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Vírus importados

Mosquitos transmissores de dengue podem disseminar febre chikungunya

Eficiência detectada em estudo pode instalar no Brasil uma doença que ainda não existe no país

Fêmea de Aedes albopictus pode transmitir doenças ao se alimentar de sangue humano

James Gathany /cdc Fêmea de Aedes albopictus pode transmitir doenças ao se alimentar de sangue humanoJames Gathany /cdc

Com a enxurrada de visitantes que deve visitar o Brasil durante a Copa do Mundo, o parasitologista Ricardo Lourenço, pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz), tem uma preocupação que passa muito longe de aeroportos e estádios: a possibilidade de que entre no Brasil uma nova doença, a febre chikungunya. O temor vem dos fortes indícios de que os mosquitos Aedes aegypti e A. albopictus – os mesmos que transmitem a dengue – são eficazes em transmitir a doença que já existe na África, na Ásia e na Europa, e recentemente chegou à América, segundo artigo no site da revista Journal of Virology.

“A introdução do chikungunya no Brasil é inevitável”, afirma o epidemiologista Eduardo Massad, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. “Temos Aedes de sobra, eles são muito competentes em transmitir o vírus e uma proporção muito baixa deles está infectada com dengue.” Mas ele não está preocupado com a Copa do Mundo, por acontecer numa época em que a densidade de mosquitos é muito menor, pelo menos nas regiões Sul e Sudeste. “No Norte talvez o risco seja maior”, admite. Para ele, o que mais requer atenção é o pico de turismo no Brasil coincidir – todos os anos – com a alta dos mosquitos, no verão. “Eu também ficaria de olho na América do Norte”, alerta. Uma vez que o vírus se estabeleça por lá, o risco aumenta aqui também, devido aos deslocamentos constantes de viajantes.

É exatamente a capacidade de os mosquitos transmitirem o chikungunya que foi foco do trabalho coordenado por Lourenço, que também inclui pesquisadores do Instituto Pasteur e da Universidade Pierre et Marie Curie, na França. Eles avaliaram a suscetibilidade das duas espécies de mosquitos à infecção pelo chikungunya, e também a quantidade de vírus que chegam à saliva e podem infectar pessoas picadas. “Eles são competentes para transmitir a doença, mas a competência é heterogênea”, resume Lourenço. O grupo analisou mosquitos recolhidos em 35 populações em vários pontos das Américas, diante de três tipos de vírus: o original africano, outro que se espalhou para a Índia e a Europa, e uma variedade asiática que começou a se disseminar pelo Caribe.

No Brasil, foram analisados mosquitos provenientes de 10 cidades, em todas as regiões do país. Os resultados para o Rio de Janeiro foram especialmente preocupantes: “Quase 90% dos mosquitos eram capazes de transmitir a doença sete dias após infectados”, conta o pesquisador, “uma taxa de transmissão muito alta”. Em alguns casos os mosquitos já tinham uma carga suficiente na saliva apenas dois dias depois de receberem os vírus, o que aumenta muito a possibilidade de serem vetores. Segundo Lourenço, a transmissão da dengue pelas mesmas espécies é 2 a 5 vezes mais lenta: leva entre 10 e 14 dias. É importante porque, nesse caso, a maior parte dos mosquitos acaba não sobrevivendo o suficiente para se tornar transmissor. Mesmo assim, a epidemia de dengue muitas vezes preocupa.

A febre chikungunya tem sintomas semelhantes aos da dengue, mas causa dores articulares fortes quase imediatamente, sobretudo nas mãos e nos pés. Essas dores podem continuar incomodando por um tempo mais longo, por semanas ou meses. Até o final de 2013, só tinham sido detectados nas Américas casos em que o paciente foi infectado no exterior. Mas então uma epidemia se instalou na ilha de Saint-Martin, um território francês no Caribe, e se espalhou para outras ilhas e chegou à Guiana Francesa. “Se chegar aqui, tem facilidade de transmissão”, avisa Lourenço.

Para ele, a possibilidade preocupa porque pode coexistir com a dengue e confundir o diagnóstico. “Se uma pessoa tiver dengue e os agentes de saúde acharem que é chikungunya, pode haver uma subnotificação de dengue e, em consequência, um risco maior da forma hemorrágica”, imagina. Por isso, ele propõe uma vigilância cerrada para evitar que o vírus chikungunya se instale aqui. “Se for detectado um caso, é preciso que se tome providências focais para evitar a transmissão e eliminar focos de mosquito na área.”

Para sair do terreno das especulações, Massad está começando a calcular o risco de o vírus se espalhar no Brasil. Quaisquer que sejam os resultados, parece certo que é momento de atenção.

Artigo científico
VEGA-RÚA A. et al. High vector competence of Aedes aegypti and Aedes albopictus from ten American countries as a crucial factor of the spread of Chikungunya. Journal of Virology. On-line 26 mar. 2014.

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