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Eduardo A. Bulisani

Novas responsabilidades se somam à pesquisa

O engenheiro agrônomo Eduardo Antonio Bulisani, diretor-geral do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), formou-se pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo. Em 1979, obteve o mestrado, pela Universidade do Estado de Washington, nos Estados Unidos, e em 1994 o doutorado, pela Esalq. Desde 1969, Bulisani é pesquisador do Instituto Agronômico, trabalhando especialmente no setor de Leguminosas. De 1981 a 1992, foi chefe da seção técnica e, de 1992 a 1998, diretor de divisão. Tem cerca de 30 artigos científicos publicados, especialmente sobre feijão, soja e adubação verde. Ganhou duas vezes o prêmio de Honra ao Mérito do governo de Estado de São Paulo, pelo desenvolvimento de novos cultivares de soja e feijão. O Instituto Agronômico já completou seu primeiro século. Foi fundado em 1887 pelo imperador dom Pedro II, com o nome de Estação Agronômica de Campinas, e passou para o governo do Estado de São Paulo em 1892. Nos últimos 50 anos, lançou mais de 300 novos cultivares de diversas plantas. Atualmente, seus pesquisadores trabalham em cerca de 140 projetos, usando 6 mil hectares distribuídos por 20 estações experimentais espalhadas pelo estado.

Os institutos de pesquisas ligados à agricultura em seu sentido amplo foram fundados no Estado de São Paulo para resolver problemas da comunidade por meio de experimentação e pesquisa, essencialmente, e também para se conseguir apropriação de conhecimento e prestar serviços tecnológicos. A impressão é a de que os casos paulistas foram extremamente bem-sucedidos. Em poucos lugares do mundo foi possível alcançar tanto sucesso com relação aos recursos investidos. Os cálculos de taxa de retorno desses investimentos são todos altamente expressivos e ainda mais quando se consideram produtos individuais, como café, cana-de-açúcar, algodão e citros.

É sempre bom lembrar casos que relevam a importância da pesquisa agrícola. Um dos mais citados é o do algodão. Quando, em 1929, houve uma crise de excesso de produção de café, o algodão já existia como uma alternativa tecnológica pronta para ser adotada. Isso contribuiu para que o Estado de São Paulo e o país sofressem menores perdas do que ocorreria normalmente.

Há exemplos mais recentes. A importância da existência de uma tecnologia brasileira foi realçada por um fato, também ligado ao algodão, que ocorreu na safra de 1998 e 1999 no Estado de Goiás. Os produtores, trabalhando com material importado, tiveram um prejuízo de aproximadamente R$ 55 milhões, devido ao intenso ataque de uma doença pouco importante para os cultivares de algodão desenvolvidos no Brasil. Ou seja, devido ao açodamento da iniciativa privada em importar materiais novos e plantá-los em larga escala, sem verificar se estavam perfeitamente adaptados ao meio, o potencial dos prejuízos causados por um agente, responsável por uma moléstia, elevou-se a tal ponto que nem os cultivares aqui desenvolvidos, tidos como tolerantes, suportaram o ataque. Centenas de outros exemplos mostram como os institutos da área agrícola trabalhavam e trabalham com questões de alta relevância para a socioeconomia do país.

Os institutos paulistas ligados à agricultura, com o passar do tempo, passaram por um processo de especialização. Os diversos institutos criaram escolas e, principalmente, uma competência para resolver problemas, especialmente quando atuam de maneira multidisciplinar e articulada. Sua capacidade instalada sempre pronta a se organizar e reorganizar permitiu que em pouco tempo fossem resolvidas dificuldades como a ocorrida em Goiás, a do nematóide de cisto da soja, a da nova mosca branca e dezenas de outras.Nessa trajetória, os institutos se especializam cada vez mais. Vão sendo formados especialistas focados no conhecimento dos produtos e relativamente poucos voltados para os sistemas produtivos como um todo. Mas, de qualquer maneira, eles têm uma participação importante na definição de uma tecnologia agrícola tropical. Trata-se de uma tecnologia que não pode ser importada. Ela precisa ser brasileira. E hoje, sem dúvida, o Brasil é detentor do maior e mais abrangente conhecimento desse setor no mundo.

