A Universidade de Rochester, nos Estados Unidos, fechou um acordo na Justiça para pagar US$ 9,4 milhões, o equivalente a R$ 50 milhões, e encerrar um caso de assédio sexual que teve início em meados da década passada. O dinheiro será destinado a nove reclamantes, entre professores, ex-professores e ex-alunos, na maioria mulheres. Eles denunciaram os dirigentes da universidade por proteger o linguista Tim Florian Jaeger, do Departamento de Ciências Cognitivas, acusado de importunar e constranger alunas e de criar um ambiente hostil para mulheres na instituição. Localizada no estado de Nova York, a Universidade de Rochester é uma instituição privada criada em 1850, que hoje atende 11,8 mil estudantes.
Jaeger, de 44 anos, era um pesquisador de prestígio na área de desenvolvimento de estruturas computacionais para produção e entendimento de linguagem e teve projetos financiados por agências do governo norte-americano, como a National Science Foundation (NSF), e instituições privadas, como a Fundação Kavli, em Los Angeles. Queixas contra o seu comportamento vinham sendo investigadas desde 2007. Ele foi acusado de enviar fotos de conteúdo sexual para uma aluna, promover festas com drogas ilícitas para as quais convidou estudantes e adotar publicamente comportamentos misóginos, como sugerir que as alunas caminhassem por sua sala de modo sensual enquanto liam seus textos para ele. Segundo relatos, ele defendia em reuniões acadêmicas que professores pudessem manter relacionamentos amorosos com alunas. Jaeger nega as acusações.
O alvo do processo de US$ 9,4 milhões não foi a conduta do linguista, mas o comportamento dos dirigentes de Rochester ao lidar com o escândalo. Jaeger até hoje faz parte dos quadros da universidade, embora esteja licenciado há dois anos. Ele foi investigado internamente em três ocasiões diferentes e inocentado em todas elas, sob a justificativa de que não teria infringido nenhuma norma acadêmica. Isso porque as alegações de assédio eram anteriores a 2014, ano em que Rochester proibiu que professores tivessem relacionamentos amorosos com alunos.
A ação na Justiça foi só um dos problemas enfrentados pela universidade. Quando o escândalo se tornou público, a instituição foi atingida por uma onda de protestos de estudantes que levou à renúncia do reitor Joel Seligman, em 2018. No processo, Seligman era acusado de tolerar o comportamento de Jaeger e de ele próprio ter mantido um relacionamento com uma subordinada.
A porta-voz da universidade, Sara Miller, disse à revista Nature que o acordo não representa uma admissão de falha ou de culpa da instituição. “Estamos comprometidos em oferecer um ambiente seguro e inclusivo para seus alunos, professores e funcionários”, afirmou. Uma declaração conjunta assinada pela universidade e pelos autores da ação, contudo, faz elogios a três dos denunciantes, a psicóloga Celeste Kidd, pesquisadora da Universidade da Califórnia, em Berkeley, a antropóloga Jessica Cantlon, hoje na Universidade Carnegie Mellon, ambas ex-alunas de Jaeger, e o psicólogo Richard Aslin, ex-colega do linguista em Rochester. O comunicado agradece aos três por “apresentarem suas preocupações sobre assédio sexual” e diz que seus esforços resultaram em “melhorias reais nos processos da universidade”.
A indenização acordada na Justiça coloca um ponto-final em uma disputa que instâncias acadêmicas não conseguiram encaminhar e resolver adequadamente. O argumento principal apresentado no processo era o prejuízo causado pelo assédio na carreira de alunas e pesquisadoras: pelo menos 16 delas, segundo a denúncia, alteraram os rumos de sua trajetória acadêmica para não trabalhar mais com Jaeger. “Fomos confrontadas com a escolha injusta e irracional de perder oportunidades profissionais ou de nos expor a encontros perturbadores”, escreveu, em um artigo de opinião na revista Nature, a consultora Laurel Issen, estudante de doutorado em Rochester entre 2006 e 2013, que foi uma das primeiras a apresentar reclamações para a universidade.
O assédio e a discriminação sexual no ambiente acadêmico são proibidos nos Estados Unidos desde que o Congresso aprovou uma emenda à lei que regula a atividade educacional no país. Esse dispositivo legal está em vigor desde 1972, mas só nos últimos três anos as universidades e instituições de pesquisa passaram a ser cobradas e a se empenhar em coibir tais práticas. Isso se deveu, em grande medida, ao êxito da campanha #MeTooSTEM, que em 2018 encorajou alunas e pesquisadoras de campos das ciências, tecnologias, engenharias e matemática a denunciar episódios de assédio sexual no ambiente de pesquisa (ver Pesquisa FAPESP nº 278). Jessica Cantlon, uma das alunas que denunciaram Jaeger, foi uma das vozes desse movimento e teve sua atuação reconhecida pela revista Time, que em 2017 a mencionou como uma das personalidades do ano.
Apesar dos avanços, ainda há várias lacunas no front do combate ao assédio nos Estados Unidos. Um relatório produzido pelo Government Accountability Office (GAO), braço do Congresso responsável por fazer auditorias e investigações em órgãos do governo, mostrou que parte das agências de fomento à pesquisa do país ainda não adotou estratégias eficazes para coibir o assédio e a discriminação sexual em instituições de pesquisa que recebem financiamento federal. Segundo o documento, de um universo de cinco órgãos de fomento avaliados, a NSF foi a agência que recebeu e investigou o maior número de queixas de assédio e discriminação vinculados a atividades acadêmicas ou de pesquisa: foram 33 entre 2015 e 2019.
Ao menos dois órgãos, o Departamento de Energia (DOE) e o Departamento de Agricultura (Usda), nem sequer formalizaram procedimentos para lidar com esse tipo de reclamação, em um sinal de que não estão enfrentando o problema de modo consistente. Também é possível apresentar queixas de assédio sexual sem usar como base a lei de 1972, mas o DOE, o Usda e a agência espacial norte-americana, a Nasa, não dispõem de canais para receber essa alternativa de reclamação. Apenas a NSF e o Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS) – ao qual estão vinculadas agências como os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) – consideram e investigam tais queixas. O GAO enumerou 17 recomendações para as instâncias de governo avaliadas, que envolvem desde aprimorar os canais de relacionamento das agências com o público, tornando-os mais claros e acessíveis para reclamações de vítimas de assédio, até a produção de relatórios sobre os resultados de investigações, tornando o processo mais transparente.
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