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Entrevista

Nathan Jacob Berkovits: Esforço reconhecido

Diretor do Centro Internacional de Física Teórica da Unesp ganha prêmio por papel de liderança nas pesquisas da área na América Latina

Léo Ramos Chaves

Desde 2012, o primeiro andar do prédio no bairro paulistano da Barra Funda que abriga o Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (IFT-Unesp) é ocupado pelo Centro Internacional de Física Teórica (ICTP) do Instituto Sul-americano para Pesquisa Fundamental (Saifr), unidade associada ao ICTP original, fundado em 1964 em Trieste, na Itália. Professor do IFT, o norte-americano naturalizado brasileiro Nathan Jacob Berkovits, 59 anos, é o primeiro e até agora único diretor do ICTP-Saifr, iniciativa financiada pela Unesp, FAPESP e pelo centro italiano.

Em outubro, Berkovits dividiu o Prêmio John Wheatley de 2021 com o guatemalteco Fernando Quevedo, ex-diretor do ICTP em Trieste e hoje na Universidade de Cambridge, Reino Unido. A honraria é concedida a cada dois anos pela Sociedade Norte-americana de Física (APS) a pesquisadores que deram uma contribuição para o avanço da física em países em desenvolvimento. A APS justificou a escolha de Berkovits por sua “excepcional liderança na pesquisa em física teórica na América Latina”.

Nesta entrevista, o pesquisador fala do funcionamento do ICTP-Saifr, conta como veio parar no Brasil e comenta pesquisas em sua área específica de atuação, a teoria das cordas. Segundo esse modelo físico-matemático, em vez de serem objetos pontuais, as partículas elementares de matéria seriam filamentos microscópicos unidimensionais, semelhantes a cordas, que vibrariam em 10 dimensões do espaço-tempo.

Qual é a importância desse prêmio?
Espero que ele facilite a vida do centro no sentido de manter os apoios que temos e conseguir novas parcerias. É importante para dar visibilidade às atividades que fazemos e queremos fazer. Conheço as pessoas que costumam ser os jurados desses prêmios e sei como eles funcionam. Não quero dizer que mereço o prêmio mais do que outros. Isso não é verdade. Há pesquisadores que fazem ótimos trabalhos, mas são menos conhecidos só porque têm menos conexões na área. Cresci nos Estados Unidos e conheço muitas pessoas. O Quevedo também é bem conhecido.

Você se formou na Universidade Harvard em 1983, concluiu o doutorado na Universidade da Califórnia em Berkeley em 1988 e passou por três estágios de pós-doutorado antes de se transferir para o Brasil em 1994. Por que resolveu vir para cá?
Minha primeira esposa, também física, era brasileira e eu já tinha visitado o país antes de me mudar para cá. Estava no King’s College London, no Reino Unido, e poderia ter ficado lá. Mas gostei do Brasil e da ideia de tentar alguma coisa nova em outro lugar. Cheguei ao país com uma boa bolsa do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], que, na época, pagava mais até do que alguns professores ganhavam nas universidades. Prestei um concurso para a Universidade de São Paulo [USP]. Pensei que iria passar, mas não passei. A vaga foi para outro pesquisador. O IFT estava para abrir uma vaga e acabei passando no concurso. Trabalhar aqui é muito bom. Temos apenas pós-graduação e pouca burocracia. Damos aula um semestre por ano. Temos a possibilidade de fazer pesquisa e viajar para eventos da área.

Aqui há apenas pós-graduação e pouca burocracia. Damos aula um semestre por ano e temos a possibilidade de fazer pesquisa

Naquela época, as condições de trabalho no IFT já se destacavam?
A única coisa de que senti falta eram seminários com pesquisadores de primeira linha. Os encontros daquela época não tinham o mesmo nível que passaram a ter depois da criação do ICTP-Saifr. A crise atual é a primeira que enfrento no país. Pouco antes de eu chegar no Brasil, a inflação elevada havia sido controlada. A moeda já era o real e as coisas funcionavam. Nunca pensei seriamente em sair do país.

Como surgiu a ideia de criar o centro?
Todos os continentes têm esse tipo de centro na área de física teórica, onde há eventos e trabalhos que atraem os melhores pesquisadores de uma área. Antes de nós, a Argentina teve algo parecido em Buenos Aires, mas que funcionou por dois ou três anos. Quevedo, que então era diretor do ICTP em Trieste, teve a ideia de criar centros parceiros e fomos o primeiro. Na época, eu tinha um projeto temático na FAPESP, mas não conhecia a direção da Fundação nem o reitor da Unesp. Fazia a minha pesquisa e estava feliz. Mas, com a possibilidade de ter um centro, conversei com o então reitor Herman Voorwald, que gostou da ideia e havia dinheiro. A FAPESP também gostou. Do ponto de vista administrativo, o centro de Trieste ajudou muito no começo, mas não financeiramente. Inicialmente, eles davam € 50 mil por ano. Em seguida, deixaram de dar uma quantidade anual fixa e passaram a nos apoiar com financiamento de atividades em conjunto.

