Imprimir PDF Republicar

Fomento

Nova fronteira

Ampliação da produção de etanol no país dependerá de investimentos em ciência básica e aplicada

UNICAA perspectiva de uma redução da oferta de petróleo – cujo preço já oscila acima da marca histórica de US$ 100 o barril –, associada ao esforço global de redução do uso de com­bustíveis fósseis, desencadeou uma corrida mundial em busca de novas tecnologias que possibilitem a produção eficiente de energia a partir de fontes renováveis com menor impacto sobre o meio ambiente. Nessa disputa, o Brasil entrou em campo com uma vantagem comparativa, já que domina a tecnologia de produção de etanol a partir da cana-de-açúcar desde a década de 1970, quando implantou o programa que ficou conhecido como Proál­cool. Hoje, com uma produção anual de mais de 17 bilhões de litros, o país é o segundo maior produtor mundial, atrás dos Estados Unidos, com cerca de 20 bilhões de litros do biocombustível obtido a partir do milho.

Tanto no caso do Brasil como no dos Estados Unidos, que juntos respondem por 70% da produção mundial, o consumo de etanol está restrito ao mercado interno. Parte da produção brasileira abastece uma frota de mais de 3 milhões de veículos flex fuel (bicombustíveis) e a outra parte é usada como aditivo na gasolina. No ano passado, as vendas externas não ultrapassaram US$ 1,4 bilhão, menos de 1% do total exportado pelo país. “O mercado internacional ainda não existe”, reconheceu recentemente Marcos Jank, presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), entidade que, junto com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações (Apex), promete iniciar este ano uma ofensiva internacional para divulgar as vantagens do etanol como substituto da gasolina.

O grande desafio brasileiro é o de aumentar a produção de etanol, ganhar escala e convencer o mercado internacional de que a expansão da oferta não comprometerá a produção de grãos, tampouco o meio ambiente. Num país com uma área agricultável de 152,5 milhões de hectares – correspondentes a 18% do território nacional –, dos quais pouco mais da metade é utilizada, há a alternativa de ampliar as lavouras de cana-de-açúcar que ainda ocupam 6 milhões de hectares. “Dá para expandir as lavouras sem deslocar a produção de alimentos”, afirma Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP. Mas será preciso muita ciência para obter melhores resultados tanto na área agrícola como na industrial.

Ao longo de 30 anos, os investimentos em pesquisa realizados pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC), pelo Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) – que teve origem no centro de pesquisa da Coopersucar – e pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuá­ria (Embrapa), entre outros, permitiram que a produtividade brasileira sal­tasse de 3 mil litros de etanol por hec­tare para 6 mil litros por hectare. “Esse avanço reduziu os custos do etanol em relação aos da gasolina”, lembra Brito Cruz. Em 2000, esses custos estavam equilibrados e hoje o etanol já leva vantagem em relação ao combustível produzido a partir do petróleo.

A pesquisa agrícola avança – inclusive com o auxílio da genômica – e deverá ampliar ainda mais a quantidade de energia extraída por processo de fermentação da sacarose da planta. Há boas perspectivas de ganho de produtividade também com o desenvolvimento de tecnologias de mecanização da colheita, na agricultura de precisão, nos processos de destilação, entre outros. O problema é que a sacarose representa apenas um terço da energia potencial da cana-de-açúcar. “O grande desafio será utilizar também a celulose da cana-de-açúcar, onde se concentram dois terços da energia”, afirma o diretor científico da FAPESP, ressalvando, no entanto, que palha e bagaço não são de todo desperdiçados: queimados nas caldeiras, geram parte da energia consumida nas próprias usinas.

Novas tecnologias
O domínio das tecnologias de utilização da celulose está no centro da corrida mundial pela produção de energia a partir de fontes renováveis. No caso do Brasil, o aproveitamento da celulose será a alternativa para consolidar posição de liderança mundial: um amplo estudo realizado por pesquisadores do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Estratégico (Nipe), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), por solicitação do Cen­tro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), concluiu que o país poderá, até 2025, atingir um patamar de produção de etanol de 200 bilhões de litros – volume suficiente para substituir algo entre 5% e 10% de toda a gasolina consumida no planeta –, desde que multiplique por sete a área plantada de cana-de-açúcar. Mas, para tanto, terá que ter dominado, num horizonte de no máximo 10 anos, a tecnologia de produção de etanol por rotas termoquímicas e a hidrólise enzimática do bagaço e da palha. “Sem a hidrólise seria necessário uma expansão de área muito maior para atingir o mesmo patamar de produção”, enfatiza Mirna Yvonne Gaya Sacandiffio, pesquisadora do Nipe que integrou a equipe de coordenação da pesquisa.

