LÉO RAMOSEm setembro deste ano os cadernos de economia de alguns jornais trouxeram uma notícia diferente sobre a Vale, a mineradora que é a maior empresa privada brasileira. Tratava-se de informar que a companhia iria criar unidades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) dentro do Instituto Tecnológico Vale (ITV) em três estados diferentes. O projeto é acalentado há alguns anos pela empresa, que já tem três centros de tecnologia – dois em Minas Gerais e um no Canadá – voltados para prover soluções imediatas e de curto prazo. As novas unidades serão diferentes: terão a missão de pensar o futuro da Vale a longo prazo, sempre ligadas nas novas tendências dos negócios que, muitas vezes, determinam a criação ou o fechamento de companhias.
Para uma empresa como a Vale é crucial estar atenta e se antecipar aos movimentos. Criada em 1942 e privatizada em 1997, tem um valor de mercado estimado em US$ 145 bilhões. No terceiro trimestre de 2010 alcançou um lucro líquido de R$ 10,5 bilhões. É a segunda maior mineradora do mundo, apenas atrás da australiana BHP Billiton. Os negócios da Vale envolvem, além de mineração, logística (ferrovias, terminais portuários e navegação de cabotagem), fertilizantes e hidrelétricas – consome, sozinha, 4,5% de toda a energia do país. A produção de minério de ferro, o carro-chefe da empresa, foi de 238 milhões de toneladas em 2009. Hoje emprega mais de 100 mil funcionários e está presente em 35 países. Com essa musculatura, qualquer gesto que faça sempre tem grande repercussão.
A inovação em áreas estratégicas é, portanto, questão de sobrevivência. O ITV terá atuação para além dos centros tecnológicos que já funcionam. A meta é ter ensino e pesquisa para inovação em áreas como mineração, desenvolvimento sustentável e energias renováveis. O modelo a ser seguido é o do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), tradicional instituição norte-americana que dá ênfase à transferência de tecnologia para empresas e à formação de empreendedores. Para colocar o ITV de pé foi contratado Luiz Eugênio Mello, um neurofisiologista que exercia o cargo de pró-reitor de Graduação da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Mello é um pesquisador produtivo que sempre teve um pé na pesquisa de neurociência e o outro na gestão de ciência e tecnologia. Professor titular da Unifesp, foi um dos coordenadores adjuntos da diretoria científica da FAPESP (2003-2006) e é pesquisador nível 1A do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Como pró-reitor de Graduação entre 2005 e 2008 teve participação destacada na ampliação da universidade – foram criados mais quatro campi, 18 novos cursos e o número de vagas cresceu de 1.200 para 3.800.
Em 2008 trocou São Paulo pelo Rio – sede da Vale S.A. – com a missão de transformar o ITV em algo concreto. Passados dois anos, pode-se dizer que está conseguindo. As unidades de Belém e de Ouro Preto do instituto, em instalações próprias, começam a funcionar no primeiro semestre de 2012, e a de São José dos Campos, no segundo. O investimento da mineradora no instituto, um desejo antigo de seu presidente, Roger Agnelli, é superior a US$ 350 milhões, de 2009 a 2011. “Erguer um projeto desse porte numa empresa como a Vale, num país como o Brasil, é uma oportunidade única”, diz Mello ao explicar por que aceitou o desafio. Uma vez por semana ele continua orientando alunos na pós-graduação e ainda arruma tempo para escrever artigos científicos. A seguir, ele detalha o projeto do ITV.
Onde a Vale começou a utilizar tecnologia mais avançada na atividade mineradora?
A melhor maneira de falar disso é usar a perspectiva histórica. A Vale foi fundada em 1942 em Itabira, Minas Gerais, onde havia um depósito de hematita notável, e cresceu trabalhando ali seu minério de ferro. No início da década de 1960 começaram as dificuldades técnicas. A hematita estava rareando e o minério então disponível, que também contém ferro, mas numa outra forma, era o itabirito, com teor mais pobre de ferro. Implementar o uso de separadores magnéticos de alta intensidade possibilitou à Vale beneficiar o itabirito. Esse processo inovador é considerado o primeiro grande salto tecnológico que propiciou a criação de seu primeiro centro de pesquisa e desenvolvimento, no município de Santa Luzia, a meio caminho entre Itabira e Belo Horizonte. Naquela época já era visível a necessidade de usar mais tecnologia. Era um tempo em que se abria uma mina apenas pedindo seu licenciamento com um plano de lavra.
