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Nélson Raimundo Braga

Medidas para motivar e manter os funcionários

O presidente da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo, Nélson Raimundo Braga, é engenheiro agrônomo formado pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRJ) e trabalha como pesquisador do Instituto Agronômico de Campinas (IAC). Obteve o mestrado no departamento de Fitotecnia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com um trabalho de comparação de dez cultivares de soja num ambiente de alto rendimento. O doutorado foi conseguido no departamento de Fitotecnia da Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais. A tese examinou as possibilidades do cultivo do grão-de-bico na área de Viçosa. No IAC, onde está desde 1975, Braga trabalha no Centro de Plantas Graníferas e é autor de diversos trabalhos sobre a adaptação do cultivo de grão-de-bico ao Estado de São Paulo e sobre o melhoramento da soja. Participou do lançamento de diversos novos cultivares de soja. Nos últimos anos, vem pesquisando também a adubação verde, uma técnica com a qual é possível melhorar o solo e a produtividade das plantas com pouco ou nenhum uso de adubos químicos. Este é o seu terceiro ano, num segundo mandato, na presidência da Associação dos Pesquisadores.

A conjuntura mundial vive, hoje, um processo de implosão dos Estados nacionais. Tudo o que ocorre hoje em termos de debilitamento de empresas públicas, de institutos de pesquisa e de universidades vem de uma compressão orçamentária com relação aos gastos sociais, resultante desse processo. O prioritário para o Estado, hoje, é pagar dívidas. Como se fosse uma homenagem aos 500 anos do descobrimento, a dívida pública brasileira, interna ou externa, atingiu cerca de US$ 500 bilhões. Esse é o fato maior da conjuntura em que vive o Brasil e o mundo. Sem olhar isso, não é possível falar de instituições de pesquisa ou de coisa alguma. A situação das instituições de pesquisa reflete o que ocorre com o país.

Quanto à dimensão do setor de ciência e tecnologia, é dispensável e redundante falar da importância de instituições como os 17 institutos de pesquisa paulistas, da Embrapa e das universidades públicas, estaduais e federais, em termos de geração de conhecimento básico e de sua tradução em tecnologias capazes de responder a questões concretas apontadas pela sociedade. As tecnologias de que o mundo tropical precisa não chegam pela Internet nem por satélite. Por isso, é fundamental que o Brasil revigore os institutos de pesquisa e as universidades do sistema público.

As dificuldades em São Paulo não começaram hoje. Uma pesquisa feita em 1984 pelo Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia indicava já um quadro de crise, de retração orçamentária, de evasão de pessoal, de descontinuidade de medidas governamentais que sustentassem os institutos de pesquisa. É preciso, porém, conhecer os motivos da crise que atinge instituições de pesquisa da dimensão do Instituto Agronômico de Campinas. Em 1975, o IAC dispunha de 3.200 servidores. Hoje, tem menos de 1.500.

Se for feito o mapeamento desse pessoal, será possível observar que os pólos de criação de tecnologia no Instituto Agronômico foram os mais debilitados. Um dos laboratórios do Instituto, que participou do Projeto Genoma, merecedor de uma homenagem expressiva do governo do Estado, não dispunha de nenhum servidor de apoio permanente. Realizou a sua missão com competência, mas recrutando pessoas na forma de bolsas e outras formas de emprego não-estáveis. A situação dos institutos de pesquisa está chegando ao limiar do escândalo. Eles hoje recrutam pessoal para trabalhar inclusive sem respeitar a legislação trabalhista.

No caso do Instituto Agronômico, em particular, seus pesquisadores tiveram este ano uma surpresa desagradável. Em janeiro, foram informados de que, diante da falta de recursos, teriam de pagar parte do custo da publicação de seus trabalhos. Ou seja, o autor de uma pesquisa tem de tirar do seu bolso, do seu salário, os recursos para cobrir os custos de um periódico da instituição. O estado de penúria dos pesquisadores seria ainda pior se, no ano passado, o governador Mário Covas, após quatro ou cinco anos de luta de parte da Associação dos Pesquisadores e de setores sociais solidários, não tivesse consagrado a equiparação que os pesquisadores tinham por lei com os salários dos docentes das universidades estaduais.

