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Medicina

Para encurtar caminhos

Centro de Terapia Celular usa Casa da Ciência para descobrir talentos e diminuir distância entre a universidade e a escola pública

Jogo educativo ajuda a entender doenças como Aids de forma lúdica

EDUARDO CESARJogo educativo ajuda a entender doenças como Aids de forma lúdicaEDUARDO CESAR

O caminho de Ádamo Davi Diógenes Siena começou a se transformar desde que chegou ao Centro de Terapia Celular (CTC) de Ribeirão Preto. Fascinado com as descobertas que fazia, usou os instrumentos que tinha em mãos, papel de embrulhar pão e lápis de cor, apenas quatro cores, e retratou numa história em quadrinhos a peça A agonia de uma célula, apresentada no 2º Festival de Dança, Música e Teatro de 2004. Ádamo, de 17 anos, é um dos vários adolescentes participantes do programa educacional Casa da Ciência do Centro de Terapia Celular (CTC) do Hemocentro de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP).

Sob a coordenação de Marco Antonio Zago, diretor do centro, Dimas Tadeu Covas, diretor técnico-científico do Hemocentro de Ribeirão Preto, e Marisa Ramos Barbieri, coordenadora da Casa da Ciência, o programa educacional do CTC teve início em 2001 e desenvolve programas de ensino de ciências com alunos e professores de escolas do ensino fundamental e médio da região de Ribeirão Preto, atendendo cerca de 30 municípios. Para este CTC os recursos do Cepid são de R$ 3.123.000,00. A Casa da Ciência atendeu, até 2006, mais de cem professores e cerca de mil alunos.

O CTC é encabeçado por nove pesquisadores principais e tem como foco de pesquisa os mecanismos celulares básicos, características e processamento das células usadas para terapia,  os pacientes afetados pelas doenças a serem tratadas e os modelos animais dessas doenças. A pesquisa é dividida em duas linhas: uso de células-tronco para o tratamento de doenças neoplásicas ou inflamatórias e identificação de novos alvos terapêuticos em doenças hematológicas malignas.

Covas conta que quando a FAPESP abriu a seleção para financiar os Cepids convocou a diretoria regional de ensino de Ribeirão Preto e Sertãozinho para expor a idéia do programa educacional. “O nosso objetivo era diminuir a distância entre a universidade e a escola pública e encontrar os instrumentos para realizar isso”, lembra. “Percebeu-se então que a maior necessidade era a formação de professores.”

As Células, o Genoma e Você foi um dos principais projetos educacionais voltados para escolas de ensino básico e teve como primeira atividade o curso de especialização “As células, o genoma e você, professor”, que em sua primeira versão contou com 22 professores que participavam de aulas aos sábados e durante a semana se reuniam sob a orientação de pesquisadores do Hemocentro de Ribeirão Preto. Esse curso conta créditos para educação continuada, pois tem a parceria da diretoria de ensino.

A partir do trabalho com os professores de ensino médio e fundamental pôde-se constatar o quão deficiente eram as condições para um docente em sala de aula. “As escolas não tinham laboratórios, microscópios, e o aprendizado era apenas com o livro didático”, diz Covas. “Com o curso, esses professores voltavam para suas escolas com a visão de que ensino de ciência se dá na prática e passaram a levar o que aprendiam para a sala de aula.”

O resultado foi tão positivo que os alunos começaram a vir com seus professores para a Casa da Ciência. O número de alunos cresceu e eles se incorporaram ao projeto com uma programação especial, o Caça-Talentos, que atendeu cerca de 500 alunos entre 2001 e 2003. Nesse programa, os professores são estimulados a trazer seus alunos para o Hemocentro para participar das atividades com os pesquisadores (graduandos e pós-graduandos), que vão de seminários e visitas a laboratórios a participação no planejamento de experimentos. No final, os alunos podem apresentar um painel, uma monografia, textos, ilustrações ou dramatizações.

Foi pelas mãos da professora de biologia Leoniza Nakamura que Ádamo chegou à Casa da Ciência. “Sempre gostei de microbiologia, mas aqui pude ampliar meu conhecimento”, relata. Foi na Casa da Ciência que ele viu, pela primeira vez, uma célula no microscópio. “Os alunos conheciam a célula como imagem redonda no livro, e na Casa da Ciência eles mudaram a forma de ver a realidade. As crianças não se sentiam no direito de imaginar isso”, observa Covas.

