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Resenha

Delicada relação entre nós e a natureza

Nós e a natureza | Emilio F. Moran | 302 páginas, R$ 65,00

Novo estudo de Emilio Moran chega agora ao Brasil

Nós e a natureza é o mais recente li­vro em português de um dos mais proeminentes antropólogos norte-americanos especializados em estudos sobre as relações entre as sociedades humanas e o ambiente. Emilio Moran, professor da Indiana University e diretor do Centro Antropológico de Treinamento e Pesquisa em Mudança Ambiental Global daquela universidade, vem se dedicando a pesquisas sobre questões ecológico-humanas desde a década de 1970, quando em seu doutorado realizou estudo pioneiro sobre a colonização da Transamazônica. Ao longo das últimas 4 décadas, Moran produziu uma vasta obra cujo fio condutor tem sido a análise das interações recíprocas entre as pessoas e a natureza. Nós e a natureza mostra a maturidade de seu pensamento em um momento quando, mais do que nunca, as mudanças ecológicas globais estão na linha de frente de importantes debates acadêmicos e políticos.

No plano teórico, um dos principais pontos do livro é que os seres humanos, ao longo de sua história, tenderam a pensar e agir localmente, o que Moran caracteriza como uma “marca registrada” de nossa espécie. Não obstante, o que se configura no presente é que o impacto das ações humanas, por sua dimensão cumulativa, atingiu uma escala global. Para o autor, do ponto de vista cognitivo, há a imediata necessidade de um importante passo: que as sociedades humanas, em toda sua diversidade, compartilhem da noção de que a problemática ambiental não é individual ou local, mas coletiva e planetária.

Moran argumenta que o atual padrão de relação entre os seres humanos e a natureza é ecologicamente insustentável. Se não houver modificações a curto prazo nas formas de exploração e utilização dos recursos, caminha-se, irreversivelmente, para uma crise com graves repercussões. Segundo ele, esta crise já se anuncia com todos os seus contornos, o que inclui as taxas exponenciais de redução do ozônio na atmosfera, as perdas aceleradas das florestas tropicais, os aumentos nas freqüências de desastres naturais e das extinções de espécies, entre outras evidências.

Se não são poucos os livros disponíveis que exploram temáticas afins aos discutidos em Nós e a natureza, Moran as aborda transitando por searas próprias. Ele tem sua âncora, teórica e metodológica, na antropologia, sobretudo aquela de vertente ecológica. Adicionalmente, transita com desenvoltura em áreas tão diversificadas como a ecologia, sociologia, economia, história e ciência política. Dentro da antropologia, uma disciplina cada vez mais multifacetada, o autor constrói seus argumentos com elementos não somente da antropologia social, como também da arqueologia e da antropologia biológica. Menos que recortes disciplinares, o que interessa a Moran é a complexa tessitura histórica, socioeconômica, ecológica e política necessária para compreender os processos ecológico-bumanos envolvidos nas transformações ambientais de escala global.

Moran enfatiza que é absolutamente necessário que as sociedades, e a norte-americana em particular, modifiquem seu padrão de uso de recursos. Uma das vias, segundo ele, seria a redução do consumo. Ele aposta nas ações dos indivíduos, com sua agência (ou agency em inglês), como uma das pedras de toque de processos de transformação.  Ou seja, o enfoque deve ser estimular que os indivíduos façam escolhas para mudar comportamentos quanto a prioridades de consumo. A certa altura, o próprio Moran reconhece que sua proposição sobre as vias para garantir a sustentabilidade podem soar ingênuas (p. 31). Não obstante,  argumenta que talvez não seja algo tão utópico, já que cresce o número de pessoas e organizações que começam a questionar os efeitos desastrosos do atual modelo econômico. A matriz antropológica de Moran manifesta-se claramente ao discutir as vias possíveis: ele enfatiza que, apesar de o problema ser global, não existem soluções universais para os dilemas ambientais modernos, mas sim uma diversidade de vias para alcançar a sustentabilidade.

Nós e a natureza, com seu texto agradável e que continuamente articula múltiplos campos do conhecimento, além de buscar estreitar teoria e implicações práticas, é um livro intelectualmente importante e que deve ser lido por todos aqueles interessados na temática das transformações ecológicas globais.

Ricardo Ventura Santos é antropólogo e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz e Museu Nacional/ UFRJ.

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