UNICAColheitadeira mecanizada de Cana-de-açúcar: novas tecnologias para solucionar obstáculos dos solos em decliveUNICA

As regiões de expansão das lavouras de cana-de-açúcar já foram mapeadas. Pesquisadores do Nipe perscrutaram 80 milhões de hectares do território nacional e concluíram que em pouco mais da metade – precisamente 42 milhões de hectares em 17 áreas nas re­giões do norte do Tocantins, sul do Ma­­­­ranhão, Mato Grosso, Goiás e Triângulo Mineiro – a cana cresceria com índices de produtividade semelhantes à média nacional. “Desconsideramos as áreas protegidas, reservas indígenas, a bacia amazônica, a região do Pantanal, entre outras. Priorizamos as áreas onde não há concentração de cana, como São Paulo e a Zona da Mata, assim como as regiões com declive de solo maior que 12%, o que impediria a colheita mecanizada. Em nenhum momento pensamos em substituição de cultura”, enfatiza Mirna.

Para garantir um aumento sustentável da produção de etanol, os pesquisadores do Nipe conceberam “usinas modelo”, intensivas de tecnologia, organizadas em clusters para aproveitar ao máximo os alcooldutos que começam a ser projetados pela Petrobras, ou instaladas em áreas que permitissem o uso dos transportes ferroviário e hidroviário para o escoamento da produção. “Não faz sentido transportar combustível renovável em caminhões”, ela observa.

Esse cenário deixa claro que, se o Brasil quiser ocupar pelo menos 5% do mercado mundial de energia renovável, terá que investir pesado em pesquisa básica e aplicada. Silvio Crestana, presidente da Embrapa, calcula que esse valor teria que se aproximar de R$ 1 bilhão nos próximos 5 anos. O Plano de Ação do Ministério da Ciência e Tecnologia para o período 2007-2010 – conhecido como PAC da C&T – destina R$ 196,90 milhões para o Programa de C,T&I do Etanol no período.

Nesse esforço de pesquisa, São Pau­lo pode ter uma participação importante: o estado é, ao mesmo tempo, responsável por 63% da produção do etanol brasileiro e por 55% da produção científica nacional. As três universidades estaduais públicas – Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Estadual Paulista (Unesp) – e 19 institutos de pesquisa reúnem 40% dos principais pesquisadores brasileiros e foram, em boa parte, responsáveis pelos avanços que garantiram competitividade à cadeia produtiva de etanol no país.

O diretor científico da FAPESP sublinha que não se trata de am­pliar a produção de etanol no estado, uma vez que a terra disponível para cana já está ocupada, “mas sim reconhecer que essa é uma excelente oportunidade para a indústria produzir equipamentos e tecnologia que serão utilizados em usinas de todo o país”. Acrescenta, ainda, que o etanol só ganhará o mercado – e status de commodity, como é o caso do petróleo – se tiver a adesão de produtores de outros países. “Só assim o combustível será viável, ainda que outros países tenham dificuldades de produzir a custos tão competitivos”, diz Brito Cruz. Essa perspectiva, segundo ele, abre um novo mercado também à tecnologia brasileira, desde a fabricação de equipamentos até a de produção do combustível.

Energia x alimento
As perspectivas de ampliação da produção de etanol no Brasil foram apresentadas durante o workshop sobre bioenergia, organizado pela FAPESP em parceria com a Embaixada Britânica e do Biotechnology and Biological Science Research Council do Reino Unido (BBSRC), no encerramen­to do Ano Brasileiro-Britânico de Ciência e Inovação.
“O Brasil é o único país que tem condições de produzir etanol em escala para atender à demanda mundial”, reconheceu John Beddington, conselheiro-chefe para Assuntos Científicos do governo britânico. Ressalvou, no entanto, que o país também tem que investir na ampliação da produção de alimentos e completou: “Isso só será possível se houver pesquisa científica”.

