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Física

Novo equipamento ajuda a estudar superfícies dos materiais

Na década de 1930, muitos cientistas ainda acreditavam que o silício era um metal, devido às suas propriedades elétricas. Estavam errados, porque o material que eles tinham à mão era impuro e eles não sabiam. Só depois da caracterização do material, que levou à produção de um silício puro, se descobriu que ele era um semicondutor. As suas propriedades semicondutoras tornaram possível a abertura de portas que conduziram aos chips e aos modernos computadores. “Isso mostra como é importante a caracterização dos materiais”, diz o físico George Kleiman, que, com outro físico, Richard Landers, coordena o Grupo de Física de Superfícies do Instituto de Física Gleb Wataghin, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Caracterizar materiais faz parte do trabalho de Landers e Kleiman. Há mais de 20 anos, seu grupo estuda as propriedades físicas das superfícies dos materiais. A superfície é a “pele” do material, com apenas uma ou duas camadas de átomos e com uma espessura de poucos angstroms (um angtrom é um décimo de milionésimo de milímetro), com as quais os materiais interagem com seu meio ambiente. As suas propriedades podem ser muito diferentes daquelas do interior da amostra. Algumas ligas metálicas, por exemplo, se formam apenas na superfície e não existem na forma massiva.

“É um trabalho típico de pesquisa básica, que pode ser a base, no futuro, de materiais inteiramente novos”, informa Landers.Em julho de 1997, o trabalho do grupo ganhou novas perspectivas com a entrada em funcionamento, na mesma cidade de Campinas, do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS). Passou a ser possível fazer, aqui mesmo no Brasil, experiências que envolvem feixes potentes, mas finíssimos, de raios X ou ultravioletas, e descobrir não só como os elétrons ficam distribuídos nos átomos do material, isto é, a sua estrutura eletrônica, mas também a sua estrutura cristalográfica geométrica, ou seja, a maneira como seus átomos estão distribuídos no espaço.

Ultra-alto-vácuo
Para desenvolver melhor suas pesquisas, porém, o grupo da Unicamp precisava desenvolver um equipamento especial, uma estação de ciências da superfície, para trabalhar acoplada às linhas de luz do LNLS. Foi onde entrou a FAPESP. Um projeto temático Estudo da Estrutura Eletrônica de Ligas Metálicas por Luz Síncrotron coordenado pelo professor Landers e aprovado pela Fundação, colaborou decisivamente para tornar possível a construção do aparelho. Com essa base, o grupo partiu para o trabalho. Aproveitou componentes usados em outros equipamentos e comprou alguns novos. Conseguiu, também, recursos do Programa Nacional de Grupos de Excelência (Pronex), da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e da própria Unicamp.  Ao todo, juntou recursos de aproximadamente US$ 500 mil.

A estação de ciências da superfície já está em uso em Campinas. Ela trabalha com um espectrômetro de elétrons de alta resolução e um difratômetro de elétrons de baixa energia. Juntos, esses dispositivos permitem a realização de observações bastante detalhadas das propriedades dos elétrons dos átomos da superfície estudada. Para evitar impurezas que inviabilizariam as experiências, as amostras ficam numa câmara de ultra-alto-vácuo.

O equipamento fica sob responsabilidade do grupo da Unicamp, mas já foi usado no LNLS por outros grupos, da mesma Unicamp, da Universidade Federal de Minas Gerais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro e por equipes argentinas. A decisão de partilhar o equipamento com outros grupos permite que os recursos financeiros aplicados pelas agências de fomento alcancem objetivos ainda mais amplos. O equipamento, porém, ajuda a fazer do Grupo de Física das Superfícies um dos usuários mais freqüentes do LNLS. Seu trabalho segue duas linhas fundamentais. Um é o de que na superfície de um material podem formar-se ligas de Natureza às vezes diferentes do resto do material, abrindo a possibilidade de surgirem materiais inteiramente novos, com Cinco técnicas Os cientistas usam cinco técnicas para fazer experiências com o objetivo de entender as superfícies de materiais.

São elas: Espectroscopia de fotoelétrons excitados por Raios X – Permite analisar os fotoelétrons (ou seja, elétrons produzidos pela absorção de luz, ou fótons) arrancados dos níveis de caroço (elétrons mais próximos do núcleo). Dá informações sobre a composição química da superfície e da região imediatamente abaixo da superfície, dependendo da energia dos fótons excitadores. Também dá informações sobre a estrutura eletrônica e o ambiente químico dos átomos pesquisados.

Espectroscopia de fotoelétrons excitados por Ultravioleta – Coloca em evidência a banda de valência (ou seja, elétrons que contribuem para as ligações químicas) e os níveis rasos de caroço (elétrons pouco ligados) dos átomos da superfície do material estudado. Difração de fotoelétrons – Permite saber a posição geométrica dos átomos de uma superfície, incluindo a distância e os ângulos entre átomos.

Difração de elétrons de baixa energia – É essencial para esclarecer a estrutura cristalográfica da superfície de monocristais, que pode ser bem diferente do arranjo dos átomos das camadas do interior do material. É útil também para saber como os átomos adsorvidos se posicionam numa superfície. Espectroscopia de elétrons Auger – É muito útil para controlar a limpeza da amostra do material em estudo. Pode ser utilizada para diminuir ambigüidades na identificação das ligações químicas de átomos superficiais. propriedades desconhecidas.

