impressas, de obras de referência sobre jesuítas, Guaranis, missões do Paraguai, história da impressão e do livro, e uma bibliografia geral.
A importância do trabalho de Verissimo merece ser destacada sob duas perspectivas. A primeira diz respeito à historiografia do livro e da imprensa, por abordar uma contribuição original e pouco conhecida surgida na América Meridional no limiar do século XVIII. A segunda é o mérito de introduzir o leitor brasileiro ao conhecimento de um aspecto significativo e inerente a eventos que foram decisivos para a história latino-americana e brasileira – as missões jesuíticas nos territórios guaraníticos, “uma experiência única na história das missões cristãs”, conforme a autora. Apesar de uma extensa quantidade de artigos relatando pesquisas nacionais e internacionais dedicadas a esse tema (quantidade documentada apenas em parte na bibliografia elaborada por Verissimo), essa ampla produção historiográfica ainda pouco espaço encontra na forma de livros destinados ao público.
O trabalho de Verissimo integra um extenso e recente esforço intelectual que empenha investigadores de vários países latino-americanos e de outros hemisférios, como Gian Paolo Romanato, Carlos Page, Eduardo Neumann, Arthur Barcelos e Jaqueline Ahlert.
Essa recente historiografia na qual o livro de Verissimo se insere aponta para a função estratégica do processo de acomodação do projeto educativo e evangelizador da Companhia de Jesus às culturas e línguas nativas e, ao mesmo tempo, ressalta o protagonismo ativo das populações guaranis que possibilitou sua realização. Tal esforço conjunto deu vida a um fenômeno cultural único e inovador no contexto latino-americano. A impressão de livros em guarani é um dos frutos mais significativos, especialmente se considerarmos que, na Colônia lusitana, a impressão de textos era proibida pela Metrópole e a escrita era um privilégio restrito à elite dominante.
Marina Massimi lidera o grupo de pesquisa “Tempo, memória e pertencimento” no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP).
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