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Geografia

Mais gente, menos árvores

Pesquisadores de Minas criam índice que revela as áreas da Amazônia mais sujeitas a desmatamento

DETALHE DE NATUREZA EQUATORIAL, ÓLEO SOBRE TELA DE JOSEPH LEONE RIGHINISe os administradores e técnicos do governo federal decidirem trabalhar mais intensamente para conter o desmatamento, seguindo o que o presidente da República anunciou no final de setembro na Assembléia Geral das Nações Unidas, talvez se perguntem que áreas deveriam priorizar, já que as equipes são pequenas e o Brasil tão grande. Uma possibilidade seria os municípios do sul do Pará ao longo da rodovia Cuiabá–Santarém. Não se trata de uma escolha ao acaso, mas da aplicação de um mecanismo de detecção de transformações ambientais, o Índice das Dimensões Socioeconômicas (IDS), elaborado por geógrafos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Esse índice associa padrões socioeconômicos como educação, saúde e emprego, o crescimento das cidades e o ritmo da atividade econômica com a transformação do espaço. Quanto mais acelerada a expansão dos municípios e da economia, mais precárias as condições de vida e mais intensa a migração das populações, mais alto tende a ser o IDS e maior o risco de danos ambientais. De outro modo: mais gente em busca de empregos ou de empregos melhores, menos floresta em pé.

Áreas com crescimento populacional intenso e com alto IDS poderiam receber mais atenção por serem focos potenciais de desmatamento. É o caso de Aripuanã, em Mato Grosso, dos municípios próximos a Santarém, no Pará, ao norte de Manaus, no Amazonas, e ao longo do rio Amazonas, além da faixa ao longo da rodovia Porto Velho–Manaus.

Ao elaborarem esse índice, Ricardo Garcia, Britaldo Soares-Filho e Diana Sawyer viram a Amazônia como um espaço sujeito a pressões de diferentes grupos sociais – um território. O desmatamento tornou-se então um fenômeno social e ganhou marcas próprias, de acordo com suas motivações locais. “A principal causa de desmatamento no sul do Pará é a expansão da pecuária, enquanto no Amapá é o crescimento das cidades”, exemplifica Garcia.

O avanço da pecuária tem sido uma das explicações predominantes do desaparecimento da floresta desde que começou a ocupação da Amazônia, há pelo menos dois séculos, mas apenas em escala global. Em escalas maiores, quando cada estado é analisado separadamente, como nesse estudo, as migrações é que se tornavam uma razão mais forte para explicar o desaparecimento da vegetação natural. “A migração explica boa parte do processo de desmatamento porque antecede a expansão da agricultura e da pecuária”, diz Garcia. “As pessoas vão para onde esperam encontrar trabalho.”

Entre 1995 e 2000, quase 50 mil pessoas deixaram Belém, a capital do Pará que exemplifica o adensamento populacional verificado em outras capitais da Região Norte. Na situação inversa, Manaus recebeu 40 mil novos moradores entre 1995 e 2000, que se somaram ao 1,4 milhão já estabelecido e acentuaram a transformação da paisagem natural em espaços urbanos. De acordo com esse trabalho, quanto maior a população, maior tende a ser o impacto sobre o ambiente.

Essa lógica explica por que os centros urbanos mais influentes da região amazônica – as capitais, que os autores desse trabalho chamaram de macropólos – exibem os IDS mais altos e apenas resquícios de florestas. Esses nove macropólos (São Luís, Cuiabá, Porto Velho, Rio Branco, Manaus, Boa Vista, Belém, Macapá e Palmas) representam os nós de uma rede de 792 municípios, regidos também por 29 mesopólos (centros regionais) e 48 micropólos, assim definidos de acordo com a área de influência.

Por serem os municípios de maior atividade econômica, os macropólos são os focos de irradiação do desmatamento. “A expansão da agricultura e da pecuária parte e depende dos centros urbanos, que fornecem mão-de-obra, ferramentas, frigoríficos e mercado consumidor, e se espalha por meio das estradas e hidrovias”, comenta Garcia. “O sul do Pará é um exemplo bastante claro de como os pólos urbanos estão orientando o desmatamento.”

Detalhado em um artigo publicado na revista Ecological Indicators, o IDS considera cinco variáveis obtidas nos censn aos populacionais ou econômicos. Quatro se referem diretamente ao desmatamento: quanto mais alto o valor que apresentarem, maior o risco de a floresta desaparecer. A primeira variável é a concentração e dinâmica populacional, que combina o total da população, a densidade e a taxa de crescimento. A segunda é o desenvolvimento econômico, que considera a renda bruta do município e o volume de dinheiro em circulação. A terceira é a infra-estrutura agrária, avaliada pela renda agrícola, área cultivada e número de tratores e caminhões, por exemplo. A quarta, a produção agrícola e madeireira, expressa as áreas de propriedades agropecuárias e de exploração de madeira.

Só a quinta variável do índice representa uma força capaz de conter o desaparecimento da floresta: é o desenvolvimento social, medido por indicadores como anos de escolaridade e pelo número de médicos, postos de saúde, casas atendidas pela rede de água e ruas com iluminação elétrica. A lógica é simples: quanto maior o conforto e melhor a infra-estrutura, menos interesse os moradores de uma cidade terão de se mudar para outros espaços.

Esse índice também explica por que a mata se transforma em áreas agrícolas ou pastagens. De acordo com as estimativas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Mato Grosso respondeu por 48% dos 26 mil quilômetros de área desmatada nos últimos anos. Os municípios desse estado apresentam os IDS mais altos de toda a região.

Por enquanto não há sinais de que o IDS possa se tornar conhecido rapidamente em Brasília, mas esse trabalho tem contribuído para outras pesquisas. Já foi uma das bases da divisão da Amazônia em regiões socioeconômicas, como parte de um estudo mais amplo, publicado na Nature em março de 2006. Esse estudo mostra que até 2050 metade dessa floresta pode desaparecer, dando lugar a pastagens, plantações e cidades, e alerta para a necessidade de ajustes na política ambiental. Somente as áreas protegidas de floresta podem não ser o bastante para manter a floresta e o ritmo da chuva que chega até as grandes cidades da Região Sudeste.

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