Outro é que as propriedades superficiais de diversas ligas são fundamentais como catalisadores, ou seja, agentes de reações químicas. “É uma área de pesquisa muito importante, pois entre 80% e 90% dos processos industriais exigem algum tipo de reação catalítica”, diz o professor Kleiman. Os químicos em catálise e os engenheiros químicos vêm fazendo enormes progressos no desenvolvimento de processos catalíticos para aplicações industriais. Mas boa parte do entendimento dos processos de catálise heterogênea ainda é empírico.

Mesmo em reações bem caracterizadas, ainda não se conhece completamente o papel catalítico de várias superfícies. O professor Kleiman acredita que, num futuro ainda distante, será possível preparar um manual de catálises, com base no entendimento dos conceitos fundamentais do papel dos catalisadores nos processos químicos. Assim, será possível otimizar cada reação, sabendo-se com certeza quais as substâncias mais convenientes e mais econômicas que se deve juntar para formar o catalisador. “É um futuro distante, mas o problema é muito importante”, afirma.

Amostras
As experiências do grupo seguem um ciclo complexo. Começa com a preparação das amostras a ser analisadas. As amostras de ligas metálicas policristalinas, ou seja, compostas de pequenos cristais com orientação aleatória, são fabricadas num laboratório existente no próprio Instituto de Física Gleb Wataghin. Para isso, usam-se técnicas metalúrgicas convencionais e equipamentos como um forno de arco e fusão por meio de feixes de elétrons. Outros tipos de amostras são modificações das superfícies de substratos monocristalinos, como de cobre, ouro ou paládio, com o objetivo de produzir ligas superficiais. Essas modificações são feitas no próprio equipamento.

O passo inicial é limpar todas as impurezas de superfície por erosão iônica. Para mantê-las limpas, a câmara na qual é feito o processo opera com ultra-alto vácuo. A amostra, então, é aquecida, para reorganizar e recristalizar a superfície. Em seguida, com o uso de um evaporador, um pequeno número de átomos é incorporado à superfície, seguindo a orientação cristalográfica da superfície do material. Todo o processo é acompanhado com cuidado, medindo-se a estrutura eletrônica e o arranjo atômico.

Os pesquisadores acompanham o estado da superfície da amostra e verificam se a superfície formada corresponde mesmo à desejada. Só depois é que começa a experiência propriamente dita, quando a câmara que contém o material é acoplada a uma das linhas de luz síncrotron do LNLS. Os pesquisadores usam principalmente as linhas SGM (Espectroscopia de Raios X moles), SXS (Espectroscopia de Raios X Moles II) e TGM (Espectroscopia de Ultravioleta). A estação de ciências da superfície facilita muito o processo. Ela tem mecanismos destinados ao preparo de amostras e para o manuseio dos materiais durante as experiências, como trasladores, dispositivos que mudam o ângulo da amostra com relação ao feixe de raios vindo da fonte de luz síncrotron.

Mesmo assim, a equipe da Unicamp já está pensando em modificações e atualizações tecnológicas. “Pesquisamos numa área muito competitiva da Física”, diz o professor Kleiman. “Não queremos ficar defasados com relação aos nossos concorrentes”. No projeto temático coordenado por Landers, participam, ainda, outros físicos do Instituto de Física da Unicamp, o físico Pedro Nascente, do Departamento de Engenharia de Materiais da Universidade Federal de São Carlos, o físico pesquisador de Pós-Doutorado Jonder Morais, e o doutorando Abner de Siervo, além de outros estudantes e técnicos do Instituto. Juntos, eles tentam decifrar os enigmas presentes na “pele” dos materiais.

Perfil
Richard Landers, 53 anos, é físico formado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Fez doutoramento sobre mecanismos de crescimento de cristais (Universidade de Marselha e Unicamp) e pós- doutorado no Laboratório Maurial Lefort (CNRS), Nancy, França. Nos últimos 3 anos tem se dedicado ao estudo dos fenômenos que ocorrem em superfícies sólidas e ao desenvolvimento de instrumentação científica relacionada com análise por espectroscopia de elétrons. É professor do Instituto de Física Gleb Wataghin, da Unicamp.

Cinco técnicas
Os cientistas usam cinco técnicas para fazer experiências com o objetivo de entender as superfícies de materiais. São elas:

Espectroscopia de fotoelétrons excitados por Raios X – Permite analisar os fotoelétrons (ou seja, elétrons produzidos pela absorção de luz, ou fótons) arrancados dos níveis de caroço (elétrons mais próximos do núcleo). Dá informações sobre a composição química da superfície e da região imediatamente abaixo da superfície, dependendo da energia dos fótons excitadores. Também dá informações sobre a estrutura eletrônica e o ambiente químico dos átomos pesquisados.

Espectroscopia de fotoelétrons excitados por Ultravioleta – Coloca em evidência a banda de valência (ou seja, elétrons que contribuem para as ligações químicas) e os níveis rasos de caroço (elétrons pouco ligados) dos átomos da superfície do material estudado.

Difração de fotoelétrons – Permite saber a posição geométrica dos átomos de uma superfície, incluindo a distância e os ângulos entre átomos.

Difração de elétrons de baixa energia – É essencial para esclarecer a estrutura cristalográfica da superfície de monocristais, que pode ser bem diferente do arranjo dos átomos das camadas do interior do material. É útil também para saber como os átomos absorvidos se posicionam numa superfície.

Espectroscopia de elétrons Auger – É muito útil para controlar a limpeza da amostra do material em estudo. Pode ser utilizada para diminuir ambigüidades na identificação das ligações químicas de átomos superficiais.

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