Há mais de 50 anos uma dúvida divide os ecólogos. Qual estratégia conserva melhor a biodiversidade: uma grande área contínua de floresta ou a soma de fragmentos menores espalhados na paisagem? “Com o trabalho que conduzimos, não há dúvida de que uma área contínua e protegida vai ter mais biodiversidade. Considerando nossa atual realidade, em termos de planejamento ambiental, é melhor ter fragmentos maiores intactos”, afirma o biólogo Thiago Gonçalves-Souza, primeiro autor de um artigo publicado nesta semana (12/3) na revista Nature e que pretende colocar um ponto-final no embate.
Conhecida como Sloss (Single Large or Several Small), essa discussão tem implicações diretas em políticas de conservação e manejo ambiental, especialmente em biomas ameaçados. De um lado, há pesquisadores que defendem que múltiplos fragmentos menores, se bem conectados, podem abrigar uma maior diversidade total, uma vez que criam oportunidades para espécies variadas. É o caso da bióloga canadense Lenore Fahrig, que em 2019 publicou, com colaboradores, um artigo na revista Biological Conservation no qual argumenta que não há justificativa científica para considerar pequenos fragmentos de hábitat como menos valiosos do que grandes áreas contínuas em ambiente similar.
Do outro lado, há quem, como Gonçalves-Souza, entenda que uma única área florestal extensa mantém populações mais estáveis, reduz a extinção local e preserva interações ecológicas complexas. Pesquisador do Instituto para a Biologia das Mudanças Globais na Universidade de Michigan, Estados Unidos, ele liderou o estudo recém-publicado que contou com colaboradores brasileiros e de outros sete países.
Ao todo, a equipe examinou 4.006 espécies de vertebrados, invertebrados e plantas, a partir de resultados descritos em 37 estudos realizados em 11 países, espalhados por todos os continentes. Foram três anos de preparo da base de dados, que precisava reunir trabalhos que comparavam diferenças de biodiversidade entre florestas contínuas e fragmentadas dentro de uma mesma paisagem (ver infográfico).
Além disso, os pesquisadores inovaram na análise dos dados. Limitaram um valor mínimo de espécies a serem comparadas entre a floresta contínua e as áreas fragmentadas para evitar distorções na amostra. “Essas manchas florestais menores tendem a ser mais acessíveis para fazer a coleta, então não sabemos se tem mais espécies porque houve mais amostragem ou porque elas realmente abrigam mais espécies em relação aos grandes fragmentos”, explica.
Os autores também controlaram o efeito da distância entre os pontos de coleta. “Se eu saio do Rio de Janeiro para ir a Maricá [na Região Metropolitana carioca], 10 minutos depois de partir, as espécies que encontro são mais parecidas com as de onde saí do que de onde vou chegar”, exemplifica, referindo-se a um trajeto que leva cerca de uma hora e meia. “Então, em vez de calcular o quão diferente é a composição de espécies entre os locais ao longo do trajeto, um conceito conhecido como diversidade beta, comparamos com o ponto vizinho mais próximo e ao final tiramos a média.”
Ao incorporar esses dois ajustes na análise, os pesquisadores observaram que a fragmentação reduziu a quantidade de espécies em todas as categorias de fauna e flora, e a maior variação na composição de espécies em paisagens fragmentadas não compensou a perda de diversidade de espécies em toda a área analisada, ou diversidade gama.
Em média, paisagens fragmentadas tiveram 13,6% menos espécies nos pontos de coleta (que os especialistas definem como escala de mancha) quando comparadas à área maior e contínua e 12,1% menos espécies considerando o conjunto total da região (escala da paisagem). Isso significa que a soma das pequenas manchas não se equipara à diversidade que habita os fragmentos maiores, como defenderia o lado “several small” do Sloss. “Além da menor biodiversidade, a perda e a fragmentação do hábitat têm impactos extremamente negativos para a prestação de serviços ecossistêmicos”, acrescenta o engenheiro-agrônomo Marcelo Tabarelli, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e coautor do artigo.
Ele argumenta que, nos fragmentos florestais menores, o efeito de borda – alteração nas condições ambientais e ecológicas que ocorre na transição entre um ecossistema e áreas vizinhas – minimiza o potencial de biodiversidade, na medida em que leva à proliferação de plantas adaptadas à perturbação, consequentemente favorecendo uma homogeneização biológica.
Tabarelli atua na conservação e ecologia de plantas ao norte do rio São Francisco, na região Nordeste do país, e observa uma redução significativa de vários grupos ecológicos em função da descontinuidade da floresta e perda de hábitat na Mata Atlântica. “Estudo árvores grandes que crescem no topo da floresta, onde há mais luz. Elas dependem de polinizadores e dispersores específicos para se reproduzir, mas esses animais muitas vezes desaparecem em áreas muito desmatadas, dificultando a sobrevivência dessas árvores em paisagens fragmentadas.”
Estudo controlado
O Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF), conduzido pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) em parceria com o Instituto Smithsonian, dos Estados Unidos, surgiu há 40 anos exatamente como resposta ao debate do Sloss. Situado 80 quilômetros ao norte de Manaus e composto de 23 parcelas de floresta, o PDBFF fica em uma unidade de conservação federal onde pesquisadores monitoram como a divisão da floresta amazônica em áreas menores impacta a biodiversidade, os processos ecológicos e o funcionamento do ecossistema.
“Nesses anos todos acumulamos informações e podemos agora fazer perguntas mais complexas e entender melhor sistemas específicos associados à fragmentação florestal”, enfatiza o ecólogo José Luís Camargo, da Coordenação de Dinâmica Ambiental do Inpa e pesquisador associado do PDBFF. Um dos pontos já identificados é que áreas menores desempenham um papel importante na conservação da variabilidade genética, mas são as florestas maiores que garantem a manutenção da biodiversidade característica da região, preservando os processos ecológicos essenciais para a sobrevivência de diversas espécies, um resultado condizente com o artigo recém-publicado. “Quanto mais complexo o sistema, maior a diversidade que cabe nele”, completa.
Sem ter participado do estudo da Nature, ele comemora a publicação por entender que valida a importância de conservar grandes fragmentos florestais intactos. “Dá uma certeza para quem trabalha com conservação ou com planejamento e manejo de unidades de conservação de que as áreas grandes têm um valor incrível. É como se comprovasse que essas florestas intactas valem ouro.”
O pesquisador ainda destaca o trabalho de monitoramento da biodiversidade realizado e a importância de manter inventários atualizados. “Precisamos saber o que há de espécies em uma região e, para isso, é fundamental ter pessoas muito especializadas para identificá-las e monitorá-las. É um trabalho que custa caro, mas é cada vez mais importante.”
Artigos científicos
GONÇALVES-SOUZA, T. et al. Species turnover does not rescue biodiversity in fragmented landscapes. Nature. On-line. 12 mar. 2025.
FAHRIG, L. et al. Is habitat fragmentation bad for biodiversity? Biological Conservation. v. 230, p. 179-86. fev. 2019.
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