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Astronomia

Nova detecção de ondas gravitacionais amplia o conhecimento sobre o lado escuro do Universo

Vibrações emitidas por colisão de buracos negros confirmam a existência de uma população desses objetos astrofísicos com massa superior à imaginada

Aurore Simonnet – Sonoma State University / Caltech / MIT / LIGO Concepção artística dos buracos negros que colidiram e se fundiram a 3 bilhões de anos-luz da Terra, produzindo as ondas gravitacionais detectadas pelo Ligo em 4 de janeiro deste anoAurore Simonnet – Sonoma State University / Caltech / MIT / LIGO

As galáxias podem conter uma população pequena e esparsa de buracos negros com massa bem superior à daqueles conhecidos até bem pouco tempo atrás. Esses buracos negros mais encorpados, com massa algumas dezenas de vezes superior à do Sol, parecem se formar em eventos catastróficos e raros: o choque e a fusão de dois buracos negros com massa menor, detectado pela primeira vez no final de 2015 pelos instrumentos do Observatório Interferométrico de Ondas Gravitacionais (Ligo). Em um artigo publicado hoje (01/06) na revista Physical Review Letters, os pesquisadores do Ligo descrevem o terceiro evento já registrado desse tipo e também o mais distante.

O choque e a fusão de buracos negros apresentados agora ocorreram a 3 bilhões de anos-luz da Terra. Esse evento resultou da colisão de um buraco negro de 31 massas solares com outro de 19. Dele, nasceu um buraco negro com massa 49 vezes superior à do Sol. Durante a fração de segundo que durou o evento, foi liberada uma quantidade colossal de energia – equivalente à armazenada na massa de duas estrelas como o Sol – na forma de ondas gravitacionais. Previstas pela teoria da relatividade geral formulada em 1915 por Albert Einstein, essas sutis deformações no espaço-tempo se propagam no vácuo à velocidade da luz e viajaram por 3 bilhões de anos até aqui. No dia 4 de janeiro deste ano – precisamente às 10 horas, 11 minutos e 58 segundos no horário universal, eram duas horas mais cedo no horário de Brasília –, os dois detectores do Ligo, situados a 3 mil quilômetros de distância um do outro nos Estados Unidos, registraram quase a simultaneamente a passagem dessa onda gravitacional pelo planeta.

A detecção atual ocorreu poucas semanas após o início da segunda campanha de coleta de dados do Ligo, depois que seus detectores passaram por um aprimoramento que os tornou mais sensíveis. Antes dela, duas outras detecções diretas de ondas gravitacionais haviam sido confirmadas: a primeira em setembro de 2015, resultado do nascimento de um buraco negro com 62 massas solares a 1,3 bilhão de anos-luz da Terra, e a segunda, em dezembro daquele mesmo ano, de um buraco negro de 21 massas solares que se formou um pouco mais longe, a 1,4 bilhão de anos-luz daqui. (ver Experimento detecta ondas gravitacionaisPesquisadores observam novo sinal de ondas gravitacionais e Pesquisa FAPESP nº 241).

“Temos mais uma confirmação da existência de buracos negros de origem estelar com massa superior a 20 massas solares”, informou o físico David Shoemaker, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), no comunicado à imprensa que noticiou a terceira detecção de uma onda gravitacional. Ele foi eleito recentemente porta-voz da colaboração científica Ligo, que reúne quase mil pesquisadores de vários países, inclusive o Brasil. “Esses são objetos que desconhecíamos até o Ligo detectá-los.”

Aurore Simonnet – Sonoma State University / Caltech / LIGO Uma nova população de buracos negros: Três detecções confirmadas pelo Ligo (GW150914, GW151226, GW170104) sugerem a existência nas galáxias de uma população de buracos negros com massa mais elevada do que se conhecia anteriormente. Esses buracos negros (em azul) resultariam da fusão de outros com massa um pouco menor. Antes dessas detecções, só se conheciam buracos negros com massa inferior a 20 massas solares (em roxo), identificados a partir da radiação que emitem na frequência dos raios XAurore Simonnet – Sonoma State University / Caltech / LIGO

Antes, só se conheciam buracos negros estelares, resultado da morte explosiva de estrelas, com menos de 20 massas solares. “Eram objetos completamente diferentes, encontrados em nossa própria galáxia, a Via Láctea, que não haviam se originado da fusão de sistemas binários de buracos negros”, afirma o físico italiano Riccardo Sturani, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que, assim como o físico Odylio Aguiar e sua equipe no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), integra a colaboração Ligo.

Sturani estuda a dinâmica de sistemas binários de buracos negros e as ondas gravitacionais produzidas quando esses objetos se fundem. “Os buracos negros detectados pelo Ligo devem se originar a partir da explosão de estrelas com massa muito elevada”, supõe o físico italiano. “Mas ainda não sabemos se, nessas duplas, os buracos negros surgem da explosão de estrelas que se formaram e sempre viveram próximas ou se eles se formam separadamente e depois se aproximam, capturados pela atração gravitacional um do outro.”

Os resultados apresentados na edição de 1o de junho da Physical Review Letters são incrementais e menos impactantes do que os publicados pela colaboração Ligo anteriormente. Ainda assim, trazem alguma pista sobre o que pode ter ocorrido com a dupla de buracos negros detectada neste ano. A forma das ondas gravitacionais emitidas durante a fusão sugere que eles não giravam no mesmo sentido antes de colidir, o que seria de esperar se tivessem se formado juntos. Por essa razão, suspeita-se que possam ter surgido independentemente no interior de um grande aglomerado estelar e depois se unido. “Estamos começando a reunir estatísticas de sistemas binários de buracos negros”, contou à imprensa o físico Keita Kawabe, do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech). Na opinião de Sturani, ainda seria necessário detectar mais 20 ou 30 eventos semelhantes a esses para se poder dizer, com algum poder estatístico, qual dos dois modelos descreve melhor o que ocorre na natureza.

“As três detecções de ondas gravitacionais feitas pelo Ligo começam a mostrar que existe uma população desses objetos”, comenta o físico brasileiro Rodrigo Nemmen, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), que não participa do Ligo. Nemmen estuda o comportamento de buracos negros estelares e afirma que os resultados obtidos por essa cooperação internacional devem levar à revisão dos modelos de evolução estelar. “Importantes mudanças no conhecimento, como as produzidas por Galileu e Copérnico, foram consequência de avanços nos aparatos instrumentais”, lembra Nemmen. “O Ligo faz o mesmo ao permitir estudar esses fenômenos muito energéticos que não emitem luz, e portanto não podíamos observar, e nos mostrar algo que não esperávamos encontrar.” Para 2018, espera-se mais um aprimoramento da sensibilidade dos instrumentos do Ligo, que a partir do segundo semestre de 2017 deve passar a operar junto com o detector de ondas gravitacionais Virgo, instalado na Itália.

Projetos
1. Pesquisa em ondas gravitacionais (nº 2013/04538-5); Modalidade Programa Jovens Pesquisadores; Pesquisador responsável Riccardo Sturani (IFT-Unesp); Investimento R$ 256.541,00.
2. Gravitational wave astronomy – FAPESP-MIT (nº 2014/50727-7); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Riccardo Sturani (IFT-Unesp); Investimento R$ 29.715,00.
3. Nova física no espaço: ondas gravitacionais (nº 2006/56041-3); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Odylio Denys de Aguiar (Inpe); Investimento R$ 1.019.874,01.

Artigo científico
ABBOTT, B. P. et al. GW170104: Observation of a 50-Solar-Mass Binary Black Hole Coalescence at Redshift 0.2. Physical Review Letters. 1º de jun. 2017.

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