E o que mudou?
Hoje é necessário ter um plano de abertura e de fechamento da mina. As regulamentações ambientais têm outra magnitude. Quando se começa uma operação dessas, eventualmente se tem já a definição de que a jazida terá 40 anos, 50 anos de exploração ou mais. Itabira está em atividade há 68 anos. Houve tempo em que se pensava que já teria acabado a atividade de mineração por ali, mas começaram a lavrar outros minérios e até rejeitos, com outras características, que antes eram considerados inadequados e hoje são utilizáveis. Tudo isso foi avanço técnico e tecnológico. O Roger Agnelli, presidente da Vale, diz com frequência que o mundo está saindo de uma economia de mercado para uma economia verde. E nessa nova situação é preciso uma licença para operar, que não é exclusivamente concedida pelas agências regulatórias, que definem o que se pode fazer hoje, mas também pela população dos arredores, do estado, do país e, em última análise, do mundo.
É nesse ponto que a tecnologia se torna aliada?
É a grande aliada, antecipando problemas. Quando se começou a explorar óleo em um poço do Texas, o petróleo, estava quase na superfície. Hoje tem que furar sete quilômetros para achar alguma coisa. O cobre tem de ser buscado a 700 metros de profundidade. Na África do Sul há minas com quase 4 mil metros. Mas tem de valer a pena. Gasta-se muita energia para subir o minério e há enormes dificuldades de logística. Explorar ouro nessas condições pode ser justificado. Mas para outros minérios o limite técnico e econômico está entre 700 e 800 metros.
A Vale sempre trabalhou com minério de ferro?
Começou com minério de ferro em Itabira e depois expandiu para outros. Hematita e itabirito são minérios de ferro, mas hoje a Vale trabalha também minerando níquel, cobre, carvão, ficou minoritária no negócio de bauxita, alumina e alumínio e fez algumas tentativas de exploração na área de diamantes. Fertilizantes agora é o novo desafio da empresa. Eles se dividem em pelo menos duas áreas principais para a Vale, fosfato e potássio.
Por que fertilizante?
A lógica que tem aí é a seguinte: o que move o mercado de ferro é a construção civil, a indústria automobilística, principalmente, e algumas outras áreas. E se as pessoas deixarem de comprar carro ou eles passarem a ser feitos de um material diferente? Isso mudaria o cenário para a Vale. E se deixarem de morar ou trabalhar em arranha-céus para usar apenas casas que não demandam ferro, feitas com outro tipo de processo construtivo? Muda de novo. O risco que a Vale tem de trabalhar só com minério de ferro é grande. A empresa decidiu diversificar em termos minerais e investiu em níquel, ao comprar a mineradora canadense Inco, em 2006. E optamos também pelos fertilizantes, cujo motor é a alimentação. É outro tipo de negócio. A estratégia de diversificação é importante.
O ITV abrange todas essas linhas?
O instituto tem três dimensões. Ele havia sido proposto em 2006 e já existia esse nome, Instituto Tecnológico Vale. No diagnóstico interno produzido naquela época foi definido um conjunto de áreas temáticas. A primeira é a de meio ambiente e biodiversidade, outra de mineração propriamente dita e uma terceira de energias. Essas áreas são vistas como críticas para o desenvolvimento da empresa.
Energia aqui é energia elétrica?
