Imprimir Republicar

Nobel de Literatura

Nipo-britânico Kazuo Ishiguro vence o Nobel de Literatura de 2017

Autor começou a ganhar projeção internacional após ser eleito pela revista Granta como um dos melhores jovens escritores britânicos em 1983

Kazuo Ishiguro. Ill: N. Elmehed. © Nobel Media 2017 Kazuo IshiguroKazuo Ishiguro. Ill: N. Elmehed. © Nobel Media 2017

O escritor nipo-britânico Kazuo Ishiguro, de 62 anos, venceu o Nobel de Literatura de 2017. O autor nasceu em Nagasaki, no Japão, e mudou-se para a Inglaterra aos 5 anos. Ishiguro, que escreve em inglês, é autor de oito livros, o primeiro deles publicado em 1982. Vestígios do dia (1989), vencedor do Booker Prize, e Não me abandone jamais (2005) foram adaptados para o cinema. No Brasil, a Companhia das Letras edita sua obra e publicou cinco livros, entre eles Quando éramos órfãos (2000), Noturnos (2009) e O gigante enterrado (2015), seu mais recente trabalho.

Segundo a Academia Sueca, a memória, o tempo e a desilusão de si próprio são temas marcantes na trajetória literária do escritor. Após o anúncio, Sara Danius, secretária da Academia, explicou que, em sua obra, o escritor demonstra uma preocupação em compreender o passado “não para o redimir, mas para revelar o que temos de esquecer para podermos sobreviver enquanto indivíduos e enquanto sociedade”.

Ishiguro deu uma palestra na Universidade de São Paulo (USP) há cerca de 20 anos, a convite do Conselho Britânico. Em mensagem enviada por e-mail a outros docentes da universidade, John Milton, professor nas áreas de Literatura Inglesa e Estudos da Tradução no Departamento de Letras Modernas (DLM-USP), recordou o escritor como “um homem silencioso e despretensioso, muito inglês, apesar de ter vindo de uma família japonesa. Quando questionado sobre o que pensava das novelas de Henry Fielding [romancista clássico inglês, nascido em 1707], ele disse que nunca tinha lido Fielding e que preferia ouvir rock”.

Sobre essa palestra, Maria Elisa Burgos Pereira da Silva Cevasco, também professora no DLM-USP, lembra do escritor contando sobre o desagrado que seu japonês causou quando ele fez sua primeira visita ao Japão já adulto, após a mudança à Inglaterra. “Nessa viagem, Ishiguro percebeu que falava japonês como uma criança. Ele é um escritor etnicamente japonês, mas culturalmente inglês”, considera Maria Elisa. Para explicar a obra do autor, a professora faz uma analogia com a imagem da superfície da água, em que embaixo corre uma torrente. Nesse sentido, ela lembra que Vestígios do dia se desenvolve a partir do ponto de vista de um mordomo, que representa a imagem da contenção inglesa, para contar a história da ascensão do fascismo no país.

Maria Elisa avalia que há uma tendência entre escritores contemporâneos de produzir uma literatura que apaga as fronteiras nacionais, retomando o conceito de “literatura universal” criado por Johann Goethe (1749-1832) em oposição ao nacionalismo do romantismo alemão. “Ishiguro é um japonês que escreve sobre a Inglaterra. Nesse sentido, representa a quintessência dessa mistura de culturas tão valorizada pela crítica atualmente”, opina, ao refletir sobre os motivos de o autor ter levado o Nobel. Para a professora, a projeção internacional do autor teve início após ele vencer o Booker Prize. “Ishiguro faz parte de uma geração que retomou a tradição do romance realista inglês. Ele não escreve no estilo dos best sellers, mas faz uma literatura sem experimentalismos linguísticos”, detalha.

Alcir Pécora, professor de Teoria Literária na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em uma resenha sobre o livro de contos do autor, Noturnos – Histórias de música e anoitecer, de 2009, escreve que, na obra, “as promessas de uma vida solar se confrontam com a instalação de uma vida medíocre, à sombra do desejo”. Pécora explica que os contos são narrados em primeira pessoa, por meio de uma linguagem coloquial e com “marcas deliberadas de oralidade”.

De acordo com Pécora, o nome de Ishiguro começou a se tornar conhecido internacionalmente após ele ser escolhido pela revista literária britânica Granta – fundada em 1889 por estudantes da Universidade de Cambridge – como um dos melhores jovens escritores britânicos por duas vezes, em 1983 e 1993. Também a adaptação de Vestígios do dia para o cinema em 1993, estrelado pelos atores britânicos Anthony HopkinsEmma Thompson, teria colaborado para consolidar a posição do autor no mainstream literário.

Em entrevista publicada no site do Prêmio Nobel, Ishiguro comentou a respeito da surpresa de ter ganhado o reconhecimento no ano subsequente a Bob Dylan, seu herói desde os 13 anos. O escritor contou, ainda, que recebeu a primeira ligação com a notícia enquanto escrevia um e-mail a um amigo e só acreditou que não era um boato após ver o anúncio na rede de televisão BBC. Ele receberá 9 milhões de coroas suecas (equivalente a R$ 3,5 milhões).

Ishiguro, cuja obra é publicada em 50 idiomas, não figurava nas listas de favoritos. Autores como o queniano Ngugi Wa Thiong’o, o japonês Haruki Murakami, a canadense Margaret Atwood e o poeta sul-coreano Ko Um foram apontados como possíveis vencedores.

Desde que foi criado, em 1901, o Nobel reconheceu 113 autores, 14 deles mulheres. No ano passado, o cantor e compositor norte-americano Bob Dylan levou o prêmio. Antes de Dylan, os vencedores mais recentes foram Svetlana Alexievitch (Bielorrúsia, 2015), Patrick Modiano (França, 2014), Alice Munro (Canadá, 2013) e Mo Yan (China, 2012).

Republicar