Como o centro é financiado hoje?
Para as atividades científicas, a FAPESP investe cerca de R$ 2 milhões por ano. Isso nos possibilita ter bolsistas, inclusive em nível de pós-doutorado e até na modalidade Jovem Pesquisador, além de um jornalista. Temos quatro funcionários fixos, pagos pela Unesp, além de mim e do Rogério Rosenfeld, que somos do IFT e, respectivamente, diretor e vice do ICTP-Saifr. Hoje temos também atividades de extensão, que se tornaram importantes e são financiadas pelo Instituto Serrapilheira. Há sete anos, também recebemos bolsas da Fundação Simons, dos Estados Unidos. Com isso, atraímos pesquisadores muito bons, que ficam aqui por cinco anos. O problema é que eles deixam o país quando termina a bolsa se não abrem vagas nas universidades daqui. Temos também um professor em conjunto com o Instituto Perimeter, do Canadá, o físico teórico Pedro Vieira, de 38 anos. Ele ganhou vários prêmios internacionais, incluindo o Breakthrough New Horizons de 2020, financiado pelos donos do Google e Facebook. Ele tem uma posição fixa lá, mas passa seis meses por ano aqui por meio do programa São Paulo Excellence Chair [Spec] da FAPESP. Agora contamos com um professor espanhol, Ricardo Martínez-Garcia, que fez pós-doutorado na Universidade de Princeton e vai coordenar um novo programa, financiado pelo Instituto Serrapilheira sobre biologia quantitativa. Esse tema está na moda, ainda mais com a pandemia de Covid. E, finalmente, temos de novo o italiano Riccardo Sturani, que participa no experimento Ligo/Virgo de observação de ondas gravitacionais. Sturani veio da Itália para o ICTP-Saifr em 2013 como Jovem Pesquisador da FAPESP.Depois foi para a Universidade Federal do Rio Grande do Norte como professor visitante e, neste ano, voltou para cá.

Quantos alunos de pós-graduação passam anualmente pelo IFT?
O IFT tem cerca de 60 alunos, um pouco mais da metade fazendo doutorado e o restante mestrado. Desde a criação do centro, a pós-graduação do IFT recebe a nota máxima 7 da Capes e muitos dos alunos que querem fazer física teórica vão para o IFT atraídos por nossas atividades. Sabem que vão encontrar entre 15 e 20 atividades por ano, não todas na área deles, obviamente. Os alunos que participam das nossas atividades, como cursos, workshops, seminários e escolas temáticas, chegam à casa dos 800 por ano. Um evento típico nosso tem 20 alunos da América do Sul e 40 do Brasil, metade desses de São Paulo. A maior parte dos nossos palestrantes é dos Estados Unidos e da Europa e alguns da América do Sul. Sempre quis evitar fazer eventos que trazem muitos palestrantes. Eles são muito caros e não geram tanto retorno para os alunos. Nas nossas escolas temáticas, não trazemos mais do que seis palestrantes do exterior.

Você se inspira em algum modelo para tocar o centro?
Para mim, o único modelo que funciona no Brasil é o do Impa [Instituto de Matemática Pura e Aplicada, no Rio de Janeiro]. Estive lá pela primeira vez há 15 anos. Fiquei espantado. As universidades no Brasil têm um ou outro departamento realmente bom. Mas não há aqui uma universidade como Harvard. Se alguém está em Harvard, ele é top. No Impa, também é assim. Os salários são excelentes, só trabalham com pós-graduação, dão pouca aula e fazem muita pesquisa. O ICTP-Saifr não teria condições de ter um centro do tamanho do Impa, apenas algo menor. Mas, para isso, precisaríamos de mais doações privadas como as da Fundação Simons.

Léo Ramos Chaves Palestra da física argentina Marcela Carena ministrada no ICTP-Saifr em 2016: eventos atraem alunosLéo Ramos Chaves

Com a pandemia, todas as atividades do centro passaram a ser on-line?
Sim. O número de pessoas que participa das atividades é enorme. Mas não sabemos se elas estão mesmo assistindo às palestras e cursos ou somente estão com seus computadores ligados. Alguns organizadores preferem adiar os eventos para quando a pandemia passar. Mas acho que o custo-benefício do evento on-line compensa. Para um pesquisador que participa do workshop, não há tanta perda. Para os alunos, ela é maior. Eles não têm a mesma interação com os pesquisadores e podem ter receio de fazer perguntas.