Energia de forma geral, em especial a renovável. No momento, o biocombustível é o que se apresenta como mais interessante. A Vale irá produzir óleo de palma, matéria-prima para a obtenção de biodiesel a partir de 2014, na região do Vale do Acará e Baixo Tocantins, abrangendo sete municípios do Pará. A palma pode produzir até 2 mil litros de biodiesel por hectare plantado. A Vale consome bilhões de litros de diesel por ano. No caso do Pará, criamos o Consórcio BioVale, em parceria com a empresa Biopalma. O consórcio será o maior produtor de óleo de palma das Américas, com investimento de US$ 500 milhões no projeto. Com essa parceria, a Vale vai utilizar uma parcela da produção de óleo de palma para a produção de biodiesel B20 (80% de diesel comum e 20% de biodiesel), combustível que irá alimentar toda a frota de locomotivas da Estrada de Ferro Carajás, máquinas e equipamentos de grande porte das minas da empresa na região.
léo ramosO ITV deseja seguir realmente o modelo do MIT?
Temos dois grandes modelos de universidade no mundo e ambos estão em Boston, nos Estados Unidos. Um é Harvard, o outro é o MIT. Harvard é a universidade acadêmica por excelência, com muitos artigos publicados, grande reputação dos cientistas etc. O MIT nasceu com outra dimensão, que é fazer ciência de qualidade, mas tentando o máximo possível transferir isso para o setor empresarial. Esse modelo do MIT é muito bem-sucedido. O de Harvard também é, inspirado nas universidades inglesas, como Cambridge e Oxford, mas fortaleceu sobremaneira seu braço de administração e gestão de negócios. A Harvard Business School é o elemento mais visível dessa aproximação do empreendedorismo. O MIT, porém, faz isso alicerçado em sua ciência, ainda que também auxilie na capacitação de pessoas e empreendedores, enquanto Harvard parece executar essas ações muito mais para o público externo do que tendo sua ciência como base.
Foi essa prática do MIT que inspirou a Vale?
Isso remonta a uma frase do próprio Roger Agnelli, que falava que queria ter o ITA [Instituto Tecnológico de Aeronáutica] da mineração. O ITA foi em parte decorrência de professores do MIT – o primeiro reitor do instituto brasileiro, Richard Smith, era do MIT. Roger, por outro lado, fala que quer ter um MIT da Vale. A empresa já tem, de longa data, um programa de capacitação de seus executivos no MIT. Acho que essa aspiração da Vale em parte decorre do entendimento de que, quando olhamos para a universidade brasileira, essa faceta do instituto norte-americano é exatamente a que falta. Do transbordamento das fronteiras, de interação com o setor privado, empresarial… Mas ainda é um processo de construção, que demorará algumas décadas para se estabelecer.
Mas é um modelo real a ser seguido?
É real. E acho que tem grande chance de sucesso aqui porque o Brasil de hoje não é os Estados Unidos de hoje. Eu diria que, se a Vale fosse uma empresa com sede nos Estados Unidos, ela talvez não precisasse montar o instituto nesse formato. Ele só faz sentido aqui porque o Brasil, em várias dimensões, é os Estados Unidos de décadas atrás. O número de eletrodomésticos nas casas, o grau de alfabetização da população, a porcentagem de jovens entre 18 e 24 anos em um curso de nível superior, o número de carros… Em vários desses parâmetros o Brasil de hoje se compara com os Estados Unidos das décadas de 1940 e 1950. Acho que há um paralelo entre os dois países. Estamos nesse processo de alcançar, superar etapas.
O ITV funcionará dentro de um modelo também não convencional no Brasil de hoje, de inovação aberta [em que o fluxo de informações entre vários agentes permite que as ideias sejam mais bem aproveitadas mesmo que não seja necessariamente por quem as gerou]?
A Vale já trabalha com inovação aberta. É importante dizer que a empresa tem e continuará tendo outros centros de P&D, que fazem pesquisas voltadas para as necessidades imediatas. O centro de que falei no início, em Santa Luzia, faz isso e continuará existindo assim como os dois outros, o Centro de Tecnologia de Ferrosos, também em Minas, e o que funciona no Canadá. Eles são fundamentais para o sucesso da empresa no seu dia a dia.
Esses centros são semelhantes ao que a IBM anunciou que vai instalar no Brasil?
