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Física

Meio século com ELA

Stephen Hawking pode ter sido o paciente que mais tempo viveu com esclerose lateral amiotrófica

divulgação editora intrínseca Com um lenço na mão, um Hawking jovem e sadio se diverte com os colegas do clube de remo da Universidade de Oxforddivulgação editora intrínseca

Não há registro de que alguém tenha vivido tanto tempo com esclerose lateral amiotrófica (ELA) – nome genérico para um conjunto de doenças degenerativas que lesa progressivamente os neurônios motores e leva à atrofia muscular – quanto o físico britânico Stephen Hawking. Entre o momento em que recebeu o diagnóstico, em 1963, quando os médicos estimaram sua sobrevida em dois anos, e o de sua morte, em março de 2018, passaram-se 55 anos. “Na época, pensei que minha vida tivesse terminado e que nunca concretizaria o potencial que acreditava possuir”, escreveu Hawking em sua autobiografia Minha breve história (Intrínseca, 2013). O pesquisador, que nasceu em 1942 e passou a maior parte de sua existência confinado em uma cadeira de rodas, atingiu 76 anos.

A história do cientista é um caso único de longevidade entre os pacientes de ELA, que acomete entre uma e duas pessoas a cada 100 mil habitantes, com uma incidência cerca de 20% maior entre os homens. Após a identificação da doença, apenas 10% das pessoas vivem 10 anos. A sobrevida média é de três a cinco anos, segundo dados da associação norte-americana de ELA. Não é muito difícil encontrar pacientes mais velhos do que o físico com a doença, mas não com o mesmo tempo de sobrevida. Até porque, na maioria dos casos, o diagnóstico da esclerose lateral amiotrófica ocorre em uma fase mais tardia da vida, geralmente entre os 50 e 70 anos de idade, quando os sintomas associados à enfermidade costumam aparecer, como dificuldade para andar e, depois, mastigar, falar e respirar. Hawking soube da doença quando tinha 21 anos.

As causas da ELA são pouco conhecidas. Em 90% dos casos, o mecanismo que a ocasiona é ignorado. Várias hipóteses são levantadas para tentar explicar essas ocorrências, como infecções virais, exposição a toxinas, alterações hormonais ou no sistema imunológico ou ainda uma combinacão de mutacões genéticas, cada uma delas produzindo um pequeno efeito. Esses casos são classificados como ELA esporádica. Em 10% das ocorrências, a doença surge de alterações genéticas que podem ser transmitidas para os descendentes de um paciente. Nesses casos, é possível haver um diagnóstico genético da doença, para a qual não há cura ou tratamento.

Alguns médicos afirmam que Hawking pode ter tido uma variante de ELA de progressão vagarosa, o que explicaria sua longevidade estendida. No entanto, o avanço da doença não parece ter sido especialmente lento em seu caso (Hawking teve de recorrer ao auxílio de uma cadeira de rodas ainda na década de 1960). “Minha hipótese é de que ele sempre foi muito bem cuidado, sob a supervisão de equipes médicas, com o auxílio de um respirador e alimentação especial”, opina a geneticista Mayana Zatz, coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano e de Células-tronco (CEGH-CEL) da Universidade de São Paulo (USP), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão financiados pela FAPESP.

Em 2004, a equipe de Mayana descobriu uma mutação no gene VAP-B que causa uma variante atípica de esclerose lateral amiotrófica. Os pacientes com essa forma da doença, denominada ELA8, demoram mais tempo para apresentar os primeiros sintomas. Em alguns, no entanto, a progressão da enfermidade é rápida e em outros lenta. “Estudamos centenas de pessoas com a mutação e estamos tentando descobrir se algumas delas têm algum mecanismo protetor que favoreça uma evolução mais lenta da doença”, explica Mayana. Hoje se sabe que essa mutação também está implicada em outras formas da enfermidade, além da ELA8.

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