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Carta da editora | 106

No corpo-a-corpo com a sociedade

É possível que alguns ainda pensem que as respostas e, principalmente, as indagações cruciais da ciência são formuladas em laboratórios isolados do mundo dos mortais comuns, em algum lugar tantas vezes negativamente associado a inexpugnáveis torres de marfim. Se assim for, eles certamente são em número cada vez menor, porque a saudável difusão da cultura científica pouco a pouco vai mostrando que se produz conhecimento científico e tecnológico em bem-equipados laboratórios tanto quanto nas ruas, escolas, postos de saúde, hospitais, enfim, em meio ao burburinho da vida social corrente. Esta edição de Pesquisa FAPESP tem a sorte de demonstrar na prática, com duas belas reportagens que disputaram sua capa, as duas situações.

Comecemos pela reportagem que ganhou a capa e mostra, a partir da página 24, resultados de alguns dos mais bem-sucedidos projetos do Programa de Pesquisa em Políticas Públicas, em campos tão diversos quanto saúde, educação, abastecimento e finanças municipais, entre outros. Iniciado pela FAPESP em 1998, esse programa, hoje com 221 projetos em andamento, tem o objetivo de estimular parcerias entre, de um lado, universidades e institutos de pesquisa e, de outro, órgãos do setor público e do terceiro setor, tendo em vista a solução de problemas concretos e significativos que perturbam a vida cotidiana dos cidadãos. Estimulá-las, diga-se, no modo próprio da Fundação, ou seja, por meio do financiamento de projetos de pesquisa. No texto, a editora de política Claudia Izique e o editor especial Fabrício Marques, autores da reportagem, mostram com riqueza de detalhes como a partir do exame direto de determinados problemas, in loco, no diálogo com outros atores sociais, e com o apoio de ferramentas da pesquisa científica, especialistas podem extrair do próprio problema as soluções que o superam. Ou como um problema, por exemplo, as enchentes numa cidade, pode ser o ponto de partida para a solução de um segundo problema: o abastecimento de água da cidade. Trata-se de um relato de como criar conhecimento no contato com a sociedade, encaminhando ao mesmo tempo soluções novas para velhas questões.

A segunda reportagem a que nos referimos trata de uma nova geração de fibras ópticas, as chamadas fibras fotônicas, que, conforme relata a jornalista Simone Biehler Mateos a partir da página 70, tanto abrem perspectivas para o aumento da capacidade das redes de telecomunicações quanto prometem incrementos em equipamentos de astronomia, relógios de precisão e equipamentos de diagnóstico por imagem, entre outros itens. O que está em cena aqui é criação de tecnologia de vanguarda, que, no Brasil, já vem sendo alvo da investigação de alguns grupos de pesquisa em São Paulo, como os que fazem parte do Centro de Pesquisa em Ótica e Fotônica, em Campinas.

É recomendável também a leitura da reportagem sobre um novo composto, à base de prostaglandinas, que destrói placas de gordura nas artérias (página 49), entre outros textos que ficam sem destaque pela necessidade absoluta de comentar aqui duas novidades. A primeira é que, excepcional- mente, publicamos um artigo de um cientista, o físico Roberto Salmeron, a propósito dos 50 anos do Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (CERN), que se constitui numa aula magistral sobre a física de partículas. E a segunda é que em 12 de dezembro estréia na Rádio Eldorado, graças a uma parceria entre esta revista e a emissora, o programa Pesquisa Brasil, uma contribuição para a difusão da cultura científica (página 37). Vamos assim também ajudar os pesquisadores a entrar ainda mais no corpo-a-corpo com a sociedade, no caso representada pelos ouvintes da Eldorado, já que estes poderão encaminhar suas indagações à produção do programa para que os primeiros apresentem suas respostas.

Um bom final de ano para todos.

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