Exatamente. Acho que a IBM, na sua sede nos Estados Unidos, se situa de forma semelhante a um conjunto hoje pequeno de empresas no mundo que tem P&D de longo prazo, como a HP, a Siemens, a GE, a Dupont, por exemplo. A GE também está montando um centro no Brasil. A maior parte das empresas trabalha apenas no curto prazo, buscando suas soluções fora ao fazer acordo com as universidades. Agora, a Vale se situa como uma das poucas empresas no mundo, em conjunto com as acima citadas, que passa a ter também um grupo de P&D de longo prazo.
Como vão funcionar as três unidades previstas do ITV?
Na primeira delas, em Belém, trabalharemos com a Universidade Federal do Pará, Universidade Rural da Amazônia, Embrapa Ocidental, com o Museu Goeldi, instituições que estão ali e são parceiros privilegiados porque a proximidade física facilita a colaboração. Isso não exclui a parceria com outras instituições. Já temos um acordo assinado com o MIT, que vai mandar professores para lá, assim como docentes e estudantes brasileiros também irão para o instituto americano.
Qual é o foco dessa unidade?
Desenvolvimento sustentável e empreendedorismo. Esse acordo de cooperação é importante, o primeiro desse tipo que o MIT faz com uma instituição vinculada a uma empresa.
E dentro dessa temática vocês estudarão o quê, exatamente?
Meio ambiente, para mim, é a área mais importante nesse conjunto. Os dois países de onde é extraída a maior parte do minério de ferro para exportação são Brasil e Austrália. A Austrália é o país com maior desenvolvimento em ciência e tecnologia para mineração. Mas lá eles mineram no deserto. Nós fazemos isso na floresta tropical. De um lado, temos de mexer na floresta, de outro, chove muito, tem uma série de condições que são diferentes, demandam tecnologias e têm impactos ambientais diferentes. O que os australianos pesquisam não é necessariamente aplicável para o que fazemos aqui.
Onde ficarão os outros dois campus do ITV?
Um estará em Ouro Preto, em Minas Gerais, dedicado à atividade da mineração. O outro ficará em São José dos Campos, em São Paulo, e terá estudos dirigidos para a área de energia. Tanto para o de Belém como o de Ouro Preto temos o projeto arquitetônico e estamos avançando no detalhamento da engenharia e finalizando a contratação dos diretores. Em seguida contrataremos os pesquisadores.
O ITV terá quantos pesquisadores?
Entre 50 a 60 em cada uma das três unidades, todos doutores, contratados pelo ITV com plano de carreira, salário e vantagens, que farão pesquisa no âmbito de linhas temáticas que estão sendo definidas em uma série de workshops. Além desses doutores vamos ter um grupo adicional entre 100 e 120 de pós-doutores nas três unidades. Ou seja, teremos ensino de pós-graduação stricto sensu, credenciado na Capes, com mestrados, doutorados, técnicos e o corpo administrativo. Ao todo, cada unidade terá entre 350 e 400 pessoas. Foi feito um edital conjunto com a FAPESP, em São Paulo, a Fapemig, em Minas, e a Fapespa, do Pará. O convênio com as FAPs, assinado em 2009, contribui para termos outros pesquisadores desses estados fazendo uma parte dos projetos em colaboração com os pesquisadores das unidades do ITV. São R$ 120 milhões envolvidos no projeto.
Em qual proporção?
Em São Paulo e Minas a relação é um para um: R$ 20 milhões da Vale, R$ 20 milhões da FAP. No Pará, onde a FAP está ainda em processo de consolidação, também são R$ 40 milhões no total, só que R$ 8 milhões da fundação e R$ 32 milhões da Vale. No total a Vale aportará R$ 72 milhões e as FAPs R$ 48 milhões. O convênio é de quatro anos, a duração de um temático da FAPESP.
léo ramosO que os projetos envolvem?