O seu principal argumento é o de que a população mundial deverá crescer 50% nas próximas 3 décadas e pressionar não apenas a produção de energia, mas também a de alimentos, especialmente a de grãos. “A demanda global por alimentos vai crescer, sobretudo nos países que começam a investir na redução de seus índices de pobreza”, alertou, incluindo nessa lista o Brasil.

Lembrou que, atualmente, 1,1 bilhão de pessoas vivem com menos de £ 0,50 por dia. “Se essas pessoas tiverem dinheiro, a dieta muda”, sublinhou. Apresentou resultados de estudos que mostram que, com uma renda equivalente a até £ 1 por dia, é possível ter acesso apenas a produtos agrícolas “básicos”. Mas se a renda aumentar 50% – passando a £ 1,5 diária – cresce o consumo de produtos lácteos e carnes e aumenta a demanda por grãos utilizados em ração animal. “Com mais de £ 5, é possível começar a consumir commodities e aí os preços sobem”, advertiu Beddington.

A demanda por alimentos será ainda mais forte se a temperatura do planeta aumentar 2ºC. “As culturas serão afetadas pela falta de água, sobretudo na África e em alguns países da América Latina”, diz o conselheiro-chefe. Esse cenário, observou, coloca um desafio para o Brasil. “Será preciso ciência para responder à demanda por alimentos e por mais energia.”

Steve Visscher, chefe executivo interino do BBSRC, também presente ao encontro, sublinhou que o governo britânico quer ampliar os investimentos em pesquisa na área de agricultura sustentável, que, segundo ele, esteve em queda nos últimos anos, em função da retração da demanda. “Bioenergia também é um tema novo”, acrescentou. Os dois temas estarão na lista de prioridades dos investimentos britânicos em pesquisa. “Reconhecemos a expertise do Brasil e poderemos ter colaboração futura. Haverá oportunidades de financiamento se pudermos identificar áreas de interesses comuns.”

Centro de Pesquisas
O Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) anunciou que pretende implantar o Centro de Pesquisas em Bioetanol em Campinas, na mesma área onde está instalado o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS). A iniciativa está prevista no PAC da Ciência e Tecnologia. “O cen­tro realizará pesquisa básica e aplicada nos campos em que temos defi­ciência de conhecimento”, afirmou Rogério Cerqueira Leite, coordenador do projeto. A inauguração está prevista para o final desse ano.

A idéia, segundo Cerqueira Leite, é criar uma plataforma de pesquisa básica, com capacidade de abrigar entre 150 e 200 pesquisadores, que vai operar em moldes semelhantes aos do LNLS. “Em todo o país, tem muita gente trabalhando, por exemplo, com hidrólise enzimática. Seremos o centro de uma rede de pesquisas com acesso aos nossos laboratórios”, diz o coordenador do centro. Na avaliação de Cerqueira Leite, o Brasil avançou muito na área de melhoria agrícola. “Mas fizemos muito pouco para entender o que acontece na planta quando ela converte a energia solar em energia química”, exemplificou.

O centro contará ainda com um “conjunto de laboratórios para pesquisa aplicada” que serão instalados num terreno de 25 mil metros já desapropriado pela Prefeitura Municipal, próximo ao LNLS. “Nesse local ficarão as máquinas mais pesadas como um grande reator de hidrólise enzimática”, exemplificou. Ali, por exemplo, será mon­tado e testado o projeto de uma nova colheitadeira, já desenhado por uma equipe de pesquisadores ligados à Unicamp e que está sendo desenvolvido por uma empresa privada. “Queremos introduzir tecnologias avançadas em todas as fase da produção. Na agricultura, por exemplo, será preciso mudar a maneira como se faz o plantio e a colheita, adotando muita informática e controle automático para uma produção mais adequada.”

“Estamos começando a contratar pessoas”, adiantou Cerqueira Leite. O orçamento do centro ainda não está definido. “Não teremos uma estrutura muito grande. “Um valor entre R$ 20 milhões e R$ 30 milhões anuais seria satisfatório.”

Republicar