Mas estão ocorrendo acontecimentos importantes. Examinando-se o quadro de pessoal, de fins de 1992 até hoje, verifica-se que o IAC conseguiu manter, aproximadamente, o mesmo número de pesquisadores. Entretanto, vem ocorrendo uma perda sensível de pessoal de apoio. Nessa área, a redução atingiu praticamente a metade do quadro de pessoal do Instituto. Trata-se de uma grande dificuldade, que deve ser mais bem avaliada.

Quando se examina a produção científica e tecnológica dos institutos, somada à sua prestação de serviços, nota-se uma diferença em relação a um passado não distante. O que aconteceu, e está acontecendo cada vez com maior intensidade, não é um desvio de função ou missão. Mas eles estão assumindo cada vez mais o papel de difusores de tecnologias e principalmente, em conjunto com as universidades, um papel de apoio ou de complementaridade nos cursos de pós-graduação. Esse é um fato observado praticamente em todos os países onde se desenvolvem pesquisa e ensino públicos.

O processo, incipiente até 1970, foi evoluindo em função da capacidade instalada e da competência do pessoal formado em pós-graduação nos institutos. Hoje, é fato corriqueiro, na análise de currículos de pesquisadores, encontrarmos também a qualificação de docente. Isso pode explicar em parte por que não ocorre uma queda na produção científica dos institutos. Muito pelo contrário, observa-se em determinadas áreas até um acréscimo acentuado. Isso ocorre porque a participação dos bolsistas está aumentando. O Instituto Agronômico abriga, hoje, um grande número de bolsistas, estagiários de universidades e empresas ou recém-formados. Com 212 pesquisadores científicos, atende até 300 bolsistas por ano, não propriamente trabalhando, mas estudando no IAC.

Outro fator que levou a mudanças de imagem e atividade dos institutos de pesquisa na área que podemos chamar de?agro-silvo-pastoril e pesca?é o de que eles assumiram, de maneira clara e precípua, a tarefa da difusão e transferência de conhecimento. Os institutos não podem prescindir dessa atividade. Mas essa responsabilidade ajudou a quebrar um tripé que existia há algum tempo, no qual os componentes do ensino, da pesquisa e da extensão rural apareciam separados. Agora, os institutos são cobrados permanentemente pela difusão e transferência de tecnologia, de uma maneira até um tanto contundente, pois há uma certa confusão entre difundir e transferir com treinar. Treinar um determinado número de produtores ou industriais é até relativamente fácil. Coloca-se o pessoal num auditório e passam-se as explicações. Porém, treinar todos os produtores do Estado, ou mesmo segmentos de cadeias produtivas em sua totalidade, é muito mais complicado, especialmente com as estruturas e pessoal hoje existentes.

Houve, assim, uma mudança de trajetória com relação à pesquisa agropecuária, à produção de bens e à prestação de serviços feitas pelos institutos da área agrícola. Existem hoje, como diretrizes básicas em função da realidade socioeconômica do país, da globalização e da modernização dos produtos e processos, quatro pontos que devem ser incorporados na concepção de sua atuação como básicos à sua inserção nas políticas públicas e na comunidade. Esses pontos são a geração de renda, a geração de trabalho, a inclusão social e a qualidade certificada dos produtos. Os institutos, hoje, têm dificuldade para articular sua programação científica dentro dessas diretrizes básicas. Os próximos passos para que eles consigam continuar a trabalhar bem, prestar serviços à comunidade e avançar no conhecimento devem estar ligados à criação de mecanismos de apropriação do conhecimento gerado.

Existe porém, nesse campo, a questão do tratamento desse conhecimento e da maneira como os institutos podem apropriar-se desse conhecimento em seu benefício próprio, auferindo recursos dele. Hoje, esse conhecimento é público e o que é público não protege o seu conhecimento. O Estado não tem ainda mecanismos eficazes para sua proteção, ou mesmo para cobrar royalties ou usar processos de outra natureza para que esses recursos voltem para as instituições geradoras.

Além disso, será necessário criar novos mecanismos da gestão da pesquisa propriamente dita, principalmente da gestão das instituições, do ponto de vista financeiro, administrativo e patrimonial, a partir do imenso patrimônio e da capacidade instalada para se executar ciência e tecnologia no estado.

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