O ingresso na Escola Naval do Rio de Janeiro aconteceu aos 16 anos, em 1930, por inspiração da família. O avô materno e dois tios tinham percorrido a mesma trajetória. Já apaixonado pelos oceanos, encantou-se pela matemática. “Não é nada complicada, mas mal ensinada. É fascinantemente racional”, diz o almirante Alberto dos Santos Franco. E decidiu usar os números para estudar o comportamento das marés. Nas últimas seis décadas, os trabalhos de Franco foram – e continuam sendo – fundamentais para que se pudesse compreender e analisar com mais detalhes fenômenos como as altas e as baixas das marés, a influência da Lua e de efeitos meteorológicos sobre esses movimentos, bem como as recentes elevações do nível dos oceanos, informações estratégicas para a navegação. Esses estudos renderam ao almirante o Prêmio FCW na categoria Ciência Aplicada à Água.
A primeira grande contribuição veio ainda nos anos 1940. Preocupado com as teorias, e não apenas com a aplicação de conceitos, Franco investiu seu tempo na investigação do método de análise e comportamento de marés que havia sido idealizado por Arthur Doodson, do Tidal Institute, ligado à Universidade de Liverpool, Inglaterra. Naquela época, o inglês analisava a maré com um engenhoso algoritmo de sua autoria, que considerava 62 componentes de origem puramente astronômica. As demais componentes eram geradas por efeito hidrodinâmico da pequena profundidade. Essa estratégia representava uma espécie de padrão mundial e era o que de melhor se podia realizar com as calculadoras da época. Mas, além disso, adverte Franco, era um modelo extremamente rígido, pois admitia que aquelas componentes eram as que deveriam ser consideradas em diferentes locais do planeta. Sua tarefa foi mostrar as limitações e apontar a necessidade de formulação de novos métodos. “Ainda estávamos presos a conceitos e técnicas de análise do século 19”, explica. As máquinas eram lentas, comparadas com as de hoje.”
O desafio estava colocado: encontrar outras formas de análise, que utilizassem toda a potencialidade dos computadores que começavam a ser de uso corrente. Naquele momento, o obstáculo a ser vencido era a tecnologia – ou a falta dela. Paciente, aproveitou a década seguinte para aprofundar-se nos conhecimentos sobre o fenômeno. O reconhecimento no Brasil não demoraria. Em 1961, já como almirante da reserva, e cada vez mais especializado no assunto, foi indicado pela Marinha para concorrer às eleições para o cargo de diretor do Bureau Hidrográfico Internacional, com sede em Mônaco, dirigido por um comitê com três integrantes de diferentes países. Foi eleito e assumiu o posto em 1962. Foram cinco anos inesquecíveis. “Fiquei conhecendo a elite da oceanografia mundial. Travei contato com assuntos corriqueiros para a comunidade internacional, mas que para mim eram novidades.”
A volta ao Brasil, em 1967, foi traumática. Franco perdeu a primeira esposa no ano seguinte, vítima de câncer. Passou também a dedicar mais atenção ao filho mais moço, com problemas psicológicos. Não fossem o trabalho e a vontade de compreender as marés, admite, talvez não tivesse suportado os percalços. Durante 1968 e 1969 esteve no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). No início de 1970 foi convidado para assumir a diretoria do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO/USP). Embora ainda não soubesse mexer com as máquinas, tinha à disposição enormes computadores e pôde finalmente avançar na formulação de um modelo de análise mais flexível que o de Doodson. Melhor ainda: a técnica idealizada pelo almirante não mais trabalharia diretamente com os dados observados, e sim com o resultado da análise desses dados. Ele explica: as marés são constituídas por vários grupos de componentes: um grupo que realiza um ciclo por dia, outro que efetua dois ciclos diários e assim por diante até 12 ciclos diários. Finalmente, há grupos de variação lenta, desde um ciclo trimestral até um anual. Até então era usual separar aqueles grupos usando filtros matemáticos. Com base em um sofisticado sistema de equações, Franco conseguiu criar um algoritmo de análise refinado, capaz de separar todos aqueles grupos, oferecendo ainda informações úteis sobre possíveis anomalias. “Os resultados começaram a sair em alguns minutos”, diz.
Eduardo CesarA passagem pelo IO/USP terminou em 1974, quando o almirante foi contratado pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) para assessorar a área de engenharia naval. Em 1976 defendeu a tese de doutorado, sem necessidade do mestrado, na Escola Politécnica da USP, sobre as marés em águas rasas. Foi uma espécie de sistematização de boa parte dos estudos desenvolvidos até aquele momento. Em meados dos anos 1980, decidiu sair do IPT e trabalhar em casa. E é assim que atua até hoje. Casado pela segunda vez, o almirante procurou refúgio no sossego da Granja Viana – distante da rotina acelerada do centro da capital paulista. Em seu escritório recorre agora a um PC para rodar seus programas. “Vamos ver como estavam as marés na região de Cananéia, no litoral norte de São Paulo, há dez anos.” A resposta aparece na tela em menos de um minuto. “É fantasticamente rápido.”
Mesmo distante das universidades e dos centros de pesquisa, Franco não parou de produzir. Aproveitando os avanços tecnológicos, criou, no início da década de 1990, um método de análise extremamente rápido para o tratamento de longas séries de observações capaz de separar 1.014 componentes, sem perder as vantagens dos métodos anteriores. Quando os estudos sobre as marés oceânicas, por exemplo, são feitos com equipamentos baseados em acústica submarina, há variações indesejáveis que alteram alguns valores importantes. “Com meus métodos de análise para períodos curtos é possível detectar as causas de contaminação dos resultados finais”, explica. Ele conta que outra vantagem é poder trabalhar com períodos de análise mais longos.
Para Afrânio Rubens de Mesquita, professor do IO/USP, o almirante é um pioneiro. “Começou a trabalhar praticamente sozinho, em condições inóspitas, decifrando artigos publicados no exterior e procurando adaptá-los à realidade brasileira”, diz. “Graças a esses estudos, transformou-se em referência na área e o Brasil passou a ser reconhecido pela oceanografia internacional”, completa. Aos 91 anos, Alberto Franco aproveita o tempo livre com a leitura, principalmente de obras que tratem de história e religião. Quando pode, não perde a chance de manter contato direto com o mar. Tem um veleiro guardado no Iate Clube de Santo Amaro, às margens da represa de Guarapiranga, em São Paulo. “Por conta da idade, não me arrisco mais a velejar sozinho. Preciso de companhia. Quando a oportunidade aparece, não a desperdiço. O mar é minha grande paixão.”
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