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CONSTRUÇÃO CIVIL

Mistura na medida

Estudo analisa a adição de polímeros à massa de contrapisos

Escondida dos olhos e dos pés humanos, existe quase sempre, embaixo de cada piso, uma camada chamada de argamassa onde se misturam cimento e areia. Não importa o tipo de acabamento. Carpetes, cerâmicas, madeiras e emborrachados são assentados à laje sobre esse contrapiso, que muitas vezes também assume a função de evitar a presença deletéria da umidade. Contra esse inimigo, os construtores aplicam junto ao contrapiso camadas de mantas ou membranas asfálticas.Porém, há cerca de cinco anos, uma nova técnica começou a ser utilizada. Misturados à argamassa de contrapiso, começaram a ser adicionados ao cimento e à areia vários tipos de polímeros, materiais conhecidos como plásticos. Assim, a camada ganhou dupla função – assentamento regular do piso e estanqueidade.

A primeira proporciona o nivelamento ou caimento necessário para escoar a água para o ralo e mantém uma porosidade adequada para receber o piso. No entanto, essa porosidade deve ser controlada para que não permita a passagem de água. Aí, entra a outra propriedade do contrapiso – reter a umidade, função exercida pelos polímeros. “Estanqueidade não é impermeabilização, que se caracteriza por exigir porosidade zero”, afirma a professora Mercia Maria Semensato Bottura de Barros, pesquisadora do Departamento de Engenharia de Construção Civil da Escola Politécnica (Poli) da Universidade de São Paulo (USP). Ela foi a coordenadora do projeto de pesquisa Argamassas Modificadas com Polímeros para Contrapisos de Edifícios, financiado pela FAPESP.

O estudo analisou as atuais práticas da adição de polímeros à argamassa. Pelas diversas vantagens dessa mistura, incluindo a de ser mais econômica, ela é cada vez mais adotada pela construção civil. O problema é que, pela falta de informações mais precisas sobre essa técnica, o uso é feito sem muito critério, resultando em alto risco de fissuras e em infiltrações, além do desperdício de material e de mão-de-obra.

Com o objetivo de dar parâmetros a essa atividade, Mercia desenvolveu o estudo baseada nos materiais à venda no mercado. “Estudamos os ingredientes, as proporções de cada um na mistura da argamassa e as técnicas de execução do contrapiso. Avaliamos a resistência e a eficiência da camada estanque, ou seja, em que condições a água chega a umedecê-la, mas não consegue passar por ela”, explica.

Após um ano e quatro meses de estudo, os resultados surpreenderam a pesquisadora, que contou com a colaboração do engenheiro civil Eduardo Henrique Pinheiro de Godoy, que fez sua dissertação de mestrado sobre esse tema. Eles identificaram o estireno-butadieno (SBR) como o polímero que apresentou os melhores resultados na maioria dos testes de resistência mecânica, aderência e estanqueidade. Isso ajudou a derrubar um mito na construção civil que indica o polímero de base acrílica, que é o mais caro de todos aqueles utilizados para esse fim, como o melhor, tecnicamente, para compor a argamassa.

Segundo a professora Mercia, nos testes realizados, verificou-se que esse material apresentou o maior teor de ar incorporado, o que inviabiliza sua utilização, porque há formação de muitos capilares acessíveis à água, deixando a camada mais permeável. Por esse motivo, ela sugere novos estudos para que se identifique a origem do problema e se proponha uma modificação na composição desse polímero.

Vantagens do polímero
Sabia-se, desde o início da década de 70, a partir de pesquisas realizadas fora do Brasil, que a adição de polímeros melhorava a eficiência da argamassa, porém não havia um estudo sistêmico que avaliasse qual deles teria o melhor desempenho e em que quantidade deveria ser usado. Segundo a professora Mercia, com esses elementos, frutos da pesquisa, os construtores poderão obter o melhor desempenho e a melhor relação custo-benefício nessa operação.

As vantagens do uso da argamassa com polímeros em comparação à impermeabilização tradicional são muitas. Em primeiro lugar, reduz-se a espessura da camada de 4 a 6 centímetros no sistema convencional para 2 a 3 centímetros no novo método. Isso resulta em economia de material e de mão-de-obra na construção de todo o pavimento, com uma redução de custo de 50% a 60%. Além disso, não é preciso contratar empresa especializada, pois o trabalho é realizado pelos próprios operários da obra.

O estudo visou a solucionar basicamente os problemas de áreas internas frias, como cozinhas, banheiros, áreas de serviço e sacadas, onde são maiores os riscos de infiltração. Nesses locais, o contrapiso deve proporcionar o maior grau possível de estanqueidade. Além da capacidade de barrar os líquidos, o estudo pôde avaliar outros itens importantes, como resistência, compressão e tração. Também verificou a escala de deformação – o quanto essa camada suporta sem se romper ou fissurar – e qual a capacidade de aderência da argamassa tanto em relação à base – na laje – quanto ao revestimento.

