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Tecnologia

Modelo de aço

Unicamp desenvolve simulador que vai testar em laboratório novas tecnologias para a indústria siderúrgica

Qual é a tendência da indústria siderúrgica no fim do século 20? Apresentar produtos de melhor qualidade por um custo menor, responde um especialista no assunto, Rezende Gomes dos Santos, professor titular da área de Engenharia de Materiais da Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Usar processos que consomem menos energia e provocam o mínimo de poluição ambiental, acrescenta. Ele e um grupo de pesquisadores da Unicamp estão desenvolvendo pesquisas que vão nessa direção. Desde maio, está em funcionamento na sua faculdade o primeiro simulador de lingotamento contínuo de placas de aço produzido no Brasil.

Esse equipamento de laboratório vai permitir que as siderúrgicas realizem, em menos tempo e por um custo bem menor, experiências destinadas a descobrir novos e melhores processos para fabricar placas de aço, finas e convencionais, por meio do lingotamento contínuo. Vai permitir também uma melhor capacitação dos envolvidos no setor da siderurgia. A partir de agora, testes e ensaios poderão ser feitos em pequena escala, no interior do laboratório, sem prejudicar a produção normal das usinas.

O simulador, projetado e construído por pesquisadores e técnicos do Departamento de Engenharia de Materiais da Unicamp, é o primeiro resultado do projeto de inovação tecnológica Estudo do Processo de Lingotamento Contínuo de Placas Finas, realizado em parceria pela Unicamp e pela Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST), do Espírito Santo, a maior exportadora mundial de placas de aço. O projeto se desenvolve no âmbito do Programa de Inovação Tecnológica em Parceria (PITE).Para torná-lo possível, houve um financiamento conjunto, da FAPESP, que entrou com R$ 200 mil, e da CST, que contribuiu com R$ 80 mil. O professor Santos é o coordenador do projeto.

Chumbo e estanho
“A idéia partiu da CST, que queria um equipamento capaz de simular os fenômenos ocorridos durante o processo de lingotamento contínuo de placas”, lembra o professor Santos. Os estudos começaram em julho de 1997. Por ser um trabalho pioneiro no Brasil, com pouca literatura de referência, a fase inicial, de planejamento do simulador, foi a mais difícil. Muitas experiências foram feitas, com placas de liga de chumbo e estanho, até que o processo de lingotamento chegasse no nível ótimo no simulador. Agora, ele já está trabalhando normalmente, com aço.

“Nesta primeira bateria de testes, vamos trabalhar com aço carbono-manganês, facilmente analisável”, informa o engenheirometalurgista Júlio Cezar Bellon, do grupo de engenharia de desenvolvimento de produtos da CST, participante do projeto. “O objetivo é treinar a equipe do laboratório, inclusive em aspectos de segurança, domíniodo procedimento experimental e ajuste dos parâmetros de controle de processo”, acrescenta.

Para Bellon, a indústria ganhou, com o simulador, um equipamento versátil, capaz de obter resultados que serão aplicados na linha de produção, melhorando o desempenho, diminuindo custos e aumentando a qualidade. “O equipamento permite uma análise detalhada dos efeitos dos parâmetros de processo e da composição química, relativa à qualidade interna e superficial dos produtos obtidos”, diz o engenheiro.

Mudança global
Nesse caso, o Brasil não está sozinho. Vários centros de pesquisa realizam estudos desse tipo em várias partes do mundo, especialmente no que se refere à tecnologia das placas finas de aço. Santos lembra que a indústria siderúrgica vem passando por uma série de transformações tecnológicas, em todo o mundo, justamente com o objetivo de oferecer produtos melhores por custos mais baixos.Uma das tendências principais é justamente o desenvolvimento de processos destinados a obter produtos de aço fundido nas formas e dimensões mais próximas do possível das destinadas à comercialização. Esses produtos são conhecidos, no linguajar técnico, pela expressão inglesa Near-net-shaping-casting.

