Uma área no oeste da Suíça que abriga universidades de pesquisa, hospitais e laboratórios de empresas vem ganhando destaque como um polo de startups no campo das ciências da vida. Nos arredores de Lausanne, capital do cantão de Vaud, despontaram nos últimos anos cerca de mil empresas inovadoras, boa parte delas em áreas como oncologia, biotecnologia, medicina de precisão e nutrição, municiadas pelo conhecimento produzido por instituições como a Escola Politécnica Federal de Lausanne (EPFL), o Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer ou o Centro Hospitalar Universitário de Vaud (Chuv).
Nenhum outro cantão – como são chamadas as 26 unidades da confederação suíça – atraiu tanto capital de risco no passado recente como Vaud. Foram 1,12 bilhão de francos suíços, o equivalente a R$ 4,2 bilhões, entre 2014 e 2017, de acordo com dados da Innovaud, uma plataforma criada pelo governo em 2013 para estimular a captação de capital de risco e oferecer infraestrutura a empresas. “Vaud se tornou o coração do Vale da Saúde da Suíça, que reúne instituições de pesquisa de classe mundial e um cluster de empresas de tecnologia. Contamos uma nova startup a cada semana”, disse o bioengenheiro Pierre-Jean Wipff, conselheiro de inovação do Innovaud.
O caso mais bem-sucedido é o da Mindmaze, primeira startup do país a atingir valor de mercado superior a US$ 1 bilhão antes de abrir capital, que trabalha com neurociência e realidade virtual para criar interfaces homem-máquina. Ela foi criada em 2012 pelo engenheiro e neurocientista indiano Tej Tadi, de 38 anos, que se estabeleceu no país em 2004 para fazer um doutorado na EPFL. A empresa, que emprega 50 pesquisadores, já obteve US$ 110 milhões em cinco rodadas de captação de capital de risco. Seu primeiro produto foi o MindMotion Pro, um dispositivo que usa recursos de realidade virtual para acelerar a recuperação de pacientes que sofreram acidente vascular cerebral. O equipamento cria programas de reabilitação personalizados e facilita a interação do usuário, com o apoio de câmeras de captura de movimento em três dimensões e programas de reconhecimento de objetos. As ambições da companhia se estendem para outros segmentos, como games e redes sociais: em 2017, a Mindmaze lançou o Mask, uma espécie de visor que consegue capturar movimentos faciais e os mapeia em um avatar de realidade virtual. Um dos investidores dessa nova iniciativa foi o ator norte-americano Leonardo Di Caprio.
O avanço das startups em Vaud se deve, em boa medida, à tradição da Suíça em abrigar empresas que produzem tecnologia no campo das ciências da vida – 40% das exportações do país vêm da indústria farmacêutica – e também à interação das empresas com o conhecimento produzido em universidades. “O ecossistema de inovação suíço sempre funcionou muito bem nesse domínio”, explicou ao jornal Le Temps o analista de mercado Thomas Heimann, da empresa de investimentos HBM Healthcare. Embora as sedes de empresas de medicamentos se concentrem no norte do país, na região da Basileia, várias multinacionais mantêm laboratórios de pesquisa e desenvolvimento (P&D) nas cercanias de Lausanne, como é o caso da Merck, Novartis e Johnson & Johnson.
Com 20 mil pesquisadores e 4 mil estudantes em áreas das ciências da vida, o cantão de Vaud é pródigo em atrair talentos de fora. Com uma área duas vezes maior que a cidade de São Paulo, tem 800 mil habitantes – 30% deles são estrangeiros. De acordo com Heimann, a expertise criada na EPFL ajuda a explicar o impulso das empresas inovadoras no cantão. “É uma escola orientada para a prática e um terreno fértil para start-ups, que ganharam força com a chegada de novos fundos de capital de risco à Suíça”, afirmou. No ranking de 2018 das melhores universidades do mundo da Times Higher Education, a EPFL, que tem 10 mil alunos e quase 4 mil professores, aparece em 38º lugar. A instituição foi fundada em 1859, mas tornou-se uma escola federal, com estrutura de universidade de pesquisa, em 1969. Mantida pelo governo suíço, é ativa em transferência de tecnologia e contabiliza 245 startups criadas entre 2000 e 2017 resultantes de pesquisas feitas na instituição. As escolas de Ciências da Vida, Engenharia e de Ciências da Computação da EPFL são as unidades mais produtivas em geração de patentes – foram 97 depósitos em 2017 – e em empresas nascentes – 120 startups e 26 grandes empresas estão instaladas no parque tecnológico da universidade, vizinho a seu campus. A EPFL também tem tradição em colaborações com o setor privado. Apenas em 2018, parceiros do setor industrial investiram em pesquisas na instituição 34 milhões de francos suíços, o equivalente a R$ 127 milhões.