O Jogo do Genoma foi elaborado por alunos participantes do projeto AQdote um Cientista, sob orientação dos pesquisadores

Eduardo CesarO Jogo do Genoma foi elaborado por alunos participantes do projeto AQdote um Cientista, sob orientação dos pesquisadoresEduardo Cesar

Marco Antonio Zago explica que os alunos que chegam à Casa da Ciência têm pouca informação disponível: não dispõem de acesso à internet, as escolas que freqüentam não utilizam bem seus recursos e os professores não estão totalmente preparados para explicações mais detalhadas e para suscitar o debate. “Na Casa da Ciência os alunos são estimulados. Para eles é agradável estar aqui, é uma forma de lazer”, enfatiza Zago. “E é uma forma de dar condições competitivas para esses alunos e atuar no processo de formação deles.” Ádamo foi um dos quatro alunos do programa educacional do CTC contemplados, em 2004, com a Bolsa de Iniciação Científica Júnior concedida pela FAPESP, destinada a estudantes do ensino médio de escolas públicas que queiram se engajar em programas de iniciação científica. Os quatro bolsistas estiveram sob a orientação de um jovem pesquisador do CTC.

Agora Ádamo dispõe de muito mais recursos para exercitar sua didática. Seu gosto pelos quadrinhos continua e sua nova história explica o processo de prevenção do câncer, mas os jogos de tabuleiro também entram na sua didática para explicar seu assunto preferido, os vírus. Hoje os planos de Ádamo se projetam para atividades maiores. O seu objetivo é se tornar pesquisador científico na área de microbiologia.

Conceitos relacionados
Um dos pontos fortes do programa educacional do CTC é incitar o debate e socializar o conhecimento. Para tanto, Zago convidou Marisa Ramos Barbieri para participar do projeto educacional. “Marisa funciona como indutora e incita a busca de conhecimento”, avalia Zago. “É preciso alguém que provoque a forma de aprender por meio das relações”, explica Marisa. Para ela, esta é a porta de entrada do conhecimento quando se fala de ciências, porque todos os conceitos são relacionados. E um bom exemplo é o estudo de uma planária, verme platelminto, encontrada no lago da USP de Ribeirão Preto. “Os alunos da cidade de Luís Antônio ficaram especializados em criação de planária e aprenderam que a planária tem muita ligação com células-tronco. Assim eles aprendem por meio da observação, da prática, da relação e da história”, explica.

Desde a sua criação, em 2001, a Casa da Ciência tem abrigado numerosos projetos. O Museu e Laboratório de Ensino de Ciências (MuLEC), localizado no campus da USP e inaugurado em outubro de 2004, é um desses resultados da ampliação dos trabalhos. Para sua consolidação, recebeu R$ 225.268,62 da Fundação Vitae para reforma da casa, compra de equipamentos e assessoria de pessoal especializado. O museu é uma continuidade do Laboratório de Ensino de Ciências (LEC) da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP/ USP), que funcionou de 1981 a 2000, sob a coordenação de Marisa e Célia Pezzolo de Carvalho. No MuLEC há exposições permanentes dos trabalhos desenvolvidos pelos alunos da Casa da Ciência e do LEC, que podem ser visitadas por alunos de escolas da região. E há também atividades como experiências de laboratório, coletas, observações em jardins e reflorestamento, sementeira de plantas nativas, manutenção de aquários e terrários, oficinas de redação e jornal.

O projeto educacional da Casa da Ciência tem uma propagação contínua de novas atividades. O Caça-Talentos, por exemplo, deu origem ao programa Adote um Cientista, criado em maio de 2005, que consiste em atividades nas quais orientadores (pós-graduandos, graduandos e pesquisadores) são convidados a elaborar um trabalho com um grupo de alunos do ensino básico (média de sete alunos por grupo) e assim desenvolver um tema de sua escolha nos encontros, geralmente relacionado ao do pesquisador. Assim, em dez encontros, no máximo, finalizam o processo. Em 2005 participaram 256 alunos de escolas públicas e particulares de Ribeirão Preto e região, distribuídos em 24 grupos temáticos, com 46 orientadores.

Na roda de debates do Adote um Cientista estavam Lucas Eduardo Botelho de Souza, 19 anos, e Felipe Oliveira Batista, 17 anos. Lucas participou da primeira turma do Caça-Talentos. “Fui aluno da Escola Estadual de 1º e 2º Graus Dom Romeu Alberti e sempre gostei de ciência”, diz.”Quando cheguei aqui gostei muito porque os pesquisadores apresentam situações, problemas para os alunos resolverem, e podíamos discutir e debater os temas.” Lucas é o exemplo de que a oportunidade de conhecimento pode realmente revelar novos talentos. Atualmente ele cursa o terceiro ano da Faculdade de Biologia da USP, faz estágio de citogenética de células-tronco no Hemocentro e pretende se especializar em genética molecular.

