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Especial Einstein

Martín Cammarota: Zonas alheias à cronologia

Neurocientista relaciona memória com o tempo proposto pelo físico

Cammarota: compreensão do tempo

marcia minilloCammarota: compreensão do tempomarcia minillo

Para tentar compreender as idéias e as teorias de Albert Einstein, como o conceito de tempo, é preciso utilizar a memória porque ela é quem dá a nossa noção de tempo. Nossas memórias nos dizem que hoje é hoje, amanhã é amanhã, que virá outro dia, e que há uma continuidade temporal. A forma como interpretamos o mundo está intimamente relacionada com a idéia de que o tempo é absoluto e tem a ver com o modo como interagimos e entendemos tudo o que nos rodeia. “Por isso é tão difícil para nós, leigos em física, compreendermos a teoria da relatividade”, explicou o neurocientista argentino Martín Cammarota, pesquisador da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e estudioso do funcionamento da memória, durante a palestra “O tempo e a memória”, no dia 15 de novembro.

Cammarota disse que Einstein não desenvolveu nenhum conceito teórico que tivesse uma aplicação direta na biologia teórica e na neurologia da memória. Mas, ainda assim, é possível traçar uma analogia entre o físico alemão, tempo e memória. Antes de se aprofundar no tema, o pesquisador argentino definiu os termos aprendizado e memória. “Aprendizado, na sua definição neurobiológica, é uma modificação ou alteração relativamente permanente”, disse. Ele enfatizou que essa alteração comportamental não é absoluta: é relativamente permanente no comportamento real ou potencial, que ocorre como conseqüência de uma experiência.

“O aprendizado é algo que nos permite registrar o passar do tempo, e a memória é o registro desse aprendizado que fica em algum lugar do nosso cérebro e que nos diz que o tempo passou, entre outras coisas.” Dizendo de outra maneira: o aprendizado é um processo que não dá para se observar, embora se possa observar o produto desse processo. E o produto do aprendizado é uma unidade de informação que se refere ao passado.

“Já a memória é o que nos permite manter durante um breve espaço de tempo o passado vivo no presente; é uma unidade psíquica de informação, uma representação do passado”, disse Cammarota. A definição de memória está acompanhada de três fases nas quais o processamento de informação se divide: codificação, armazenamento e expressão. Para entender isso, existe a eletrofisiologia, ramo da fisiologia ou da neurofisiologia que se encarrega de estudar os fenômenos elétricos que ocorrem no cérebro e respondem a certas regras preditas pela mecânica quântica. De acordo com Cammarota, a mecânica quântica e alguns preceitos da teoria da relatividade restrita (ou especial) são usados na eletrofisiologia, por exemplo, para entender como o cérebro codifica a informação.

As fases da memória
A primeira dessas fases da memória, a codificação, indica que antes que a informação possa ser aprendida e transformada em memória tem que ser percebida e processada. As informações são então traduzidas em impulsos elétricos. Depois são armazenadas e, finalmente, expressas de alguma forma. “Nós só sabemos que sabemos alguma coisa quando nos lembramos dessa coisa. E, se não lembramos, não sabemos que sabemos”, disse. “Esse é um paradoxo muito interessante para nós, estudiosos da memória.”

O pesquisador falou então sobre o tempo, algo importante para a memória, classificada de acordo com o tempo que dura, dado que ela é um registro temporal de um fato passado. A primeira é a memória sensorial. O melhor exemplo para entendê-la é quando se fecham os olhos e, durante um momento, ainda é possível perceber o ambiente, como se os olhos estivessem abertos. Há também a memória de curta duração, utilizada, por exemplo, para lembrar o número do telefone da pizzaria escrito no ímã de geladeira. “Lemos o número no ímã e vamos até o telefone para fazer o pedido. Se esquecemos de pedir o refrigerante temos de voltar à geladeira e rever o número para ligar”, disse, para exemplificar como é essa memória.

Por último, há as memórias de longa duração. “É a memória que tenho da minha mãe, de Buenos Aires, do meu apartamento. São aquelas que perduram durante o tempo”, contou. Ele ressalta que utiliza a palavra “perdurar” numa acepção corriqueira, em razão de as memórias serem relativas (ou subjetivas) e não permanentes (ou objetivas). “A memória de cada um de nós sobre esta palestra não vai ser a mesma porque somos todos diferentes uns dos outros, não passamos pelas mesmas situações e também porque não estamos sentados no mesmo lugar.” Ela não é permanente no tempo e muda constantemente, ainda que boa parte das pessoas acredite que seja completamente fiel à circunstância original. Tanto a memória sensorial como a de curta duração e a de longa duração englobam, dentro delas, vários subtipos de memórias.

“Se hoje podemos falar sobre o tempo e nos perguntar se ele é absoluto, relativo ou se existe ou não, é porque possuímos memória”, afirmou. São elas que nos dão continuidade e, por isso, identidade. “Percebemos o tempo como algo contínuo em que parece fluir em uma única direção.” Essa noção biológica do tempo condiciona nossa forma de interpretar o mundo que nos rodeia.

O tempo e a memória
Martín Pablo Cammarota, biólogo e professor adjunto do Instituto de Pesquisas Biomédicas  da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande  do Sul (PUC-RS)

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