Outra startup de destaque em Lausanne é a ADC Therapeutics, que desde 2012 já levantou mais de 455 milhões de francos suíços, o equivalente a R$ 1,7 bilhão. Seu foco é o desenvolvimento de ADCs (antibody-drug conjugates), substâncias usadas para atacar tumores de modo bastante específico. A empresa utiliza anticorpos monoclonais de antígenos tumorais que são conjugados a uma classe de antibióticos para matar seletivamente células cancerígenas. A empresa tem seis ensaios clínicos em andamento com pacientes com linfomas, leucemia e alguns tipos de tumores sólidos que já não respondem a tratamentos convencionais. A AstraZeneca, multinacional com sede no Reino Unido, vem investindo na ADC desde 2013. De acordo com o CEO da empresa, Chris Martin, o ecossistema de inovação de Lausanne se tornou um ativo importante para a ADC, que tem parcerias com grupos de pesquisa da EPFL e do Chuv.
A ADC está instalada no Biopôle, um campus de ciências da vida no distrito de Épalinges, em Lausanne, criado para estimular colaborações entre grandes empresas, pesquisadores e empreendedores. O complexo, com 134 mil metros quadrados, reúne laboratórios de 25 grupos de pesquisa de universidades da região, que atuam em conjunto com uma incubadora de startups com laboratórios multiusuários e um centro de bioinformática. As instalações serão ampliadas até 2021 e devem ganhar mais 48 mil metros quadrados de área construída, com dois prédios de escritórios e laboratórios, um deles dedicado ao Departamento de Medicina Personalizada do Chuv. Também serão construídos 9 mil metros quadrados de laboratórios do Instituto Ludwig, que prevê investimentos na região de US$ 100 milhões nos próximos 10 anos.
A presença do Ludwig – instituição filantrópica norte-americana que administra um fundo de US$ 1,2 bilhão – em Lausanne é antiga e foi reforçada em 2013, quando constituiu uma parceria com a EPFL e o Chuv para criar o Swiss Cancer Center Léman, um consórcio dedicado à criação de tratamentos personalizados contra câncer. A escolha da região não foi ocasional: pelo menos 60 grupos de pesquisa em oncologia estão concentrados em instituições sediadas em Vaud. Outra empresa de mudança para o Biopôle é a indiana Glenmark Pharmaceuticals, que vai transferir 20% de seus técnicos e pesquisadores da sede no cantão vizinho de Neuchâtel para um centro de pesquisa translacional no campus de Lausanne. A empresa, que iniciou suas atividades produzindo medicamentos genéricos, tem como foco hoje o desenvolvimento de drogas contra câncer, doenças respiratórias e dermatológicas.
Vaud não é um exemplo isolado de concentração de startups na Suíça. Zurique, no nordeste do país, agrega centenas de empresas de tecnologia de informação e comunicação, sob impulso da expertise também de uma grande escola politécnica federal instalada na cidade. Essa vocação teve reflexo em cantões vizinhos, como o de Zug, de 23 mil habitantes, que abriga dezenas de empresas de criptomoedas e de blockchain – registro de transações digitais com garantia de autenticidade. “Trata-se de um polo emergente de empresas financeiras de alta tecnologia, as fintechs”, disse Philippe Praz, diretor do Swiss Business Hub Brasil, escritório brasileiro de uma agência ligada aos ministérios da Economia e das Relações Exteriores da Suíça encarregada de promover pequenas e médias empresas do país no exterior. Praz conta que o mercado consumidor brasileiro está na mira de empresas de várias regiões da Suíça, como as que fabricam equipamentos médicos e odontológicos. Segundo ele, startups que atuam no mercado de drones também têm interesse em vender seus produtos para agricultores do país. “Em 2019, montaremos estandes de empresas suíças para participar de feiras dessas áreas no Brasil”, afirmou.
Em relação às fintechs, o interesse é de mão dupla. Praz cita exemplos como a Bit One, startup fundada no Rio de Janeiro que desenvolveu tecnologia para uso de criptomoedas como forma de pagamento em e-commerce. Em 2017, ela foi uma das 15 empresas selecionadas para participar de um programa de aceleração de fintechs em Zurique – e hoje estabeleceu-se na Suíça, onde o mercado de criptomoedas está regulamentado. “Em 2018, organizamos uma missão de fintechs na Suíça que teve a participação de 25 startups brasileiras e teremos uma nova missão nesse ano”, diz Praz.
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