Uma empresa de tecnologia e consultoria com nítidos contornos comerciais e ambições de conquistar fatias de mercado, constituída apenas por mestres e doutores dedicados à pesquisa, começa a mostrar a que veio. Em abril, três protótipos de projetos em desenvolvimento pelos pesquisadores ligados a Cientistas Associados serão apresentados aos potenciais clientes, alguns deles já contatados ainda durante a fase de experimentação. Fundada há pouco mais de um ano por iniciativa de cinco jovens doutores com experiências profissionais em empresas de tecnologia, a Cientistas Associados, com sede e parceria da Fundação Parque de Alta Tecnologia de São Carlos (ParqTec), já reúne 33 membros e pretende trabalhar com diferentes áreas para o desenvolvimento de produtos e serviços em robótica, automação, sistemas interativos, sistemas inteligentes, óptica, fotônica, engenharia biomédica e bioengenharia.
“O maior capital da nossa empresa é o conhecimento”, enfatiza empolgado o gerente da Divisão de Sistemas Interativos da Cientistas Associados, Antonio Valerio Netto, doutor em Ciência da Computação e Matemática Computacional pela Universidade de São Paulo (USP) e um dos fundadores da iniciativa. “Tenho 31 anos e acredito que devo apostar no sonho de viabilizar idéias aqui no Brasil em vez de ir para o exterior, ou me limitar à carreira acadêmica”, acrescenta. E, como sonhar não paga imposto, Valerio, demonstrando sua fé no atual projeto, prevê que se tudo se encaminhar bem em dez anos a Cientistas Associados poderá fazer frente às grandes multinacionais do segmento de alta tecnologia. “Quem sabe não nos tornaremos uma IBM nativa?”, fantasia, levando em consideração não apenas o seu empenho pessoal, mas o fato de a Cientistas Associados incentivar uma política de valorização do capital humano entre seus colaboradores, de forma a agregar intelectos, incentivando o crescimento da instituição paralelamente.
A empresa possui uma estrutura hierárquica composta por uma gerência técnica e por equipes de desenvolvimento em cada especialidade. Cada equipe é responsável pelo desenvolvimento de um produto ou serviço e conta com um coordenador técnico responsável. A sustentação dessa estrutura se dá por meio das diretorias jurídica, financeira e gestão de pessoas, além da diretoria de negócios, marketing e inteligência de mercado. Esta última é responsável por ir ao mercado em busca de interessados no que a empresa tem a oferecer.
Entre as características administrativas que a Cientistas Associados estimula está o cooperativismo competitivo entre seus colaboradores. Para o ocupar o cargo de diretor-presidente o candidato precisa ter título de doutor e condição de sócio-fundador ou emérito. O cargo, escolhido por aclamação pelo Conselho de Associados, tem mandato de três anos. Ao final desse prazo, há nova eleição, da qual participam os membros do Conselho de Associados. Dos atuais 33 membros, cinco são doutores, seis doutorandos, sete mestres e 15 mestrandos e graduandos. Dos projetos em fase avançada estão propostas desenvolvidas com o apoio do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP, assim como com o apoio de parcerias com o Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação, da USP, com a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com a Escola de Engenharia de São Carlos, também da USP, e ainda com a colaboração da Absolut Technologies, empresa nacional fornecedora dehardware e software na área de realidade virtual e sistemas. Os três projetos, que inauguram a atuação da Cientistas Associados, propõem inovações nas áreas de energia, treinamento e robótica.
Energia elétrica
O projeto relacionado com o mercado de energia pretende oferecer a empresas do porte de uma Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL) sistemas computacionais para redução de perdas em redes de distribuição de energia com interface em realidade virtual. O enfoque está em trabalhar com avançados algoritmos computacionais de reconfiguração de circuitos. Entre os resultados decorrentes da aplicação do sistema proposto estão desde o aumento do faturamento para as companhias distribuidoras de energia até a melhora da qualidade da energia fornecida ao consumidor. A proposta busca uma interface que permita manipulação dos recursos do sistema, tornando o aplicativo atrativo comercialmente. Para alcançar o objetivo, foi utilizada uma solução baseada em ambientes virtuais, que têm permitido grandes revoluções no que se refere a relação homem-máquina, tanto na solução de problemas científicos quanto industriais. Além da facilidade para lidar com grandes quantidades de dados, uma interface como a proposta permite uma maior contextualização do sistema elétrico. Dados como localização de auto-estradas, ferrovias, rios, pontes, hospitais, grandes indústrias etc. são importantes na operação de um sistema elétrico de distribuição de energia.
