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Ciclo de palestras

Moléculas, problema e solução

Palestras de abril discutem fontes alternativas de energia e mudanças climáticas

art4426img1Larissa RibeiroImagens de enchentes, florestas ressequidas e calor excessivo já são lugar-comum quando se pensa em mudanças globais do clima. A necessidade de investir em fontes alternativas de energia também já faz parte do contexto. O que não é de imediato evidente é o papel da química na história. Pois ela está em toda parte, tanto no mecanismo que leva às mudanças como nas soluções. É o que ressaltaram o climatologista Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o químico Jailson de Andrade, da Universidade Federal da Bahia (Ufba), a bióloga molecular Glaucia Souza, da Universidade de São Paulo (USP), e o químico Luiz Pereira Ramos, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), no primeiro encontro do Ciclo de Conferências do Ano Internacional da Química, realizado em São Paulo no dia 4 de abril. O ciclo, que vai até novembro, é uma iniciativa da FAPESP e da Sociedade Brasileira de Química como parte da celebração com o tema Química: nossa vida, nosso futuro, promovida pela União Internacional de Química Pura e Aplicada em parceria com a Unesco.

As conexões químicas que levam às mudanças do clima também chegam à produção de alimentos, mostrou o químico Arnaldo Alves Cardoso, da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) de Araraquara, coordenador da mesa. A revolução verde, que aumentou a produção de alimentos e rendeu ao agrônomo norte-americano Norman Borlaug o Prêmio Nobel da Paz em 1970, se baseou em grande parte na síntese de nitrogênio reativo, que pode ser usado como fertilizante. Mas os benefícios, inegáveis, também acabaram causando problemas: o excesso de nitrogênio que vai parar nos rios e na atmosfera é uma origem importante de poluição e de efeito estufa.

049_052_AnoQuimica_NOVO_183Larissa RibeiroDesafios
“Estamos vivendo mais e melhor, mas o mesmo não acontece com o planeta”, ressaltou Jailson de Andrade, destacando a importância de investimentos em sustentabilidade. Para ele, a energia, a água e a produção de alimentos são desafios interligados. “E não há um único desses desafios em que a química não seja central.”

Para a energia, o pesquisador da Bahia mostrou que não existe uma solução única. A fissão nuclear gera temores na sociedade, sobretudo agora que o acidente nuclear do Japão está fresco na memória coletiva. De qualquer maneira, para substituir o combustível consumido hoje no mundo seria necessário construir 10 mil usinas nucleares nos próximos 30 anos – uma por dia –, algo obviamente inviável. Andrade ressaltou também que a fusão, uma forma diferente de obter energia nuclear que poderia representar menos riscos, ainda está em escala experimental, e as células combustíveis a hidrogênio ainda têm um custo muito alto. A energia solar é uma grande promessa, mas é preciso melhorar a eficiência das células fotovoltaicas, que hoje só convertem em eletricidade 30% da energia solar que recebem. “Ainda somos caçadores-coletores de energia, precisamos passar a ser produtores”, avisou.

Parte da solução energética pode estar nos biocombustíveis, e é nisso que aposta o Programa de Pesquisa em Bioenergia da FAPESP, o Bioen. Nesse aspecto, segundo mostrou a coordenadora do programa, Glaucia Souza, o Brasil avança a passos largos. “Podemos chegar a substituir 30% da gasolina usada no mundo”, afirmou.

Melhorar a produção não depende só de expandir o plantio de cana-de-açúcar e construir mais usinas, mas de melhorar a produtividade – e é essa a missão dos projetos de pesquisa que integram o Bioen. O grupo liderado pela pesquisadora da USP está envolvido na melhoria genética da cana-de-açúcar por meio de genética de ponta. “A cana é o maior desafio da genômica”, disse Glaucia, “porque as hibridizações feitas ao longo do desenvolvimento de uma variedade que produzisse mais açúcar multiplicaram por 10 o genoma dessa planta.”

Com as novas tecnologias de sequenciamento, os avanços são agora muito mais rápidos do que em décadas passadas, mas não basta desvendar trechos desconexos do DNA da planta. “Já sequenciamos 70% das regiões ricas em genes, mas com 10 cópias é difícil montar esse genoma”, explicou. É preciso também entender o funcionamento desse material genético para conseguir interferir, ligando e desligando genes para melhorar a produtividade em diversas situações, como incrementar o armazenamento de açúcar sem aumentar a necessidade de irrigação e sem prejudicar o crescimento das plantas.

Somado a biorrefinarias que não emitam carbono e usem todos os subprodutos da cana, assunto que ocupa uma das vertentes do Bioen, esse vegetal altamente eficaz em produzir e armazenar açúcar pode causar mudanças importantes no quadro energético do país e do mundo.

Se os projetos que integram o Bioen deixam claro que combustível de origem vegetal é muito mais do que suco energético de plantas, Luiz Ramos, da UFPR, vai na mesma linha: soja, algodão, dendê e pinhão-manso, entre outros, são todos fontes possíveis de biodiesel. No laboratório paranaense, pesquisadores buscam desenvolver tecnologias baseadas em catalisadores reativos de alto desempenho, que melhorem a produção de etanol e biodiesel, reduzindo os poluentes emitidos por essa indústria.

