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Prêmio

Nobel de Química reconhece inventores de técnicas que unem moléculas com rapidez e eficiência

Dois norte-americanos e um dinamarquês dividem premiação por terem desenvolvido estratégia que facilita reações químicas

Carolyn Bertozzi, Morten Meldal e Barry Sharpless: premiados em química

Armin Kübelbeck, CC-BY-SA, Wikimedia Commons | Universidade de Copenhague / Wikimedia Commons | Bengt Oberger / Wikimedia Commons

O Prêmio Nobel de Química deste ano foi dado a dois norte-americanos e um dinamarquês. Karl Barry Sharpless, 81 anos, do Instituto de Pesquisa Scripps, em La Jolla, Califórnia, nos Estados Unidos, e Morten Peter Meldal, 68, da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, lançaram em 2001 as bases da chamada química do clique, uma técnica pela qual as moléculas que participam de uma reação química se unem com rapidez e eficiência, como as peças de um lego, que fazem um clique quando se encaixam.

A pesquisadora Carolyn Ruth Bertozzi, 55 anos, da Universidade Stanford, também nos Estados Unidos, criou em 2004 a chamada química biortogonal, que adaptou os princípios do clique para promover reações químicas com moléculas específicas de seres vivos, inicialmente com um tipo de açúcar, os glicanos.

“As reações biortogonais ocorrem de maneira segura dentro de organismos vivos, sem interromper sua bioquímica natural, o que possibilitou aos cientistas rastrear as células e o movimento de biomoléculas essenciais para a vida”, comenta o químico Adriano Andricopulo, do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC-USP). Essas reações são usadas também para melhorar a eficácia de medicamentos contra câncer, inflamação e doenças virais como a Covid-19.

“O Prêmio Nobel de Química deste ano trata de trabalhar com o que é fácil e simples”, comentou Johan Åqvist, presidente do Comitê Nobel de Química, na quarta, dia 5, ao anunciar os três vencedores. Os três químicos dividirão em partes iguais o prêmio de 10 milhões de coroas suecas, o equivalente a cerca de R$ 4,8 milhões.

Em 2001, Sharpless já tinha recebido um Nobel de Química por ter criado formas de preparar as chamadas moléculas quirais que podem ter efeitos diferentes uma da outra no interior das células. Naquele ano ele ganhou metade do prêmio – a outra metade foi dividida entre o norte-americano William S. Knowles e o japonês Ryoji Noyori. Sharpless é apenas o quinto cientista a ser laureado duas vezes desde que a premiação foi instituída, em 1901, e o segundo a ser agraciado duas vezes na área de química.

Foi também em 2001 que Sharpless lançou o conceito de química do clique para designar as reações que ocorrem rapidamente e evitam a produção de subprodutos indesejados. Em 2001 e 2002, Meldal e Sharpless definiram, independentemente, a reação conhecida como cicloadição azida-alcino catalisada por cobre, que constitui a essência da química do clique. Dela participam duas famílias de compostos bastante reativos: os alcinos, a exemplo do gás acetileno, formados por carbonos com tripla ligação química entre eles; e as azidas, constituídas por três átomos de nitrogênio também unidos por tripla ligação. Bertozzi substituiu o cobre por alcinos formados por oito carbonos, os chamados cicloctinos, para evitar danos às células.

“A química do clique é um conjunto de reações que faz parte da caixa de ferramentas de qualquer químico que se dedique à síntese de moléculas orgânicas”, comenta o químico Ronaldo Pilli, do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (IQ-Unicamp). Com sua equipe, ele usou essa abordagem para aprimorar a ação antitumoral de compostos antitumorais transportados por um copolímero, como detalhado em um artigo publicado em novembro de 2021 na revista científica Macromolecules.

“Esse tipo de reação popularizada por Sharpless há 20 anos representa o santo graal de todo químico, por permitir reações à temperatura ambiente, em meio aquoso e sem a necessidade de métodos sofisticados de purificação”, diz Pilli. “Praticamente todos os átomos usados no início da reação entram nos compostos finais.”

Forest & Kim Starr / Wikimedia CommonsCravo-da-índia: fonte de eugenol, transformado em compostos contra leishmaniose por meio da química do cliqueForest & Kim Starr / Wikimedia Commons

Em 2010, o químico Giuliano Cesar Clososki conversou com Sharpless em um congresso de química medicinal em Ouro Preto (MG) sobre as aplicações da química do clique. Depois, começou a usá-la, com sua equipe, na Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FCFRP-USP). Um dos resultados é o novo composto candidato a medicamento contra a leishmaniose, formulado a partir do eugenol, um dos principais compostos das folhas do cravo-da-índia (Syzygium aromaticum).

“Usamos as reações do tipo clique para unir outras substâncias ao eugenol, que já era usado para tratar leishmaniose, e fizemos uma biblioteca com 21 compostos que mostraram bons resultados em testes em modelos animais”, comenta Clososki. Os testes in vivo foram feitos pela equipe coordenada por Eduardo Santos na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) do Rio de Janeiro e justificaram um pedido de patente no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).

Com essa mesma abordagem, pesquisadores das universidades federais de Minas Gerais (UFMG) e de Ouro Preto (Ufop) e da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas) obtiveram compostos cujos testes iniciais mostraram bons resultados contra as formas resistentes à cloroquina do parasita causador da malária, como descrito em um artigo de novembro de 2021 na Brazilian Journal of Pharmaceutical Sciences.

“O Nobel de Química 2022 mostra uma vez mais o extraordinário papel da química e de suas interfaces com a biologia na promoção da saúde humana, aliando o que os cientistas têm como um de seus grandes valores, a criatividade inventiva”, conclui Andricopulo.

Íntegra do texto publicado em versão reduzida na edição impressa, representada no pdf.

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