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Carta da editora | 233

Mudanças de comportamento

A integridade no comportamento é um valor comum da vida social e deveria ser praticado em todas as atividades humanas. Em algumas áreas, como na ciência, os tropeços de seus expoentes atraem holofotes, possivelmente devido à expectativa de que, em uma atividade construída sobre princípios e métodos, que busca o avanço do conhecimento, não caiba a má conduta. Os percalços enfrentados no estabelecimento de boas práticas científicas, e não os escândalos, são o objeto da reportagem de capa desta edição, que mostra diversas iniciativas de promoção de uma cultura de integridade em universidades e instituições de pesquisa mundo afora. Um marco desse processo no Brasil foi o lançamento do Código de boas práticas da FAPESP, baseado em três pilares, sendo o primeiro justamente a educação, além da prevenção e da investigação. Atividades de educação e treinamento para pesquisadores em formação e formados, essenciais para a promoção dessa cultura de integridade, são ainda escassas no Brasil, mas pouco a pouco ganham espaço e importância dentro das instituições.

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Alterações no comportamento humano, no caso sexual, podem explicar uma significativa mudança no perfil dos pacientes com câncer de cabeça e pescoço. Os tumores de língua, céu da boca, amígdala, faringe e laringe eram comumente associados a homens acima de 50 anos, fumantes e consumidores imoderados de bebidas alcoólicas, mas na última década passaram a acometer pessoas entre 30 e 45 anos que não apresentam essas características comportamentais. Indícios apontam que o papilomavírus humano (HPV) seja a causa de infecções que facilitam a formação de tumores nessas regiões. A associação do vírus ao câncer pode estar relacionada ao sexo oral com muitos parceiros – o uso de preservativo pode ser insuficiente como prevenção, dado que não evita o contato com áreas contaminadas não cobertas pela proteção. Em 10 anos, os casos de câncer de amígdala associados ao HPV passaram de 25% para 80%. A mudança no perfil dos pacientes coloca-se como novo problema de saúde pública, que deve levar à elaboração de novas formas de prevenção, além de tratamento.

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Primeira educadora e terceira mulher a vencer o prêmio Álvaro Alberto, principal honraria científica do país, Magda Soares combina atividade de pesquisa sobre alfabetização, leitura e escrita com a transposição didática do conhecimento produzido para a ação pedagógica, principalmente por meio da elaboração de livros didáticos. Dedicou-se a entender a relação das crianças das camadas populares com os adultos que as educam. Procurando identificar as causas do fracasso escolar das crianças de escolas públicas, o diagnóstico da educadora inverte os termos da explicação convencional: a deficiência não é do aluno, mas do ensino que ele recebe. Em obra da década de 1980, ainda atual, propõe que as diferenças entre os alunos são tratadas como deficiências porque a escola não sabe lidar com a diferença. O fim da discriminação contra crianças das escolas públicas, para a educadora, é uma mudança de comportamento necessária para melhorar a qualidade do ensino e, portanto, de aprendizagem. Para a formação de cientistas íntegros, assim como de cidadãos letrados e alfabetizados, ainda há muito a ser feito. A educação é vital em todas as atividades e durante toda a vida.

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