A melhor porção
A primeira etapa da pesquisa concentrou-se na caracterização dos materiais. Para a argamassa, foram escolhidos aqueles geralmente empregados pela construção civil, ou seja, areia de granulação média e cimento comum, do mesmo tipo utilizado na execução de estruturas. Na mistura, foram testadas porções de 1:3 (uma parte de cimento para três de areia) e de 1:5 (uma parte de cimento para cinco de areia), mantendo sempre a mesma consistência e densidade de massa.

Os polímeros estudados foram os três tipos encontrados no mercado: o acetato de polivinila (PVAc), o mais antigo e mais largamente usado; o SBR, menos conhecido e de preço intermediário; e o estireno-acrílico, que chega a custar três a quatro vezes o preço do PVAc e é tido como o de melhor desempenho pelo setor. Empregando esses materiais, foram obtidas no total 14 proporções de argamassa. Assim, foram construídos corpos-de-prova de argamassa – sem aplicação à laje – para testar o desempenho de cada uma das proporções obtidas.

Esforço de flexão
Os corpos-de-prova foram submetidos a esforços de compressão para medir a força máxima que cada placa era capaz de suportar antes de se romper e determinar o grau máximo de deformação. Foram feitos ainda testes de tração, simulando o que acontece com uma laje sob esforço de flexão. Esse experimento é o mesmo que apoiar uma régua em suas duas extremidades e aplicar uma carga no centro. Essa régua irá fletir, ou seja, a parte de baixo da régua fica com suas fibras tracionadas, enquanto a parte de cima fica com as fibras comprimidas.

A esse efeito de tração e compressão em uma mesma seção da peça dá-se o nome de “flexão”. Isso é o que normalmente ocorre com uma laje que está apoiada em sua borda. O centro dela, submetido aos carregamentos comuns, como pessoas caminhando, móveis, etc., estará submetido à flexão. Esse teste serve para saber qual a resistência da argamassa em relação ao esforço submetido.

Mais uma bateria de testes analisou o desempenho do contrapiso. A produção das placas para esses testes obedeceu a um procedimento, simulando o que acontece numa obra. Nesta etapa foram avaliadas também várias formas de preparação da base – desde lançar a argamassa sem nenhum preparo, testando-se aplicações de camadas de polímero, polímero com cimento e cimento com água, para saber qual delas proporcionaria melhor aderência. Combinando as 14 proporções de argamassa usadas com as formas de preparo de base obteve-se um grande número de placas, que foram submetidas a testes de estanqueidade e aderência.

No ensaio de estanqueidade, foram fixados sobre as placas tubos de PVC com 40 centímetros de diâmetro e 1 metro de altura, formando uma coluna d’água. As placas eram pesadas em balança de precisão antes e depois de submetidas à ação da água. Assim, foi possível saber o quanto de umidade cada uma absorvia e identificar qual delas proporcionava o melhor desempenho como camada estanque.A conclusão da pesquisa esclareceu muitas dúvidas não só em relação ao tipo de polímero mais eficiente, no caso o SBR, mas também quanto às características da camada de estanqueidade. Quanto à porção ideal da argamassa, o melhor desempenho foi verificado na proporção 1:3, mas a professora não descarta o uso de 1:5 em algumas áreas onde as exigências de estanqueidade sejam menores.

O estudo demonstrou ainda que, para se obter maior eficiência do contrapiso, são necessários alguns procedimentos no seu preparo. Em primeiro lugar, ficou comprovado que a melhor técnica de preparo da base, antes do lançamento da argamassa, é a aplicação da mistura de cimento, água e polímero, diferente da argamassa por não conter areia. Essa camada tem a capacidade de penetrar nos poros da base, pois é muito fluida, garantindo a ligação da base com a argamassa mais condensada. Assim, se não houver preparo da base, não existirá uma perfeita aderência.

Superfície mais lisa
Outro ponto fundamental é garantir uma boa compactação da argamassa, seguida de sarrafeamento, que significa o corte da camada que sobra além do nível necessário. A porção da argamassa é cortada e desempenada para deixar a superfície mais lisa e menos porosa possível. Para a professora Mercia, os resultados do estudo, além de servir de referência para indicar o melhor polímero ao mercado, mostram a necessidade de se conhecer com mais detalhes a composição dessas substâncias e, a partir de novas pesquisas, levantar elementos para uma possível formulação de normas técnicas para a fabricação de polímeros específicos para a construção civil. Na opinião da professora, isso seria um passo importante num setor tão carente de normalização.

Os recursos utilizados na pesquisa recém-finalizada serão úteis para as novas pesquisas a serem desenvolvidas e, além disso, viabilizarão novos trabalhos na graduação e no mestrado. O financiamento da FAPESP, de R$ 13,6 mil, foi destinado à compra de materiais e equipamentos, como fôrmas metálicas, balanças eletrônicas, misturador planetário e dinamômetro de tração. Eles fazem parte, agora, do laboratório do Departamento de Engenharia de Construção Civil da Poli.

Perfil :
Mercia Maria Bottura de Barros é coordenadora do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Construção Civil da Escola Politécnica (Poli) da USP. Graduada em Engenharia Civil pela Universidade Federal de São Carlos, em 1985, fez mestrado e doutorado na Poli.

:Argamassas Modificadas com Polímeros para Contrapisos de Edifícios
Investimento : R$ 13.600,00

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