Guilherme LepcaMuitos foram os pais da internet, porque ela não foi obra nem inspiração de apenas uma pessoa. Nasceu e se desenvolveu num ambiente acadêmico com financiamento da Advanced Research Projects Agency (Arpa), uma agência militar de pesquisas ligada ao Departamento de Defesa (DoD) norte-americano, criada em 1958 para enfrentar a chamada Guerra Fria que os Estados Unidos travavam com a então União Soviética. A ideia era buscar tecnologias que não centralizassem o processamento e o arquivamento de informações nos grandes computadores e permitissem a troca de dados entre eles. Em outubro de 1962, a Arpa contratou Joseph Licklider, que havia sido pesquisador do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e trabalhava na Bolt Beranek and Newman (BBN), empresa formada por professores e alunos do MIT. Licklider pesquisava a interação entre computadores e usuários e havia estudado física, matemática e psicologia. Ele publicou, ainda no início dos anos 1960, uma série de artigos em que comentava a possibilidade de utilizar computadores interconectados para compor uma comunicação global com acesso a bibliotecas eletrônicas. Na Arpa ficaram famosos os seus memorandos chamando seus colegas de “membros da comunidade intergaláctica de computadores”. Licklider foi o primeiro diretor do Escritório de Técnicas de Processamento da Informação (IPTO, na sigla em inglês), que foi o embrião da Arpanet, a predecessora da internet.
Algumas tentativas iniciais foram feitas pela Arpa para conectar computadores, mas não tiveram sucesso. A história começou a mudar quando Leonard Kleinrock, professor da Universidade da Califórnia de Los Angeles (Ucla), apresentou, em maio de 1961, no MIT uma tese de doutorado com uma teoria que mais tarde seria chamada de comutação de pacotes, em que a informação seria transformada em pequenos pacotes eletrônicos antes de ser enviada para outro computador, o que caracteriza a internet atual. Na mesma época, o engenheiro Paul Baran, da Rand Corporation, uma organização criada no final da Segunda Guerra Mundial para assessorar a Força Aérea norte-americana, também demonstra viabilidade da comutação de pacotes eletrônicos digitais. Do outro lado do Atlântico, na Inglaterra, a comunicação por pacotes também era objeto de estudo. O professor Donald Davies, do Laboratório Nacional de Física do Reino Unido, coordenou, no início dos anos 1960, um projeto de redes de comunicação de computadores financiado pelo governo britânico. Foi ele que deu o nome packet (pacote) ao sistema em um memorando do NPL em junho de 1966.
Nessa época já existia teoria suficiente para seguir em frente na formatação de uma rede de comutação de pacotes e, em1968, os pesquisadores da Arpa, sob a coordenação de Lawrence Roberts e Robert Taylor, elaboraram com a participação de pesquisadores de outras universidades, inclusive Kleinrock, um sistema chamado de Interface Message Processor (IMP) para permitir a comutação de pacotes de dados entre computadores de fabricantes diferentes. Já naquele momento foi definida a função dos hosts, computadores hospedeiros de dados que mais tarde seriam chamados de roteadores com a função de levar as mensagens até o destino correto. Para implementar o sistema a Arpa fez uma licitação e a BBN ganhou. Na empresa, entre outros pesquisadores estava Robert Kahn, que anos depois foi um dos autores do protocolo da rede internet, ou Transmission Control Protocol-Internet Protocol (TCP/IP).
Em setembro de 1969 foi instalado o primeiro host da futura rede na Ucla, no laboratório de Leonard Kleinrock. O segundo computador foi conectado no Stanford Research Institute (SRI), em Menlo Park, também na Califórnia, no laboratório do professor Douglas Engelbart, pesquisador que, junto com William English, criou o mouse em 1968. A primeira conexão aconteceu naquele mesmo mês de outubro de 1969, no dia 29, às 22h30, com uma mensagem que partiu do laboratório de Kleinrock para o SRI. No seu site ele conta como isso aconteceu: “Eu estava supervisionando o estudante-programador Charley Kline e nós fizemos a transmissão da mensagem do computador Host SDS Sigma 7 para o computador Host SDS 940 da SRI. A transmissão era simplesmente para fazer o login [código de acesso] para a SRI com a equipe do professor Engelbart. Nós tivemos sucesso em transmitir o ‘l’ e o ‘o’ e então o sistema caiu. Por isso, a primeira mensagem na internet foi ‘lo’[olhe]. Nós estávamos aptos para fazer o login total uma hora mais tarde”.
