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Medicina

No front da prevenção e da pesquisa

Centro Antonio Prudente combate o câncer com exposição no metrô e dissemina normas para montar cooperativa de bancos de tumores

A gênese do câncer: visual atraente para abordar a doença

REPRODUÇÃO COMBATE AO CÂNCER VAI DE METRÔA gênese do câncer: visual atraente para abordar a doençaREPRODUÇÃO COMBATE AO CÂNCER VAI DE METRÔ

Circulam pelas estações do metrô de São Paulo mais de 2 milhões de pessoas a cada dia. Se essa multidão é cotidianamente bombardeada por propaganda de todo tipo e informações visuais sobre os itinerários, por que não aproveitar a arena privilegiada para divulgar a importância do combate ao câncer e disseminar conceitos de prevenção? Essa idéia norteou o projeto O Combate ao Câncer Vai de Metrô, uma das iniciativas no campo da difusão científica de maior alcance do Centro Antonio Prudente para Pesquisa e Tratamento do Câncer.

A exposição, que terá percorrido oito estações do metrô até julho, foi inaugurada em Capão Redondo, na Zona Sul de São Paulo. Com um visual colorido e irreverente, os 20 cartazes buscam propagar a idéia de que é possível tomar medidas que diminuam as chances de contrair câncer e de que a detecção precoce da doença amplia significativamente as chances de cura. Cada cartaz aborda algum tipo de tumor – a seleção levou em conta a freqüência e a gravidade dos casos, como os cânceres de mama, de próstata, de pele, de intestino e de pulmão –  ou outros aspectos da prevenção, como a busca de novos medicamentos e de vacinas contra a moléstia.

O projeto começou a ser gestado no final de 2005, na casa da bióloga Mariana Morato Marques, estudante de pós-graduação da Fundação Antonio Prudente, mantenedora do Hospital do Câncer A. C. Camargo. Mariana comentou com sua mãe, que trabalha na área de marketing e na organização de eventos culturais da Companhia Metropolitana de São Paulo (Metrô), as discussões que travara na ONG de divulgação científica à qual ela é ligada, chamada O DNA Vai à Escola. Os integrantes da entidade planejavam fazer uma grande exposição de cartazes para disseminar conceitos da biologia molecular para o grande público. “Por que não no metrô?”, perguntou a mãe. A sugestão foi bem recebida e o passo seguinte foi procurar financiamento.

O coordenador de ensino do hospital, Luiz Fernando Lima Reis, sugeriu que Mariana e a coordenadora regional da ONG, Patrícia Possik, procurassem a pesquisadora Dirce Carraro, coordenadora de transferência de tecnologia e difusão do Centro Antonio Prudente para Pesquisa e Tratamento do Câncer.

Na conversa, Mariana soube que, sim, o centro tinha todo o interesse em ajudar. Mas preferia que a exposição incorporasse tópicos da prevenção do câncer em vez de tratar genericamente de biologia molecular. “Assim, se encaixaria em nossa estratégia de difundir conhecimentos básicos no sentido de desmistificar o câncer, além de levar informações que auxiliem na compreensão da moléstia e na adoção de um comportamento mais cuidadoso da população em relação a medidas de prevenção e detecção precoce da doença”, afirma Dirce Carraro.

A ONG, que tem a missão de promover a compreensão do público pela biotecnologia e a pesquisa biomédica, considerou a proposta bastante interessante. “Se as pessoas que sofrem de câncer ou têm casos na família soubessem um pouco mais sobre a doença provavelmente não demorariam tanto para procurar ajuda médica”, diz Mariana. Celebrou-se a parceria entre a ONG e o centro no primeiro semestre de 2006 e, em apenas três meses, a exposição foi idealizada e montada. A parte visual foi encomendada à empresa Pingado Sociedade Ilustrativa, que reúne um grupo de ilustradores e arquitetos de São Paulo. Já o conteúdo científico foi produzido pela equipe do DNA Vai à Escola, composta por estudantes de pós-graduação da Universidade de São Paulo (USP) e da Fundação Antonio Prudente, e passou pelo crivo rigoroso dos pesquisadores do Hospital do Câncer A. C. Camargo, que revisaram os textos.