História em quadrinhos desenhada por Ádamo Siena, um dos adolescentes integrantes dos programas da Casa da Ciência

CTCHistória em quadrinhos desenhada por Ádamo Siena, um dos adolescentes integrantes dos programas da Casa da CiênciaCTC

Já Felipe chegou à Casa da Ciência por meio de uma notícia no rádio. “Meu pai ouviu na Rádio USP sobre o Adote um Cientista e me trouxe até aqui”, conta. “Estou me preparando para o futuro e agora tenho uma ótima base.” O seu sonho é seguir a carreira militar e tornar-se piloto da Força Aérea. “Sempre busquei conhecimento, eu lia mas não ficava satisfeito.” Ele começou a alçar alguns vôos. Desde o mês de abril atua como assistente de sua professora, auxiliando-a sobre mitose e meiose. “Este é um grande resultado, é onde queremos chegar. Hoje esses meninos estão escrevendo seus trabalhos, organizando o pensamento, escrevendo para que outros possam ler”, comemora Marisa.

Alguns professores que participaram do curso “As células, o genoma e você, professor” acabaram por dedicar-se integralmente ao programa educacional da Casa da Ciência, como Sandra Maria Figueiredo Spagnoli, professora de biologia. “Hoje me dedico totalmente ao projeto e repasso para a minha antiga escola. A Casa da Ciência foi uma realização profissional porque é o modo que gostaria de trabalhar, de poder passar aos alunos essa forma de conhecimento”, diz.

Na linha de difusão do conhecimento, a criação do Jornal das Ciências e do site da Casa da Ciência tem sido uma base essencial para os alunos vivenciarem a experiência de divulgação de ciências e, para tanto, foram criadas oficinas de redação. O Jornal das Ciências é um apoio para os professores em sala de aula e também um veículo de divulgação das atividades da Casa da Ciência. O jornal possui de duas a três edições por ano, com uma tiragem de 3.500 exemplares, é distribuído gratuitamente a professores e alunos.

Em outro projeto, chamado Roda da Ciência, DNA, expressão gênica, células-tronco e DNA mitocondrial são alguns dos temas que alunos da Casa da Ciência repassam para outros grupos e nos quais podem manifestar o prazer em aprender e o empenho no entendimento de assuntos tão complexos. Com a preocupação em criar uma base de dados, nasceu o Ponto de Investigação, Pesquisa e Organização em Ciências (Pipoc), onde pode ser conferida a análise de dados acumulados em seis anos do projeto Casa da Ciência.

Neste ano de 2007 cinco alunos do ensino médio de escolas públicas que mais freqüentaram programas da Casa da Ciência foram responsáveis pelo monitoramento da exposição Células-tronco: células, organismos e ambiente, montada no MuLEC. O conceito desta exposição teve como base o projeto Proposta de Inovação e Propagação Articulada do Saber (Pipas).

A ciência foi o meio transformador da realidade de professores e alunos do ensino fundamental e médio, a maioria de áreas pobres da periferia de Ribeirão Preto. Com o programa Casa da Ciência a realidade mudou o dia-a-dia de todos eles. “Você pode usar o raciocínio científico para o cotidiano. É um treinamento que se perdeu”, explica Dimas Tadeu Covas. “Com este programa derruba-se o estigma das portas fechadas da universidade. E é o caminho do Brasil para formar cidadãos com a universidade atuando nesse processo”, diz Zago. “Esta deficiência educacional representa a perda de talentos que podem ser futuros cientistas ou futuros cidadãos.”

Além dos recursos do Cepid e da Fundação Vitae, a Casa da Ciência conta com o suporte de bolsistas da Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto para a produção de material institucional e recebe o auxilio de bolsistas do Programa Bolsa Trabalho – Coseas/USP, empenhados em catalogar e organizar o acervo, além de auxiliar o desenvolvimento de material para o site.

O Cepid foi o catalisador, o primeiro recurso para o programa Casa da Ciência e o que atraiu as pessoas e possibilitou o desenvolvimento de todos os projetos. “A nossa preocupação agora é que esse projeto todo se institucionalize, se firme quando o programa Cepid se encerrar”, espera Zago.

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