A produção de etanol de segunda geração representa uma das linhas de pesquisa do laboratório de Ramos. “Conseguimos usar a explosão a vapor para transformar o bagaço de cana de forma mais seletiva e eficiente.” O processo desestrutura a parede celular de forma que a celulose fica mais disponível para gerar bioenergia. Não é um processo inédito, mas o grupo inovou com o uso de catálise e substâncias químicas auxiliares para tornar o processo mais eficaz.

O uso de catalisadores não solúveis no meio, a chamada catálise heterogênea, é a espinha dorsal de parte da pesquisa do  grupo paranaense. “O impacto ambiental e econômico é bem menor quando a catálise é verdadeiramente heterogênea”, explica o pesquisador, que faz parcerias com empresas para oferecer soluções químicas aos gargalos da produção de biocombustíveis.

Glaucia, Andrade, Ramos e Nobre durante a conferência

Eduardo CesarGlaucia, Andrade, Ramos e Nobre durante a conferênciaEduardo Cesar

Era humana
Uma tecnologia para a produção de biocombustíveis melhor e com mais fontes de energia renovável pode fazer do Brasil uma potência ambiental tropical, ressaltou Carlos Nobre. A energia hidrelétrica, maior responsável pela matriz energética com 46% de fontes renováveis, não basta. Segundo ele, o país está ficando para trás no que diz respeito às energias eólica e solar, recursos que tem de sobra. A energia fotovoltaica deve, preconiza, se tornar a fonte de energia mais disseminada, inclusive para a geração de hidrogênio como combustível. “Estamos deitados em berço esplêndido”, parafraseia o hino nacional.

Os desafios de produção de energia e de alimento, reduzindo a poluição que afeta a saúde das pessoas e está na base das mudanças climáticas globais, fazem parte do que define o Antropoceno, a época geológica caracterizada pela interferência humana: a cada hora a Terra ganha 9 mil pessoas, são emitidos 4 milhões de toneladas de gás carbônico (CO2), são derrubados 1.500 hectares de florestas, é adicionado 1,7 milhão de quilogramas de nitrogênio reativo ao solo e à água e 3 espécies são extintas. “Já ultrapassamos em muito os limites da sustentabilidade.”

O excesso de gás carbônico, que ficou popularizado como ícone do aquecimento global, não é o único vilão desses limites ultrapassados: outros gases contribuem para o efeito estufa, como o óxido nítrico e o metano. Essas substâncias químicas em excesso, tanto na atmosfera como nos oceanos, já começam a causar danos. Mas os aumentos súbitos e substanciais nas últimas décadas tornam inequívoco, de acordo com o climatologista do Inpe, o aquecimento global. “A química precisa encontrar uma maneira viável de retirar CO2 do ambiente”, avisou.

Investimentos nesse sentido têm que ser feitos antes que o sistema terrestre ultrapasse os chamados pontos de virada, em que não há mais retorno para o estado anterior. “Se passarmos esses pontos, todas as discussões serão meramente acadêmicas.” Um exemplo, novamente, é o CO2. A cada ano, a atividade humana é responsável por um acréscimo de 9,7 bilhões de toneladas desse gás, dos quais 5,5 bilhões são absorvidas pelos oceanos e pelas plantas. Esse acúmulo acaba sendo responsável pela acidificação da água do mar, que pode ter consequências sérias. Se o processo continuar no ritmo em que vai, estima-se que em 2100 o pH dos oceanos chegue a 7,8. Nessas condições, ele alertou, não se forma a aragonita, uma substância essencial para grande parte dos organismos marinhos de estrutura óssea.

Para a Amazônia, a pesquisa de Nobre tem mostrado que um aquecimento médio maior que 3,5 graus Celsius (°C) e mais de 40% de área desmatada levarão a floresta para além do ponto sem retorno, disseminando o processo conhecido como savanização. Ainda há tempo para reduzir os estragos, de acordo com o pesquisador do Inpe e membro do Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), mas as mudanças em políticas e comportamento não estão acontecendo na velocidade que a ciência julga necessária.

Para limitar o aquecimento aos 2°C preconizados pelo IPCC, o mundo inteiro não pode emitir mais de 500 bilhões de toneladas de carbono até o final do século, o que exige uma redução nas emissões atuais. As negociações são lentas, mas Nobre vê com bons olhos a liderança que o Brasil assumiu na Conferência do Clima de Copenhague, a COP-15, no final de 2009, sobre redução na emissão de gases de efeito estufa.

A química deve fazer parte da concretização dessa liderança, de acordo com os especialistas que, nessas conferências no início de abril, dirigiram seus olhares distintos para um mesmo problema. Fazendo a ponte entre biologia e física, entre urbanização e meio ambiente, essa área do conhecimento pode ser a chave para, nas próximas décadas, tornar sustentável a vida humana com as características que ela tem hoje. O ciclo de conferências é uma ocasião valiosa para discutir como essa área do conhecimento pode contribuir para os grandes desafios globais e despertar o interesse dos jovens para a investigação científica.

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