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Resenhas

O caminho desde a estrutura

Thomas S. Kuhn Editora Unesp – 408 páginas, R$ 49,00

REVOLUÇÕES INEVITÁVEIS
Em onze ensaios, Thomas Kuhn desenvolve o conceito de ciência como construção social

O físico norte-americano Thomas Kuhn foi vítima de um sucesso inesperado, inicialmente na Europa e só depois nos Estados Unidos, quando saiu A estrutura das revoluções científicas, em 1962. Leitura obrigatória para quem é ou quer ser cientista, para quem escreve sobre ciência ou mesmo para quem apenas se interessa pelo nascimento e morte das idéias, A estrutura apresenta duas formas de conhecimento científico. A primeira é o normal, linear e cumulativa, representa a ciência do dia-a-dia e contribui com o avanço da civilização humana de modo sutil e modesto, grão a grão. A segunda forma de conhecimento – o revolucionário – é o que faz a ciência realmente avançar, desta vez aos saltos, de modo radical; representa os episódios fundamentais do progresso científico e causa as transformações mais profundas – as mudanças de paradigmas, entendidos como os conjuntos de idéias que permitem ver a realidade de um jeito ou de outro, como filtros mentais. O mais emocionante desse livro é ver como os novos paradigmas triunfam – muitas vezes só com a morte dos autores e seguidores dos velhos paradigmas.

Sai agora O caminho desde a estrutura (Editora Unesp, com tradução de Cesar Mortari e revisão técnica de Jézio Gutierre), a continuação do livro que é para a história da ciência o que A origem das espécies é para a biologia. Em 11 ensaios, Kuhn desenvolve o conceito de ciência como construção social, explica mais detalhadamente alguns conceitos, como o de mudança revolucionária, ou responde às críticas que recebeu depois da publicação de sua obra-prima. O caminho traz também uma entrevista autobiográfica.

Kuhn insiste na necessidade de lances ousados. “O desenvolvimento científico não pode ser inteiramente cumulativo. Não se pode passar do velho ao novo simplesmente por um acréscimo ao que já era conhecido. Nem se pode descrever inteiramente o novo no vocabulário do velho ou vice-versa”, escreve em um dos ensaios, recheado com exemplos da história da física. Ele mostra como pode ser doloroso e ao mesmo tempo gratificante abdicar de idéias antigas ao descrever o que se passou com ele ao ler a Física, de Aristóteles. Se no início Aristóteles pareceu-lhe “não apenas ignorante da mecânica, mas também um físico terrivelmente ruim”, depois que ele deixou as idéias se organizarem de outro modo o pensador grego emergiu como “um físico realmente muito bom, mas de um tipo que eu jamais havia sonhado possível”, cujos erros de diluíam em meio a poderoso corpo de conhecimento sobre os princípios do Universo.

Uma mudança realmente valiosa, segundo ele, não pode ser experimentada de modo fragmentado, um passo de cada vez: “Ao contrário, ela envolve uma transformação relativamente súbita e não estruturada na qual alguma parte do fluxo da experiência se rearranja de maneira diferente e exibe padrões que antes não eram visíveis”. As revoluções científicas, ao explicar de modo novo fenômenos ou situações que permaneciam inexplicáveis, criam um vocabulário novo e alteram a própria linguagem, que pode tanto limitar ou ampliar as interpretações da realidade.

Para mostrar o peso dos paradigmas, Kuhn recorre também ao filósofo austríaco Karl Popper, segundo o qual “somos prisioneiros do referencial de nossas teorias, nossas expectativas, nossas experiências passadas, nossas linguagens”. Em outro ensaio Kuhn trata de um assunto caro aos cientistas, jornalistas e leitores: as metáforas da ciência, com as quais é bom lidar com muito cuidado. Ainda que essenciais para criar vínculos entre a linguagem científica e o mundo, as metáforas podem ir além de sua função habitual de representar um objeto e sugerir novos significados, nem sempre explícitos ou desejados.

Para Kuhn os cientistas devem sempre se livrar das roupas velhas que povoam o guarda-roupa mental, não importa quão inatingível seja essa meta. Porque, cedo ou tarde, as mudanças chegarão – e alguém as fará e publicará.

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