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O ensino público em debate

Professores de duas escolas estaduais do município de São Paulo – uma na Vila Nova Brasilândia, zona norte, e outra no Jardim Presidente, na zona sul da capital – estão participando, junto com pesquisa dores da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), de uma pesquisa que visa desenvolver meios de aproximar os professores e a escola do universo social e cultural dos alunos. A partir daí, eles deverão estabelecer uma nova metodologia de ensino, que parta da realidade e da experiência dos estudantes, evitando-se, com isso, a inadaptação , a repetência e a evasão escolar.

Em outros pontos do Estado de São Paulo, outras pesquisas , visando melhorar o ensino público, também estão sendo feitas. Em Jaboticabal , por exemplo, professores do Colégio Técnico Agrícola, junto com professores e pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (UNESP) naquele campus, estão também investigando o que acontece quando se mexe na estrutura convencional de ensino. Ali se pesquisa como a experiência prática pode fundamentar as disciplinas do currículo e como isso se reflete no aprendizado.

Essas pesquisas – e mais outras 23 – integram o Programa de Pesquisas Aplicadas sobre a Melhoria do Ensino Público no Estado de São Paulo, criado pela FAPESP em 1995 para financiar pesquisas sobre problemas concretos do ensino de primeiro e segundo graus em escolas públicas paulistas, para a sua melhoria.

No ano passado, na primeira etapa do programa, foram aprovados 25 projetos de pesquisa. No dia 27 de junho último, na sede da Fundação e com a presença da secretária estadual de Educação, Rose Neubauer, cerca de 260 pessoas – coordenadores dos 25 trabalhos, diretores e representantes das escolas envolvidas, além de coordenadores dos 14 projetos aprovados este ano, na segunda etapa do programa ­ participaram da 1• Reunião de Acompanhamento do Programa, com discussões sobre o andamento dos 25 projetos e eventuais dificuldades enfrentadas pe­las equipes de pesquisa.

Na abertura do evento, a secretária de Educação Rose Neubaeur ressaltou que a escola pública e o ensino do Estado de São Paulo precisam de incentivos como o da FAPESP, para ajudar as autoridades responsáveis a tomar decisões na área educacional. Parcerias como essa, segundo ela, ajudam a buscar as condições básicas para que as escolas públicas possam funcionar melhor. “O desenvolvimento técnico e tecnológico passa primeiramente pela educação bá­ sica e fundamental. Sem educação não existe justiça social, nem desenvolvimento, nem democracia”, disse Rose Neubauer.

O diretor científico de FAPESP, professor José Fernando Perez, destacou que, para as duas etapas do programa, a FAPESP está investindo R$ 7,1 milhões, e afirmou que nunca  a Fundação investiu de forma tão expressiva na área de Educação. A iniciativa, segundo ele, ainda é pequena, mas é um grande passo para que a pesquisa científica seja percebida pela sociedade e para que o sistema de pesquisa contribua com a melhoria do ensino. “Esse programa é na verdade um processo de aprendizado para todos os atores nele envolvidos: pesquisadores e suas instituições, professores, escolas, a estrutura da rede pública de ensino, a Secretaria Estadual de Educação e a própria FAPESP”.

Uma nova pedagogia
Organizado pela Coordenadoria dos Programas Especiais de Educação, ligada à Diretoria Científica da FAPESP e tendo à frente a educadora Marília Pon­tes Sposito, a 1ª Reunião de Acompanhamento do Programa de Melhoria do Ensino Público realizou-se nos dois turnos. Pela manhã, houve debate e troca de experiências sobre os projetos aprovados na primeira etapa e como eles estão se desenvolvendo. No período da tarde foi debatida a parceria entre a escola e os pesquisadores, abordando as formas de cooperação, as dificuldades encontradas nessa parceria e as maneiras de superá-las.

A maioria dos pesquisadores concordou que o atual sistema educacional público quase inviabiliza, na prática, o trabalho coletivo entre professores de uma mesma escola ou de estabelecimentos diferentes, dificultando a pesquisa e o pensar a própria educação. Também a alta rotatividade dos professores não efetivos prejudica o ensino e o andamento dos projetos de pesquisa. Mas, apesar das dificuldades, a parceria entre pesquisadores e professores tem ocorrido, com aspectos positivos para ambos.

“Foi surpreendente a resposta dos professores à atividade de pesquisa. Eles perceberam que essa atividade otimiza a sua função pedagógica. Quanto aos estudantes universitários que participam do projeto, ficaram evidentes para eles a distância entre o discurso teórico e a prática e a importância do conhecimento da realidade escolar”, disse a professora Heloísa Szymanski, da PUC, coordenadora do projeto “Metodologia Labor no ensino público”, que procura aproximar a escola e os professores da realidade dos educandos, atrelando a aprendizagem à vida cotidiana e à experiência deles.

A sua pesquisa se desenvolve em duas escolas públicas de zonas periféricas de São Paulo: a Escola Estadual de Primeiro Grau Crisoim  de Oliveira, em Vila Nova Brasilândia, na zona norte, e a Escola Estadual de Primeiro e Segundo Grau Giulio David Leone, no Jardim Presidente, na zona sul. Uma observação de Heloísa Szymanski é que cerca de 50% dos alunos de escolas públicas da periferia em  São Paulo .são filhos de migrantes de outros Estados, principalmente do Nordeste do país.

