Imprimir PDF Republicar

Obituário

Mauro Boianovsky foi expoente da história do pensamento econômico

Economista gaúcho se tornou o primeiro latino-americano a presidir a associação internacional da área

Secom UnBNa aula magna que proferiu em dezembro de 2020, em encontro da Associação Nacional dos Centros de Pós-graduação em Economia (Anpec), Mauro Boianovsky disse entender a economia como uma ciência transnacional, que, a exemplo de tantas outras, transborda fronteiras. O economista gaúcho, que morreu em Brasília no dia 21 de fevereiro, levou essa noção ao pé da letra em sua vida acadêmica. “Era um ‘peixe n’água’ no cenário internacional, tanto por participar das grandes associações quanto por publicar nas melhores revistas de nosso campo”, destaca Mauricio Chalfin Coutinho, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Boianovsky se notabilizou em nível mundial na história do pensamento econômico. “Trata-se de uma subárea muito ampla da economia”, observa Laura Valladão de Mattos, da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Segundo a pesquisadora, a história do pensamento econômico trata das concepções dos teóricos e da sua gênese, investigando aspectos como o contexto de vida dos autores, seus interlocutores e influências, e de que forma suas propostas ganharam repercussão. “Mauro fazia bastante trabalho de arquivo. Contribuiu muito para a profissionalização da área e foi um modelo para várias gerações acadêmicas de historiadores do pensamento econômico.”

Nascido em Porto Alegre, em 12 de abril de 1959, Boianovsky se formou em economia pela Universidade de Brasília (UnB), em 1979. Começou a lecionar na Universidade Federal Fluminense (UFF) em 1984 e na mesma ocasião iniciou o mestrado na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), que concluiu em 1989. Cursou o doutorado na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, entre 1990 e 1996.

Suas pesquisas no mestrado e no doutorado se concentraram no trabalho do economista sueco Knut Wicksell (1851-1926), pioneiro em teoria monetária que tratou de preços e taxas de juros, além de ciclos econômicos. A partir de então Boianovsky abordou vários autores, com predileção pela história da macroeconomia e do desenvolvimento econômico. Ao longo da carreira, estudou nomes menos conhecidos, como o próprio Wicksell, em cuja obra se tornou uma das referências mundiais. Mas também se voltou a teóricos renomados, caso do norte-americano Paul Samuelson (1915-2009), vencedor do Nobel de Economia em 1970. “Há pesquisadores da história do pensamento econômico que sabem muito de determinado período ou de um autor. Ele, por sua vez, conseguia dialogar com diferentes épocas e correntes”, constata Felipe Almeida, do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Como docente, transferiu-se em 1996 para a UnB, onde se tornou professor titular em 2005. Ali, ministrou as disciplinas de Teoria do Desenvolvimento Econômico e História do Pensamento Econômico. “Na virada do século, quando no Brasil praticamente só se pensava nos clássicos e se discutia pela milionésima vez as ideias de Adam Smith [1723-1790], Mauro foi um dos pesquisadores que chamaram a atenção para a história da produção econômica contemporânea de autores como o norte-americano Robert Lucas [1937-2023]. Ele também passou a discutir a constituição das teorias do crescimento. Isso teve um impacto enorme em nossa área”, conta o economista Ramón Garcia Fernández, da Universidade Federal do ABC (UFABC).

De acordo com Fernández, nos últimos 15 anos Boianovsky se aprofundou em nomes do cenário latino-americano, com destaque para Celso Furtado (1920-2004), um dos mais importantes economistas brasileiros. “Furtado e o estruturalismo latino-americano já eram temas muito discutidos, mas sem um amplo contexto histórico. E foi exatamente isso o que Mauro trouxe, introduzindo novas perspectivas à interpretação da obra furtadiana”, explica Pedro Garcia Duarte, professor do Insper, de São Paulo. Durante as pesquisas sobre o autor de Formação econômica do Brasil (Fundo de Cultura, 1959), Boianovsky se aventurou, por exemplo, pela seara das ciências sociais para entender a passagem de Furtado pela Universidade Sorbonne, em Paris, na década de 1960, quando foi influenciado pelo antropólogo Claude Lévi-Strauss (1908-2009) e pelo historiador Fernand Braudel (1902-1985).

Sua obra acadêmica abrange livros como Transforming modern macroeconomics – Exploring disequilibrium microfoundations, 1956-2003 (Cambridge University Press, 2013), que escreveu com o economista britânico Roger Backhouse, da Universidade de Birmingham, no Reino Unido. Em 2014, o título, ainda inédito no Brasil, foi escolhido como melhor obra do ano pela European Society for the History of Economic Thought (Eshet). Mais tarde, entre 2016 e 2017, Boianovsky presidiu a History of Economics Society (HES), a mais antiga associação da área no mundo, sendo o primeiro latino-americano a ocupar esse posto. Apesar do trânsito no exterior, preferiu viver no Brasil – dizia ter sentido muita falta do país no período em que passou fora, durante o doutorado.

O economista publicou mais de 80 artigos, a maioria em revistas científicas estrangeiras. Três deles venceram o prêmio Haralambos Simeonides, da Anpec, em 1996, 1998 e 2011. Na mesma premiação, recebeu menção honrosa em 2021 pelo texto em que analisa como uma viagem ao Brasil, em 1973, impactou os discursos do economista norte-americano Milton Friedman (1912-2006), que ganhou o Prêmio Nobel de 1976.

Nos dois estágios de pós-doutorado, em 2003 e 2015, na Universidade Duke (EUA), Boianovsky se debruçou sobre correspondências e diários de economistas depositados naquela instituição. “Sempre me impressionaram sua capacidade e vontade de investigar as coisas até o fim e o destemor que ele tinha ao criticar monstros sagrados como Samuelson”, lembra Ana Maria Bianchi, professora aposentada da FEA-USP. “Seus trabalhos do começo de carreira são difíceis de ler, por seu estilo bastante técnico, mas sua linguagem se abrandou nos últimos anos, aumentando seu público potencial de leitores.”

Segundo Daniela Freddo, colega de Boianovsky no Departamento de Economia da UnB, “os olhos dele brilhavam quando contava sobre achados e novas pesquisas; adorava documentos que sinalizavam o nascimento das ideias dos teóricos que estudava e também de participar de congressos”. A despeito das viagens constantes, o economista não gostava de aviões. Em 1996, ele perdeu o pai, o médico David Boianovsky, no acidente com o Fokker 100 da TAM no bairro do Jabaquara, em São Paulo. O pai tinha então 64 anos, era consultor da FEA-USP e estava a caminho de um congresso no Rio de Janeiro.

De acordo com Coutinho, da Unicamp, o economista sempre foi produtivo, mas nos últimos tempos andava publicando mais. Com Ricardo Bielschowsky, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), os dois editaram o compêndio A history of Brazilian economic thought – From colonial times through the early 21st century (Routledge, 2022), também inédito no Brasil.

Boianovsky tinha por hábito compartilhar seus artigos recém-publicados com amigos e interlocutores. Na última vez, escreveu de forma lacônica que, devido a uma doença grave, “sua expectativa de vida havia se reduzido drasticamente”. Como o pai, o economista morreu aos 64 anos. Foi vítima de um câncer no fígado, descoberto em estágio avançado. Deixa a mãe, Rosa, a companheira, Ana Cristina, os filhos Daniel David e Ilana, além da neta Isabela.

Republicar