A repercussão tem sido animadora. Um livro convida os visitantes a deixarem suas impressões sobre a exposição. Os relatos, em geral, elogiam o visual colorido dos cartazes e a riqueza das informações. “Por incrível que pareça, ainda falta a uma boa parte da população informações básicas sobre a prevenção, como, por exemplo, o mal que o cigarro faz à saúde”, diz a bióloga Marcia L. Triunfol, diretora executiva da entidade O DNA Vai à Escola. “Mas houve também gente reclamando que a realidade é muito mais dura, sobretudo para quem não tem dinheiro, pois há dificuldades em fazer exames preventivos ou conseguir tratamento adequado na rede pública de saúde”, afirma Mariana.

Usuários do metrô passam pela exposição na estação Imigrantes: arena privilegiada para divulgar o combate ao câncer

MIGUEL BOYAYANUsuários do metrô passam pela exposição na estação Imigrantes: arena privilegiada para divulgar o combate ao câncerMIGUEL BOYAYAN

Impacto
Antes de a exposição terminar, uma pesquisa de opinião será feita com os usuários do metrô para avaliar o impacto da iniciativa. Outras repercussões já podem ser mensuradas. Em abril, a mostra itinerante foi alvo de elogios em uma reportagem da revista científica The Lancet Oncology. A publicação ficou sabendo da iniciativa graças a Marcia Triunfol, a diretora da ONG, que postou uma nota em inglês sobre a iniciativa num fórum da internet sobre divulgação científica. Marcia passou 12 anos nos Estados Unidos, fez parte de seu doutorado na Universidade Johns Hopkins, depois trabalhou como editora numa revista. Outros meios de comunicação, como o jornal O Globo e a newsletter Ciência Hoje On-line, também noticiaram a exposição. “Nossa idéia é ampliar a exposição para outros locais  de São Paulo, além de outras cidades e estados, a fim de que essa informação alcance um número maior de pessoas”, afirma Dirce Carraro. A iniciativa teve um custo relativamente baixo: cerca de R$ 12 mil foram suficientes para elaborar e a confeccionar os cartazes. O trabalho de consultores e da ONG foi voluntário.

Paralelamente ao sucesso da exposição, o Cepid investe em outras formas de popularizar a informação sobre o combate ao câncer. A aposta principal consiste em promover cursos para professores, contando que eles se tornem agentes multiplicadores nas escolas. Um exemplo é o apoio do centro a um curso de formação de professores que trabalham em classes instaladas em hospitais para crianças em tratamento oncológico. O projeto é uma parceria com a Escola Especializada Schwester Heiner, do Hospital do Câncer A.C. Camargo, em São Paulo, criada em 1984 com o objetivo de ceder professores para atuarem junto a crianças em tratamento. O curso, que aconteceu nos dias 10 e 11 de novembro de 2006, teve a participação de 296 professores e abordou assuntos relacionados ao adoecimento, à hospitalização e seus aspectos emocionais, às brincadeiras de criança, à psicologia da morte, além de assuntos médicos envolvidos na manutenção das salas de aula. Uma segunda iniciativa acontece neste mês, graças a uma parceria com o professor Roger Chammas, da Faculdade de Medicina da USP. Durante nove sábados consecutivos, professores de ciências e de biologia da rede pública irão à USP participar de um curso de atualização voltado para levar o conhecimento sobre o câncer para o ambiente escolar. Serão abordados conceitos de hereditariedade, biologia molecular, genética, entre outros. As aulas terão quatro horas de duração e serão ministradas por estudantes de pós-graduação.