Nesses casos podem envolver bolsa, equipamento, custeio, uma parte pode ser construção. A Vale já tinha um plano de investir mais ou menos esse volume de recursos, que antecedeu minha entrada na empresa. No fim, é uma equação onde todos ganham. No formato anterior dos projetos da Vale era assim: se havia um porto em que era preciso ser mais eficiente a empresa investia. O de Tubarão, no Espírito Santo, é o porto graneleiro mais eficiente do mundo. E só se tornou exemplar nesse nível porque a empresa contratou projetos de pesquisa nas universidades, especificamente na USP, que deram resultado. Mas isso não resolve o futuro. Como ficam os problemas daqui a 10 anos, 20 anos? Os editais em curso com as FAPs são para isso, queremos olhar para temas distantes com chances de mudar o negócio na Vale. Um exemplo que gosto de usar é dos motores cerâmicos. Há uns 20 ou 30 anos havia essa promessa de que o motor cerâmico era a grande revolução. Não haveria motor de carro feito com ferro, seria tudo cerâmico porque a resistência era muito maior. Isso não se tornou realidade, não sei por quais razões. Mas e se tivesse acontecido? A Vale teria que estar preparada. Quem vai olhar as coisas sob esse aspecto para a empresa será o ITV, que tem de estar antenado no mundo e tentando ver quais as possibilidades de mudar o negócio.
O ITV terá gente de todas áreas ou só as ligadas àquele tema específico de cada unidade?
Teremos pesquisadores os mais diversos, inclusive de ciências humanas. Gente que estuda o direito, a antropologia, a sociologia, algumas das áreas que são importantes para nós. Há estudos que são mais remotos, multidisciplinares. O que a Vale será daqui a 50, 100 anos? Não sei, mas nenhuma empresa quer morrer. A Vale tem a ambição de em 2014 ser não só a maior mineradora do planeta como também a melhor. Mas e em 2024? Em 2034? Nessa época, com os resultados apresentados pelo ITV, ela vai continuar sendo a melhor e a maior porque terá olhado para o futuro antes dos outros e terá se antecipado às necessidades do mundo daqui 20 ou 30 anos.
Qual a importância da unidade de São José dos Campos nessa estratégia?
Ela é importante por várias razões. Uma delas é que está em São Paulo, base de produção de energia renovável no Brasil, se considerarmos o etanol. Temos também 50% de ciência e tecnologia produzida no país no estado. Há a FAPESP, um braço forte de investimento em pesquisa. Por outro lado, em São José dos Campos tem o ITA e o Inpe, [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais], duas instituições importantes. Já temos uma parceria com o ITA na empresa VSE, Vale Soluções em Energia, para produzir motores e turbinas movidas a biocombustível, e porque a empresa tem necessidade de geração distribuída de energia. A VSE tem dois anos e é uma iniciativa em parceria entre o BNDES, que financia 48%, e a Vale (52%).
Nos cursos de pós-graduação está prevista a formação de empreendedores?
As universidades são o principal local onde surge a inovação no Brasil e o pesquisador, em geral, tem uma grande dificuldade em sair para se tornar um empreendedor. Pretendemos, nos institutos, ter gente que tenha esse perfil e que se disponha a assumir o risco.
Vamos falar sobre suas próprias pesquisas. Do que tratam suas patentes?
As duas patentes foram concedidas no Brasil, na China, no Canadá, na Comunidade Europeia, na Coreia, no Japão e no México. Trata-se de tratamento de epilepsia. Há uma condição de epilepsia que se chama pós-traumática. Se você tiver um trauma crânio-encefálico de grande magnitude, quer dizer, uma pancada que o faça perder a consciência e provoque uma perfuração do crânio, existe o risco de se desenvolver epilepsia. O risco é tanto maior quanto maior for a lesão e, claro, também dependendo de que área do sistema nervoso for afetada. Não existe hoje nenhuma intervenção terapêutica que possa ser feita que diminua o risco de desenvolver epilepsia depois de uma pancada séria na cabeça. Comecei a pesquisa ainda como projeto de iniciação científica, da Cristina Massant, com bolsa da FAPESP. A patente trata do uso da droga escopolamina, que pode também ser usada como soro da verdade. Embora tenha potencial alucinógeno, é usada em voluntários humanos sadios, normais, para imitar uma condição de doença de Alzheimer. Ela causa uma perda de memória transitória, só quando se toma a droga. É a mesma usada no golpe “boa noite, Cinderela”. Uma das empresas que poderiam investir nela como medicamento não se interessou porque viu um potencial de uso ilícito. A condição que vi nos animais no laboratório é que, usada no período correto, poucos desenvolviam epilepsia. E, quando desenvolviam, era uma crise menos intensa. Como houve resistência da indústria, busquei outra droga com uso clínico parecido, mas sem potencial alucinógeno. Usei o biperideno, utilizado para tratar Parkinson, mas numa dose muito menor e em outra condição. Mostrei em animais de laboratório e, preliminarmente em seres humanos, que se usar biperideno, depois de uma pancada muito forte na cabeça, num período muito específico, é possível evitar a epilepsia. Patenteamos também essa droga.