Para a usina, fabricar produtos nessas condições significa racionalizar processos e integrar etapas, ou seja, gastar menos energia e reduzir o custo final. No processo convencional, as máquinas de lingotamento contínuo, as mais usadas hoje pelas siderúrgicas, produzem primeiro as placas numa determinada espessura. Só então as placas são laminadas, em etapas sucessivas, até chegarem às dimensões com as quais serão entregues aos clientes. O tamanho com que a placa sai da máquina tem grandes variações. A largura pode ir de 0,85 metro a 2,30 metros. A espessura, de 15 a 30 centímetros. A partir dessas espessuras, a placa é submetida a um processo de laminação para que atinja a espessura desejada.

Não é preciso dizer que o processo de laminação, por melhor que seja feito, gasta enormes quantidades de energia. “Essa energia representa uma parcela significativa do custo de produção total, razão mais do que suficiente para que as siderúrgicas estejam interessadas no desenvolvimento de processos destinados a obter peças com menor espessura”, comenta Santos.

Mais finas
Recentemente, houve um grande avanço, com o aparecimento de máquinas de lingotamento contínuo que produzem diretamente placas finas, com entre 4 e 8 centímetros de espessura. Essas placas podem ser laminadas em seqüência, em laminadoras de tiras a quente, de tamanho reduzido. Para alguns especialistas, a nova tecnologia tem uma enorme vantagem, a possibilidade de acoplar lingotamento contínuo e laminação numa única unidade. Isso economizaria tempo e gasto de energia e aumentaria a produtividade.

Santos é mais cauteloso. Para ele, é preciso fazer um bom estudo de viabilidade antes de dar esse passo, pois ele não oferece vantagens em todos os casos. Há a questão do tipo e quantidade de produtos fornecidos pela usina. E há também o problema do efeito do tipo de processo sobre a microestrutura e, portanto, da qualidade final da placa. Tudo isso acontece num momento de enormes transformações na indústria siderúrgica. As mudanças começaram na década de 1970, quando a crise do petróleo forçou as usinas a melhorar drasticamente o aspecto térmico de suas operações industriais. As reformas deram origem a novos desenvolvimentos tecnológicos e aumentaram aaplicação do lingotamento contínuo na produção de aço.

A competitividade aumentou, com a ampliação da oferta de produtos siderúrgicos. Surgiram as miniusinas, que trabalham principalmente à base de sucata, cujo custo de instalação é de um quarto de uma usina convencional. Essas usinas, que funcionam principalmente nos Estados Unidos, Itália e Índia, mostraram os problemas das instalações gigantescas que vinham dominando o setor.

Mais investimentos
Os últimos anos foram caracterizados pela maior preocupação com os aspectos ambientais e pelo aparecimento de aços de baixo peso, mas grande resistência. O setor está cada vez mais preocupado com a tecnologia e houve um aumento sensível dos investimentos em pesquisa.É nesse quadro que entra o projeto da Unicamp. Além do professor Santos, participam os professores Paulo Roberto Mei, vice-coordenador, e Geraldo Nunes Telles, ambos do Departamento de Engenharia de Materiais, além de dois alunos de doutorado, três de mestrado e um engenheiro.

O projeto deve estar terminado no segundo semestre deste ano. O simulador tem, entre seus elementos, um molde retangular, com parede móvel. O aço é fundido em um forno de fusão por indução e vazado para o molde, a temperaturas superiores a 1.550 graus Celsius. Nesse momento, é aplicada a deformação, a redução da espessura com o núcleo ainda líquido, com o objetivo de melhorar a qualidade do material. Paralelamente, modelos numéricos são desenvolvidos num computador, para estudos posteriores.

Os números da CST
A Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST) é a maior fornecedora de placas de aço do mercado mundial, com cerca de 19% do mercado internacional. Em 1998, comercializou 3,5 milhões de toneladas do produto. Seu faturamento anual é de cerca de US$ 1 bilhão. Responde por 15% da produção nacional de aço bruto e é a sexta colocada no ranking dos maiores exportadores brasileiros. Tem porto próprio, em Praia Mole, e é servida por duas ferrovias.

A empresa foi formada em 1976, como companhia mista com controle do Estado, e privatizada em 1992. A sede fica em Serra, no Espírito Santo, perto de Vitória. Sua especialização é a produção de placas de aço por meio de lingotamento contínuo. As placas são relaminadas em produtos planos, com diversas aplicações.

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