Perguntas básicas
O principal objetivo dos nove pesquisadores envolvidos no Centro Antonio Prudente para a Pesquisa e Tratamento do Câncer é estabelecer fatores determinantes de prognósticos e de indicação terapêutica para pacientes com câncer. “De modo geral, trabalhamos com duas perguntas básicas: podemos melhorar o diagnóstico? Podemos melhorar a determinação do comportamento biológico dos tumores?”, diz Fernando Soares. Nesse sentido, o centro já realizou dois encontros com pesquisadores a fim de prepará-los para utilizar uma grande plataforma de pesquisa. Trata-se da expansão do Banco de Tumores do Hospital A. C. Camargo, uma iniciativa que começa a envolver dezenas de instituições do país. O banco começou a funcionar há oito anos, sob a coordenação do médico Fernando Soares, do Departamento de Anatomia Patológica, hoje coordenador-geral do Cepid, e baseava-se na coleta e no armazenamento de amostras de tumores de pacientes tratados no hospital. O objetivo é preservar o material para usá-lo em pesquisas sobre o câncer. A idéia frutificou e já conta com mais de 5 mil amostras de tecidos. Recentemente, o escopo expandiu-se para a construção do banco de ácidos nucléicos de tumores, que é coordenado pela pesquisadora Dirce Carraro, permitindo um aproveitamento mais racional das amostras em vários projetos de pesquisa. Com essa iniciativa, cada pesquisador solicita somente a quantidade necessária de material para seus estudos.

Com traços irreverentes, os cartazes tratam dos tipos de tumor de maior incidência, como o de colo de útero e o de pulmão, e mostram quais são os meios para prevenir a doença

REPRODUÇÃO COMBATE AO CÂNCER VAI DE METRÔCom traços irreverentes, os cartazes tratam dos tipos de tumor de maior incidência, como o de colo de útero e o de pulmão, e mostram quais são os meios para prevenir a doençaREPRODUÇÃO COMBATE AO CÂNCER VAI DE METRÔ

A expansão deu origem à Cooperativa Brasileira de Biorrepositórios (Cobbi), cujo objetivo é difundir a tecnologia de armazenamento e estimular o intercâmbio de amostras entre diversas instituições do país. “Os interessados podem acessar os dados sobre os tecidos via internet”, diz Dirce Carraro. Esse sistema de busca foi desenvolvido pelo grupo coordenado pela pesquisadora Helena Brentani. “A vantagem é que se permite um maior compartilhamento das amostras, que servirão para a pesquisa molecular na busca de marcadores”, afirma Dirce Carraro. Espera-se que os dados alimentem projetos colaborativos de pesquisa entre centros de referência no tratamento de câncer de todo o país. “Acaba a individualidade nesse tipo de pesquisa e se criam redes abertas a colaborações onde todos compartilham seus achados”, afirma o professor Fernando Soares. O desafio é dar treinamento para que os pesquisadores aprendam a coletar as amostras. O primeiro encontro com essa finalidade foi realizado no dia 7 de abril de 2006 e reuniu 115 representantes de instituições de nove estados. Foram discutidos os procedimentos de normatização de coleta, armazenamento, identificação, banco de dados, transferência dos dados, ética e controle de qualidade. Essa cooperativa foi consolidada em um segundo encontro realizado no dia 15 de dezembro, que contou com a participação de nove universidades e institutos de pesquisa. Foi definida uma plataforma para transferência de dados do material coletado em cada instituição participante.

Outros encontros devem acontecer ainda neste ano para aperfeiçoar as redes de pesquisa. “Esses encontros foram importantes porque apontaram soluções para as instituições que estão implantando seus bancos de tumores”, afirma José Vassallo, professor titular do Departamento de Patologia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O banco da FCM está em fase de instalação e, nos próximos meses, começará a coletar amostras de tumores ginecológicos em pacientes atendidas no hospital universitário.

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