O mecanismo das duas drogas então é o mesmo?
É o mesmo. E, por isso, como as duas interferem no mesmo receptor, eu, no segundo caso, patenteei também a classe de drogas que agem nesse receptor. É uma patente mais abrangente. Mas ainda assim não consegui trabalhar com ela, nem interessa a uma indústria, ainda.
As novas atividades diminuíram sua produção acadêmica?
Falta tempo, mas neste ano consegui publicar sete artigos próprios ou em colaboração com outros pesquisadores, todos sobre neurociência. Também este ano foram defendidas três teses de doutorado onde sou o orientador principal. Outras duas teses e uma dissertação de mestrado serão defendidas ainda em 2010.
Como arruma tempo?
Acordo às cinco horas, escrevo e-mails, resolvo pendências. Quando estou em São Paulo marco reuniões no fim ou no começo do dia, no final de semana… É o único jeito de fazer o tempo render.
E como um neurocientista se tornou diretor do instituto tecnológico de uma mineradora?
Vim a uma reunião com o Roger em agosto de 2008, numa sexta-feira. Na época já havia os prenúncios da crise, embora o mundo parecesse saudável, e o Roger estava sempre na imprensa falando que precisava de profissionais como soldadores e engenheiros, mas não achava. Eu havia me tornado pró-reitor de Graduação da Unifesp em 2005 e no âmbito do Reuni [Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais] tínhamos criado quatro campi e 18 novos cursos de graduação. Durante essa expansão havia a possibilidade de abrir um campus em Osasco e uma das ideias era que fosse na área de engenharia. Montamos uma comissão para estudar o assunto e percebemos que a Vale poderia ser um parceiro privilegiado da Unifesp. A universidade tem excelentes indicadores em vários patamares e eu acreditava que fazia sentido tentar criar uma parceria forte entre a empresa que precisava de engenheiros bem formados e uma nova escola de engenharia. Foi essa a conversa que vim ter com o Roger. Fiquei um ano insistindo até conseguir marcar uma reunião por causa da agenda dele. Na sala estavam ele e a diretora executiva de recursos humanos, Carla Grasso. Vendi meu peixe por meia hora. Quando acabei, ele falou, “Ótimo, isso é muito legal, mas eu tenho um sonho. Quero montar o Instituto Tecnológico Vale, uma entidade semelhante ao MIT. Acho isso importantíssimo, um legado que a Vale tem de deixar para o Brasil. Você me ajuda?”. Eu disse que sim, que conhecia muita gente boa e voltei para o meu assunto. Ele tornou a falar do instituto, eu voltei a falar dos cursos que queria criar, e na terceira vez, ele disse, “Você não está entendendo, estou falando em você trabalhar aqui”. De fato, eu não tinha vindo para ser recrutado, não estava pedindo emprego. Mas fiquei absolutamente fascinado com a possibilidade de tocar um projeto grandioso e importante como esse. No dia seguinte, um sábado, acordei às quatro horas da manhã, já montando o instituto. Como seria, quais pesquisadores teria, de que jeito, fui olhar no Google Earth para ver onde poderia ficar a unidade de Belém… Ter um convite desses para fazer um projeto desse porte numa empresa como a Vale, num país como o Brasil, e no atual momento do mundo é uma oportunidade única. E também uma responsabilidade do tamanho do mundo.