A falta de adaptação à cidade, aos costumes e ao método de ensino das escolas são os grandes responsáveis pelo alto índice de repetência e evasão escolar. “Há uma separação muito grande entre o mundo de onde esses alunos vêm e a linguagem da escola, que não leva em conta suas origens, linguagens e costumes”, diz a pesquisadora. Oito professores das duas escolas estão participando do projeto, recebendo bolsas da FAPESP, e o objetivo é desenvolver uma metodologia pedagógica e atividades que levem em conta a realidade dos alunos.

Ensino  agrícola
Outros projetos em execução foram debatidos, como o da professora Alda Junqueira Marin, da UNESP, campus de Araraquara, coordenadora da pesquisa “Desenvolvimento profissional docente e transformação na escola”, e o da professora Iole de Freitas Druck ,do Ins­tituto de Matemática e Estatísticas da Universidade de São Paulo, coordenadora do projeto “Habilitação específica para o magistério (ensino de matemática)”, que visa avaliar a ação de assessoria às escolas, por parte dos pesquisadores da universidade, os resultados da formação em serviço dos professores e a repercussão no aprendizado e desempenho dos alunos. Apesar das dificuldades, os resultados, até agora, são positivos, segundo ela. “Os alunos estão muito mais entusiasmados com as aulas de matemática; mais até do que com as outras disciplinas”.

Em Jaboticabal, o agrônomo e professor da UNESP Euclides Caxambu Alexandrino de Souza coordena a pesquisa “Melhoria do ensino técnico agrícola”, junto com professores do Colégio Técnico Agrícola. Os alunos estão realizando atividades práticas dentro do currículo -a produção de húmus, sua utilização pelas plantas, as alterações que traz ao solo, a adubação para diversas culturas, aprendendo na prática. De acordo com o professor, aumentou significativa a assiduidade e o interesse dos alunos. “Quando se começa a eliminar a lista de chamada e a sala está cheia é sinal de que estamos no caminho certo”. A experiência deverá ser estendida a 29 escolas agrícolas de todo o estado.

Ao final do encontro, uma constatação: apesar de o programa da FAPESP não poder atender todas as escolas públicas estaduais, a iniciativa é importante porque ajuda a definir novos modelos pedagógicos que podem ser adequados a situações particulares de cada escola, mas.que também podem ser futuramente expandidos.

Os novos projetos aprovados
Para a segunda etapa do Programa de Pesquisas Aplicadas sobre a Melhoria do Ensino Público foram aprovados 14 projetos, envolvendo diversas áreas. As novidades, segundo a professora Marília Pontes Spo­sito, são os projetos em Educação Ambiental, área que não teve nenhum projeto aprovado na primeira etapa. “Vale destacar também o aumento da presença de projetos de universidades do interior do Estado. Enquanto na primeira etapa 50% dos projetos eram do interior, nesta segunda fase nós temos um índice de 78,5%”, afirma Marília.

Outra novidade em relação aos temas foi um projeto coordenado pelo professor Wagner Farid Gattaz, da Faculdade de Medicina da USP, que trata da eficácia de um programa educativo sobre o uso de drogas e comportamento sexual em alunos da rede pública estadual em São Paulo. “É o primeiro projeto que discute esse tipo de tema polêmico”, diz a Coordenadora dos Programas Especiais de Educação.

Outro projeto aprovado,coordenado pelo professor Luiz Roberto Al­ves, da Escola de Comunicação e Artes da USP, consiste em recolher contos e casos populares na periferia da metrópole paulista, para fazer um trabalho de reflexão sobre as categorias que compõem a memória histórica popular e também a presença da cultura popular nos meios de comunicação de massa.

Para essa etapa do programa, houve 75 inscrições e 14 projetos foram aprovados, caindo significativamente o número de inscrições em relação à primeira etapa, quando se inscreveram 153 projetos, dos quais 25 foram aprovados, somando um total de 399 bolsas e um investimento de pouco mais de R$ 5 milhões. A FA­PESP não chegou a utilizar os R$ 5 milhões disponíveis para o programa nessa segunda etapa, investindo apenas cerca de R$ 2,1 milhões.

Para a professora Marília, o grande número de inscrições na primeira etapa se explica porque o programa atendia uma demanda reprimida. “Sabíamos, de antemão, que as inscrições deveriam cair na segunda rodada”. Quanto ao baixo índice de aprovação dos projetos, Marília diz que o problema está no fato de que muitos deles propõem desenvolver uma atividade de melhoria do ensino, ou desenvolver projetos de capacitação técnica de professores, ou ainda a construção de material didático, sem que fique claro, entretanto, o objeto da pesquisa, indispensável para que a FAPESP possa aprovar e financiar o projeto.

Como participar do programa

O Programa de Pesquisas Aplicadas sobre a Melhoria do Ensino Público do Estado de São Paulo envolve pesquisadores de universidades e institutos de pesquisa, que coordenam trabalhos dos quais participam professores e outros profissionais ligados às escolas de primeiro e segundo graus da rede pública, onde os projetos se desenvolvem. O seu objetivo é financiar pesquisas aplicadas sobre problemas concretos do ensino de primeiro e segundo graus, em escolas públicas paulistas, incentivando a produção de conhecimentos e a melhoria do ensino.

As inscrições podem ser feitas duas vezes por ano – em 30 de março e 30 de setembro -, pelos pesquisadores, responsáveis pelo encaminhamento à FAPESP de um projeto de pesquisa, no qual já estejam definidos o objeto da pesquisa, as escolas e os professores envolvidos.

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