No mês seguinte, entraram na rede as duas outras unidades iniciais da Arpanet, a Universidade Californiana de Santa Bárbara (UCSB) e a Universidade de Utah, instalada na cidade de Salt Lake City. Ela começou como uma rede com quatro grandes computadores e uma velocidade de 2,4 kilobits por segundo (kbps), que logo subiu para 50 Kbps, após acordo com as companhias telefônicas proprietárias das linhas que sustentavam a rede.
Esquema para guerra
A Arpanet estava então concebida e testada como uma rede de comunicação descentralizada, sem uma central de operações. Dos quatro computadores, se dois não funcionassem em um ambiente de guerra, por exemplo, os outros dois poderiam se comunicar. Por envolver a segurança nacional, naquele momento, a Arpanet ficou restrita a alguns institutos de pesquisa governamentais e universidades. Em dezembro de 1970, o Network Control Protocol (NCP), o antecessor do TCP/IP, ficou pronto tornando a comunicação mais fácil. Logo depois, universidades como Carnegie Mellon, Harvard, MIT, além da agência espacial norte-americana (Nasa) e empresas como BBN e Rand, estavam conectadas. A troca de mensagens logo ganhou mais facilidades com um programa dedicado a correio eletrônico, desenvolvido em 1971 pelo engenheiro eletrônico Raymond Tomlinson, da BBN. No ano seguinte, a Arpa passa a se chamar Darpa com a adição da palavra “defesa” na sigla.
Guilherme LepcaMesmo criada com fins militares, a Arpanet conectava principalmente pesquisadores acadêmicos e as trocas de mensagens começaram a extrapolar a esfera militar e científica, pulando também para troca de mensagens pessoais. No restante do mundo novas redes como a Bitnet começaram a surgir, mas o NCP era incompatível com elas. Para resolver esse problema, Robert Kahn, agora contratado da Darpa, chamou o professor Vinton Cerf, do Instituto Stanford, para formatar um novo protocolo de intercomunicação. Depois de vários experimentos realizados com o novo protocolo, o Departamento de Defesa resolve que, em janeiro de 1983, todos os computadores da Arpanet deveriam mudar para o TCP.
Com a Arpanet fechada para poucos, algumas universidades norte-americanas queriam ter uma rede própria. Em 1979, essas universidades ganham o apoio da National Science Foundation (NSF), dos Estados Unidos. Dois anos depois, com um orçamento de US$ 5 milhões, começou a funcionar a Computer Science Network (CSNet) reunindo grupos de pesquisa de computação que estavam fora da Arpanet. A nova rede usou o TCP/IP e foi a primeira a ter conexão com a Arpanet. A CSNet foi mantida pela NSF por um período de três anos, depois se tornou independente.
Sem a CSNet, a NSF planejou uma nova rede mais ampla que pudesse abranger não apenas os estudiosos em computação e transformá-la em uma ferramenta para a pesquisa acadêmica, inclusive fornecendo a tecnologia para qualquer pessoa dentro da universidade, e não apenas para os pesquisadores. A instituição lançou em 1986 a NSFNet com o objetivo de interligar redes, a “inter net”, como foi escrito ou fazer uma rede de redes. A NSFNet começou suas atividades utilizando o TCP/IP a uma velocidade de 56 kbps. Ela estimulou redes regionais nos Estados Unidos e montou uma estrutura de conexões de internet no país. No início dos anos 1990, a maioria das redes, como a Bitnet e a CSNet, passou a ser roteada para a internet, demonstrando a versatilidade do sistema. Nesse ponto, os militares resolveram criar a sua própria rede, a Milnet, e a Arpanet foi extinta. Nos anos seguintes, outros países aderiram à NSFNet e ocorre um aumento sem precedentes que fez crescer os olhos de quem estava fora das redes acadêmicas ou saía da universidade e sentia falta delas. Assim, em 1991, a NSF permite o uso da rede para fins comerciais e a partir de 1995 transfere sua estrutura para a iniciativa privada.