Por que resolveu trabalhar com a teoria das cordas?
Sempre gostei das áreas de física e matemática, mas foi um acidente trabalhar com cordas. Nos Estados Unidos, diferentemente do Brasil, o aluno de doutorado primeiro entra em um programa de pós-graduação e depois procura um orientador. Em Berkeley, havia dois professores famosos na física. Escolhi um deles, Stanley Mandelstam [1928-2016], mas não sabia com o que ele trabalhava. Queria fazer doutorado com ele apenas porque ele era famoso. Bati então na porta dele e ele me perguntou o que eu queria estudar. Acabei respondendo o que eu não queria fazer. Então ele me disse que eu deveria trabalhar com cordas, que era o que ele estudava no momento. Na época, havia poucas pessoas na área. Nos anos 1970, a teoria das cordas tinha sido popular entre os físicos. Mas o interesse foi diminuindo e poucas pessoas trabalhavam com cordas nos anos 1980. Comecei a trabalhar com o tema e gostei. Mais tarde, quando a área voltou a atrair mais interesse, eu já estava bem colocado.

Como você introduz as ideias centrais da teoria das cordas para um leigo?
Começo falando do modelo-padrão da física de partículas [teoria que explica do que é feita a matéria e como ela se comporta no nível subatômico]. Depois, abordo os problemas que fazem com que a teoria da gravitação, devido a problemas quânticos, não caiba nesse modelo. Comento então que o modelo-padrão está baseado na ideia de que as partículas são pontuais. O elétron, o fóton, o bóson de Higgs [partícula elementar que confere massa às demais partículas] são descritos como objetos que estão em um ponto do espaço. Em seguida introduzo a ideia de que, em outra teoria, na de cordas, essas partículas elementares seriam vibrações diferentes de uma corda unidimensional, com interações mais suaves, o que resolveria os problemas da gravitação quântica. Por fim, falo das propriedades das cordas, como a supersimetria [para cada partícula do modelo-padrão haveria uma partícula a mais, chamada de superparceira] e as dimensões extras.

Uma crítica muito comum à teoria das cordas é a ausência de evidências experimentais de sua validade.
A maioria dos físicos acredita que o modelo-padrãoé uma boa aproximação [da realidade], mas que é necessário ir além dele. Há pessoas tentando fazer isso, mas não há experimento mostrando qual caminho deve ser seguido. Então temos que usar argumentos teóricos para procurar o caminho certo. Para mim, o principal problema é que o modelo-padrão inclui todas as forças, menos a gravitação. É verdade que as evidências experimentais para cordas podem demorar muito para aparecer porque a gravitação quântica envolve energias enormes. Enquanto eu estiver vivo, provavelmente não vai haver experimento provando diretamente a teoria das cordas. E podem surgir outras maneiras para modificar o modelo-padrão. Em certo momento, alguns achavam que havia um problema com o modelo, que o bóson de Higgs não seria encontrado. Muitos começaram a procurar por outras partículas. Mas quando o bóson de Higgs foi encontrado, em 2012, ficou claro que não era preciso ter procurado por outras partículas. Espero que surja logo alguma evidência experimental que não possa ser explicada pelo modelo-padrão. Não tenho muita esperança de descobrir algo assim nos experimentos com aceleradores de partículas. Eles estão ficando muito caros e as pessoas vão investir em outros projetos. Eu apostaria na área de cosmologia. Até agora, não sabemos de que é feita a matéria escura, que comporia cerca de 85% da matéria total do Universo.

A eventual descoberta da natureza da matéria escura poderia ter implicações para a teoria das cordas?
Se ela for composta de apenas mais uma partícula desconhecida, será fácil simplesmente incorporá-la no modelo-padrão. Isso não levaria a nenhuma revolução. Espero que a matéria escura seja algo que ninguém pensou ou uma evidência da supersimetria, algo mais do que só uma nova partícula.

Existem outras maneiras de unificar o modelo-padrão com a gravitação?
A meu ver, a teoria das cordas junta o modelo com a gravitação de uma maneira mais conservadora. Ela preserva alguns pilares do modelo, que não se quer abandonar, como a relatividade restrita e a mecânica quântica. Há outras maneiras mais radicais de fazer essa unificação em que esses conceitos são abandonados. Um dos ganhadores do Nobel de Física deste ano, o britânico Roger Penrose, por exemplo, não gosta da teoria das cordas. Para ele, a mecânica quântica só faz sentido em quatro dimensões. Ele não adota a ideia de que haveria mais dimensões, necessárias para formular a teoria das cordas. A meu ver, as cordas teriam propriedades diferentes, mas não há motivos científicos para não existirem dimensões extras. Até Einstein pensou que poderia haver dimensões extras.

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