Há 38 mil anos viveu no atual leste da Europa um homem que nem remotamente imaginava como entraria para a história. Em 1980 arqueólogos encontraram na caverna Vindija, na Croácia, um de seus fêmures, cujo genoma agora está sendo seqüenciado por duas equipes de geneticistas, uma nos Estados Unidos e outra na Alemanha. Os primeiros resultados dos dois grupos estão, respectivamente, nas revistas científicas Science e Nature (16 e 17 de novembro). Está pronta somente uma fração do trabalho, mas já basta para estimar quando as duas espécies irmãs – Homo sapiens e Homo neanderthalensis – se tornaram distintas e quão semelhantes são seus DNAs. A seqüência completa do genoma neandertal está prometida para daqui a dois anos. Pesquisadores acreditam que ela pode esclarecer a origem de características anatômicas e de comportamento que definem o homem moderno.
A equipe liderada por Edward Rubin trabalha no Laboratório Nacional Lawrence Berkeley, na Califórnia, Estados Unidos. O grupo decodificou 65 mil pares de bases, as unidades que compõem o DNA. Falta muito, o genoma do homem moderno tem por volta de 3 bilhões de pares de bases. E os dois humanos são geneticamente muito parecidos: a amostra de Rubin indica uma semelhança de 99,5%. O grupo não vê evidências de cruzamento entre as duas espécies – hipótese recentemente aventada por outros pesquisadores, como Bruce Lahn e colegas em artigo publicado na PNAS também em novembro – e calcula que as duas espécies se separaram há 370 mil anos.
A equipe alemã, coordenada por Svante Päabo, do Instituto Max Planck para Antropologia Evolutiva, analisou mais DNA, 1 milhão de pares de bases, e calculou uma data mais distante para a separação entre as duas espécies: 516 mil anos atrás. Mas, como há uma grande margem de erro, ainda não se sabe se a diferença entre as duas estimativas é relevante. Os dados não indicam mistura de genes das duas espécies; se houve cruzamento, ele foi limitado e envolveu sobretudo homens sapiens e fêmeas neandertais.
Competição
O trabalho dos dois grupos é um feito técnico. Sujeito por milhares de anos a intempéries, o material genético degradado é extraído dos fósseis em minúsculos fragmentos. O quebra-cabeça só pode ser montado usando como arcabouço o genoma do humano moderno. Além disso, o DNA antigo vem misturado com o de intrusos, como bactérias e humanos atuais. Apesar dos desafios, os pesquisadores envolvidos no projeto afirmam que têm a tecnologia para completar o seqüenciamento.
Os neandertais viveram na Europa e no oeste da Ásia entre 400 mil e 30 mil anos atrás. De acordo com o registro fóssil, eles foram extintos depois da chegada do Homo sapiens à região, a partir da África. Artefatos arqueológicos indicam que pode ter havido troca cultural entre os dois hominídeos, embora a convivência possa não ter sido pacífica. Muitos pesquisadores acreditam que a competição entre as duas espécies tenha causado a extinção do homem de Neandertal. A espécie vitoriosa não só viveu como se espalhou pelo mundo, e deu origem ao homem que hoje ocupa de desertos a megalópoles.
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