Antes de a internet tornar-se aberta a todos, outra tecnologia surgiu para fortalecê-la. Foi o nascimento da world wide web, nos laboratórios da Organização Europeia de Pesquisas Nucleares, conhecida como Cern. Ela foi concebida pelo físico inglês Timothy Berners-Lee, pesquisador da instituição, que estudava um sistema para trocar documentos científicos entre instituições ligadas ao Cern existentes em várias partes do mundo. Ele criou o hipertexto e meios de acessar links, além de facilitar a troca e a exposição de documentos. O termo world wide web foi inventado por ele quando escrevia o código do novo sistema em 1989. Berners-Lee propôs, em 1990, junto com o engenheiro belga Robert Cailliau, o protocolo de transferência de hipertexto (HTTP, na sigla em inglês) e a linguagem de marcação de hipertexto (HTML), um software para desenho de páginas na web. O HTTP é também um protocolo baseado no TCP/IP. Como tudo na internet, o crescimento foi muito rápido. Contou muito para essa expansão o fato de o Cern e Berners-Lee não solicitarem uma patente do invento. Com o sistema HTTP difundido, pesquisadores do Centro Nacional de Supercomputação e Aplicações, da Universidade de Illinois, campus de Urbana-Champaign, nos Estados Unidos, criaram o Mosaic em 1993, o primeiro navegador da web com as informações posicionadas de forma gráfica que depois originou o Netscape, o primeiro comercial, que difundiu a web para todo o planeta.
Perto do fim
A primeira geração de números Internet Protocol (IP), que identifica cada computador, está se esgotando
Para a internet funcionar e cada mensagem chegar a seu destino ou ainda o usuário encontrar um servidor vinculado a um determinado site, cada equipamento da rede possui um número previamente codificado. Ao se conectar pela primeira vez à internet, o novo computador, e mais recentemente um celular ou tablet, recebe um número IP, o Internet Protocol, que o identifica dentro da rede. Por abranger o mundo todo, a liberação e controle dos números é centralizada na Autoridade para Administração de Números Internet (Iana, na sigla em inglês), instalada nos Estados Unidos. Desde o início da internet utiliza-se um conjunto de números existentes, conhecido como IP versão 4 (IPv4), com 4,3 bilhões de números. Mas ele está se esgotando. Existem disponíveis para o mundo apenas 2,73% do total. A solução que já está sendo implementada é o IPv6, um sistema com um número fantástico. A nova versão é igual ao número 340, seguido de mais 36 números, ou 79 trilhões de trilhões de vezes o espaço do IPv4. Os novos equipamentos e sistemas operacionais já estão preparados para o novo sistema, que ainda vai conviver com o antigo por muitos anos.
“O problema está no provedor, se precisar de muitos números e ainda ele não se adaptou ao IPv6, terá dificuldades para acessar a rede no futuro”, diz Demi Getschko, diretor presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), a entidade que recebe blocos de números do Iana e é responsável no Brasil para distribuição e controle dos números IP. Foi ele, quando coordenava o CPD da FAPESP e iniciava a internet no país, que recebeu da Iana o primeiro lote de números IP para o Brasil de 4 milhões de números em 1994, quando a internet entrou na fase comercial. “Antes pedíamos diretamente a eles e depois de recebermos os números organizávamos os blocos para a USP, a Unicamp e demais instituições acadêmicas. Os demais alocávamos gratuitamente por meio de um formulário de justificação”, diz Getschko. Somente em 2005 a FAPESP deixou de fazer esse controle. Naquele ano, o Comitê Gestor da Internet (CGI) tomou para si essa responsabilidade
e criou o NIC.br.
Republicar