Para ilustrar a importância desse tipo de informação, Valerio lembra que é preciso considerar os dados sobre a localização de hospitais. “A qualidade da energia na região de um hospital não pode ser degradada, em hipótese nenhuma, em benefício de uma redução de perdas energéticas. Equipamentos caros e de alta tecnologia poderiam ser danificados e, por conseqüência, tratamentos poderiam ser prejudicados, colocando pacientes em risco. Portanto, o desenvolvimento de uma interface interativa produzirá avanços técnicos na manipulação de sistemas elétricos de distribuição tanto com relação à quantidade de informação a ser considerada quanto à qualidade”, explica ele.
O principal resultado esperado com esse projeto é a criação de condições para comercialização não apenas no mercado interno, mas também na exportação para América Latina no final dos dois anos. Há ainda a possibilidade de, como subprodutos, vislumbrar a utilização dos módulos do sistema inteligente e da interface gráfica para otimizar e manipular diversos tipos de informações relacionadas a outros serviços públicos, como água e esgoto, telefonia e tráfego rodoviário, com o objetivo de planejamento desses sistemas.
O trabalho da Cientistas Associados focado em treinamento é voltado para empresas de segurança em geral e também para órgãos públicos de prestação de serviços na área de segurança pública. O projeto desenvolve um sistema interativo que “transporta” os profissionais da área para uma realidade mais próxima do cotidiano de trabalho, permitindo assim um desempenho das funções de forma “real” com medida mais eficiente das condições de segurança. Esse sistema promove um grau de assimilação muito maior do conhecimento transmitido, pois um sistema que promove estímulos visuais, sonoros e interativos viabiliza um ganho de qualidade no aprendizado do usuário.
Os sistemas de treinamento na área de segurança utilizados atualmente não permitem muita interatividade. Os profissionais são colocados em situações onde os alvos são fixos ou imóveis, não transmitindo a sensação de realidade com a qual o profissional irá realmente se defrontar no momento em que estiver prestando seus serviços. Sistemas mais sofisticados são encontrados apenas nos Estados Unidos e Europa a preços ainda muito altos para o mercado nacional. Dados do Sindicato das Empresas de Segurança Privada, Segurança Eletrônica, Serviços de Escolta e Cursos de Formação do Estado de São Paulo indicam a existência de cerca de 1.600 empresas de vigilância patrimonial, segurança e escolta armada, sendo 25% concentradas no Estado de São Paulo.
Na área de robótica, as ambições da Cientistas Associados é atingir o mercado de entretenimento e educação num primeiro momento. “O projeto prevê um ambiente integrado com robôs móveis e software de apoio à programação e ao desenvolvimento de suas aplicações. Esse ambiente envolverá o desenvolvimento, a aplicação e a transferência de tecnologia de três subáreas da Tecnologia da Informação, que são: Robótica Inteligente (RI), Visão Artificial (VA) e Processamento Automático da Fala (PAF). Nessas áreas, pesquisam-se as tecnologias mais avançadas com relação à comunicação homem-máquina pela voz e visão artificial para o meio científico e industrial. A relevância desse projeto consiste na combinação inovadora de tecnologias no estado-da-arte de RI, VA e PAF para o desenvolvimento de um kit nacional de software e hardware aplicado à robótica educacional e de entretenimento”, explica Valerio.
Entretenimento
Robôs têm sido fabricados há bastante tempo para aplicações industriais. Porém, devido ao alto grau de autonomia necessário, somente nos últimos anos essa tecnologia está sendo aplicada ao desenvolvimento de robôs domésticos. O produto pretendido pela Cientistas Associados compõe-se, inicialmente, de um pacote de software e uma plataforma básica, constituída de um robô móvel autônomo com processador de 16 bits e 8 MHz, um rádio-modem de 160Kbps e motores. O robô poderá ser configurado pelo usuário por meio de outros módulos com diferentes sensores, atuadores, garras, mecanismos de chute para o futebol de robôs e câmera de vídeo, entre outros.
O software de controle será baseado em uma interface gráfica, concebida para permitir a programação do controle dos robôs por usuários leigos, mas com grau de liberdade tal que tornará possível a utilização de técnicas de Inteligência Artificial por usuários mais experientes. Este fato facilitará a aplicação do produto em ambientes tanto educacionais quanto de pesquisa. O sistema permitirá a utilização de vários robôs, que se conectarão uns aos outros e a um computador central por meio de rádio-modem. Do computador central, o usuário poderá programar e controlar remotamente os robôs por meio de uma interface computacional.
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