Sem dúvida, foi um ato de grandeza do governador. Mas, com relação ao pessoal de apoio, nada, porém, foi concretizado. A associação encaminhou ao governador um anteprojeto que sinalizava uma nova concepção de carreira. Até o valor correspondente do orçamento era secundário naquele instante. O objetivo da associação era mostrar ser possível uma gestão moderna nos institutos, para que eles possam recrutar, fixar, motivar e dar estabilidade ao seu pessoal permanente.

Parece, porém, que dentro de todos os governos, inclusive do atual governo estadual de São Paulo, existe um entulho burocrático, formado por pessoas que aprenderam profissionalmente a técnica de dizer não. Sempre que se encaminha ao governo alguma coisa que tenha mérito social, essas pessoas têm o capricho de justificar o não, de explicar o não.

De qualquer maneira, vive-se hoje um processo de sensibilização do governo, da Assembléia Legislativa, de todos os deputados, de todos os partidos. Esse movimento não tem caráter partidário, é um movimento em defesa do Brasil, de São Paulo e das suas instituições. Quem estiver ao lado dessas instituições, integra o movimento. Devemos buscar o caminho definitivo para conquistar uma política de recursos humanos que dê estabilidade aos institutos a médio e longo prazo. Para isso, é fundamental tomar medidas que protejam os servidores de apoio à pesquisa.

O objetivo é evitar um mal maior, o colapso de instituições que vão perder a sua característica de instituições públicas para se transformarem talvez, na melhor das hipóteses, em prestadoras de serviços a terceiros. Daqui a alguns anos, nós, que pesquisamos soja, talvez sejamos compelidos a sair fazendo palestras ou outras atividades, sob o patrocínio da Monsanto ou de quem quer que tenha condições de custear nossas atividades, como parte do trabalho. Assim, perderemos nossa autonomia e a isenção imprescindíveis a quem cumpre uma função pública de interesse social.

Não é digno que isso aconteça, não é justo. Ou se tomam medidas urgentes de recuperação e de restauração dos institutos de pesquisa, ou eles passarão a representar o papel de tradutores de tecnologias importadas, difusores de tecnologia feita por outros e com interesse diferente do brasileiro. O país precisa buscar um caminho próprio, independente, autônomo e soberano, embora evidentemente com uma visão global e universal. É preciso inserir-se nesse mundo, dito globalizado, mas com soberania, com independência e com a cara de Brasil. É a isso que os institutos de pesquisa se prestam. É para isso que foram edificados.A médio e longo prazo, o caminho definitivo para recuperar uma política de pessoal que fixe, motive e dê estabilidade aos institutos é proteger a carreira de pessoal de apoio.

Em caráter emergencial, porém, é básico estender o diferencial salarial concedido ao pessoal de apoio à saúde a todos os outros servidores, de maneira universal e não excludente. Se o Brasil não tiver a Embrapa, empresas estaduais e universidades fortalecidas, não terá como reagir para desenvolver-se com soberania e justiça social. Abrigará uma população de consumidores e produtores reféns de poucas transnacionais, que imporão aos brasileiros o que e como eles vão produzir e consumir.

Os institutos de pesquisa vivem hoje um momento dramático. A associação tem sugerido que o Poder Executivo e a Assembléia Legislativa realizem visitas e audiências públicas nos próprios institutos. A posição dos pesquisadores científicos é de transparência, é de respeito à verdade dos fatos. Não há nada a esconder. É preciso evidenciar méritos e carências de cada instituição.

O governador teria uma caminhada muito positiva se ele fosse aos institutos. Apesar das crises, ele encontraria o Instituto Agronômico, por exemplo, produzindo novas variedades de manga, de café, de soja, amendoim, trigo, feijão, participando do Projeto Genoma, com espírito criativo e produtivo e tentando romper as dificuldades. Depois destas audiências, governador e deputados poderiam assumir suas decisões com mais convicção. O que os pesquisadores representados pela associação pedem neste momento é a ajuda do Poder Legislativo e do Executivo para retirar os institutos do isolamento e da marginalidade e para que suas realidades, finalmente, sejam conhecidas e modificadas.

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